Por um novo consenso global

Um dos primeiros artigos deste blog foi a Declaração Universal dos Direitos Humanos, fruto de consenso em favor da solidariedade internacional e da supressão das diferentes formas de desigualdade, no pós segunda guerra mundial.

Artigo de Ian Buruma, que eu traduzo abaixo, destaca a necessidade da volta da aspiração por um mundo mais justo e solidário, do ponto de vista social,  econômico e político. Em sua opinião devemos, como ponto de partida, lembrar por que o consenso de 1945 foi necessário. O mundo estava em frangalhos. Como parece estar atualmente.

Ao traduzir, fiz algumas supressões no texto que não alteram seu conteúdo e os argumentos. Ao final do texto traduzido existe um link para acesso ao texto original em inglês.

NOVA YORK – Em 8 de maio de 1945, quando a Segunda Guerra Mundial na Europa terminou oficialmente, grande parte do mundo estava em ruínas. Mas, se a capacidade humana para destruição conhece poucos limites, a capacidade de começar de novo é notável. Talvez por isso a humanidade tenha conseguido sobreviver.
Sem dúvida, milhões de pessoas famintas e exaustas no fim da guerra nada poderiam fazer, além de sobreviver.

Mas, ao mesmo tempo, uma onda de idealismo varreu os destroços e criou um senso coletivo  determinante para construir um mundo mais justo, pacífico e seguro.

Homens e mulheres não arriscaram suas vidas para,  simplesmente, voltar aos velhos tempos de privilégios de classe e privação social. Eles queriam melhores condições de moradia e educação e cuidados de saúde gratuitos para todos.

Demandas similares foram ouvidas por toda a Europa, onde a resistência anti-nazista ou anti-fascista foi muitas vezes liderada por esquerdistas, ou mesmo comunistas; enquanto os conservadores do pré-guerra foram frequentemente contaminados pela colaboração com regimes fascistas. Falou-se de revolução em países como a França, Itália e Grécia. Isso não aconteceu, porque nem os aliados ocidentais, nem a União Soviética apoiaram. Stalin contentava-se com um império na Europa Oriental.

Mas mesmo Charles de Gaulle, teve que aceitar comunistas em seu primeiro governo pós-guerra e concordou em nacionalizar indústrias e bancos. A guinada para a esquerda e para os estados de bem-estar social ocorreu em toda a Europa Ocidental. Era parte do consenso em 1945.
Um tipo diferente de revolução estava ocorrendo em ex-colônias da Europa e na Ásia, onde os povos nativos não tinham vontade de ser governados, mais uma vez, pelas potências ocidentais. Vietnamitas, indonésios, filipinos, birmaneses, indianos e malaios queriam sua liberdade também.
Essas aspirações foram muitas vezes expressas nas Nações Unidas, fundada em 1945. A ONU, como o sonho da unidade europeia, também era parte do consenso de 1945. Por um curto período de tempo, muitas pessoas proeminentes – Albert Einstein, por exemplo – acreditavam que apenas um governo mundial seria capaz de assegurar a paz global.
Este sonho desvaneceu-se rapidamente quando a Guerra Fria dividiu o mundo em dois blocos hostis. Mas, em alguns aspectos, o consenso de 1945, foi reforçado, no Ocidente, pela política da Guerra Fria. O comunismo, ainda envolto em uma folha de louro de anti-fascismo, teve um grande apelo emocional e intelectual, não somente no chamado Terceiro Mundo, mas também na Europa Ocidental. A social-democracia, com sua promessa de maior igualdade e de oportunidades para todos, serviu como um antídoto ideológico. Os social-democratas foram, de fato, em sua maioria, ferozmente anti-comunistas.
Hoje, 70 anos mais tarde, a maior parte do consenso de 1945 não sobrevive. Poucas pessoas parecem ter grande entusiasmo pela ONU. O sonho europeu está em crise. E o estado de bem-estar social do pós-guerra está sendo corroído, mais e mais, a cada dia.

A degeneração começou durante a década de 1980, sob Ronald Reagan e Margaret Thatcher. Os neoliberais atacaram os programas de assistência e os interesses de sindicatos. Os cidadãos, pensava-se, tinham de se tornar mais auto-suficientes; os programas de bem-estar do governo estavam tornando todos preguiçosos e dependentes. Nas famosas palavras de Thatcher, não havia tal coisa como “sociedade”, apenas as famílias e indivíduos que deveriam tomar conta de si mesmos.
Mas o consenso de 1945 sofreu um golpe muito maior com o colapso do império soviético, a outra grande tirania do século XX. Em 1989, parecia que o legado negro da II Guerra Mundial, a escravização da Europa Oriental, tinha finalmente acabado. E, em muitos aspectos, realmente acabou. Mas muito mais entrou em colapso junto com o modelo soviético. A social-democracia perdeu sua raison d’être como um antídoto para o comunismo. Todas as formas de ideologia de esquerda – na verdade, tudo o que cheirasse a idealismo coletivo – passou a ser visto como o utopismo equivocado que só poderia conduzir ao Gulag.
O neoliberalismo preencheu o vácuo, criando uma vasta riqueza para algumas pessoas, mas à custa do ideal de igualdade que tinha emergido da Segunda Guerra Mundial. A recepção extraordinária  ao livro “Capital no século XXI”, de Thomas Piketty, mostra como as profundas consequências do colapso da esquerda se fizeram sentir.
Nos últimos anos, outras ideologias também surgiram para preencher a necessidade humana de ideais coletivos. A ascensão do populismo de direita reflete anseios de comunidades nacionais puras que mantêm imigrantes e das minorias fora revivido. E, perversamente, neo-conservadores americanos têm transformado o internacionalismo da velha esquerda, procurando impor uma ordem mundial democrática pelo uso da força militar norte-americana.
A resposta a estes desenvolvimentos alarmantes não é a nostalgia. Nós não podemos simplesmente voltar ao passado. Muita coisa mudou. Mas uma nova aspiração a igualdade social e econômica, e de solidariedade internacional, é extremamente necessária. Ela não pode ser a mesma do consenso de 1945, mas faríamos bem, neste aniversário, em lembrar, como ponto de partida, por que o consenso de 1945 foi necessário.

Ian Buruma é professor de Democracia e Direitos Humanos, e de Jornalismo no Bard College. Ele é autor de inúmeros livros, incluindo Murder in Amsterdam: The Death of Theo Van Gogh and the Limits of Tolerance e, mais recentemente, Year Zero: A History of 1945.

Read more at http://www.project-syndicate.org/commentary/1945-welfare-state-retreat-by-ian-buruma-2015-05#iY1zIeMOixBbi71s.99

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