Um Neruda por semana # 5 – Os advogados do dólar

Inferno americano, pão nosso
empapado em veneno, há outra
língua em tua pérfida fogueira: 
é o advogado nativo 
da companhia estrangeira. 
É ele que arrebita os grilhões  
da escravidão em sua pátria, 
e passeia desdenhoso 
com a casta dos gerentes 
a mirar com ar supremo 
nossas bandeiras andrajosas. 

Quando chegam de Nova York 
as vanguardas imperiais, 
engenheiros, calculistas, 
agrimensores, peritos, 
e medem terra conquistada, 
estanho, petróleo, bananas, 
nitrato, cobre, manganês, 
açúcar, ferro, borracha, terra, 
adianta-se um anão obscuro, 
com um sorriso amarelo, 
e aconselha com suavidade 
aos invasores recentes: 

Não é preciso pagar tanto 
a estes nativos, seria 
um crime, meus senhores, elevar 
estes salários. Não convém.
Estes pobres-diabos, estes mestiços, 
iriam só embriagar-se 
com tanto dinheiro. Pelo amor de Deus! 
São uns primitivos, quase 
umas feras, conheço esta cambada. 
Não paguem tanto dinheiro. 

É adotado. Põem-lhe 
libré. Veste como gringo, 
cospe como gringo. Dança 
como gringo, e vai subindo. 
Tem automóvel, uísque, imprensa, 
é eleito juiz e deputado, 
é condecorado, é ministro, 
e é ouvido no Governo. 
Sabe ele quem é subornável. 
Sabe ele quem é subornado. 
Ele lambe, unta, condecora, 
afaga, sorri, ameaça. 
E assim se esvaziam pelos portos 
as repúblicas dessangradas. 

Onde mora, perguntareis, 
este vírus, este advogado, 
este fermento do detrito, 
este duro piolho sangüíneo, 
engordado de nosso sangue? 
Mora nas baixas regiões 
equatoriais, o Brasil, 
mas sua morada é também 
o cinturão central da América. 
Podereis encontrá-lo na escarpada 
altura de Chuquicamata. 
Onde cheira riqueza, sobe 
os montes, cruza abismos, 
com as receitas de seu código 
para roubar a terra nossa. 

Podereis achá-lo em Puerto Limón, 
na Ciudad Trujillo, em Iquique, 
em Caracas, Maracaibo, 
em Antofagasta, em Honduras, 
encarcerando nosso irmão, 
acusando seu compatriota, 
despedindo peões, abrindo 
portas de juízes e abastados, 
comprando imprensa, dirigindo 
a polícia, o pau, o rifle 
contra sua família esquecida. 

Pavoneando-se, vestido 
de smoking, nas recepções, 
inaugurando monumentos, 
com esta frase: meus senhores, 
a pátria, antes da vida, 
é a nossa mãe, é o nosso chão, 
vamos defender a ordem fazendo 
novos presídios, novos cárceres. 

E morre glorioso, “o patriota”, 
senador, patrício, eminente, 
condecorado pelo papa, 
ilustre, próspero, temido, 
enquanto a trágica ralé 
de nossos mortos, os que fundiram 
a mão no cobre, arranharam 
a terra profunda e severa, 
morrem batidos e esquecidos, 
postos às pressas 
em seus caixões funerários: 
um nome, um número na cruz 
que o vento sacode, matando 
até a cifra dos heróis.

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