Sigilo para injustiça

Em razão de desmedida ambição pelo poder, o grupo golpista, de amplo espectro, composto por setores retógrados da sociedade, em alguns casos, por  inocentes úteis, por “inocentes do Leblon” e por culpados sem qualquer inocência, em outros casos, está, pouco a pouco, destruindo todas as conquistas democráticas duramente arrancadas na luta contra a ditadura.

Uma ditadura que tantos mortos, presos,  calados à força, torturados e exilados deixou em seu caminho de longos 21 anos.

Uma ditadura que está entranhada na alma e no sangue daqueles que gozaram dos seus privilégios ou que vai se entranhando na alma dos que, pela idade, não viveram seus horrores, mas que asseiam em manter ou ter acesso ao regime de privilégios que a falta de genuína democracia gera para o pequeno grupo de beneficiários.

A constituição cidadã vai sendo rasgada, dia-a-dia, nas decisões seletivas dos juízos e tribunais funcionando em regime de exceção.

Os próprios institutos legais estabelecidos nas sociedades civilizadas do mundo todo para proteger a democracia estão sendo, em nosso país, manipulados para enfraquecer e derrotar a democracia que deviam proteger.

O sigilo de justiça é um destes instrumentos.

Transformou-se, nas mãos de autoridades que deviam protegê-lo, para o bem da sociedade e proteção dos seus cidadãos, em arma de luta política com o fim de servir para tomada de poder sem voto.

Usado seletivamente contra inimigos e a favor de amigos, transformou-se, no Brasil, em sigilo para injustiça.

Em tempos de justiça das ruas e da TV , moldada e formatada pelo coronelismo midiático, um “bom” segredo de justiça, vazado seletivamente por operadores interessados para a mídia interesseira, vale milhões. Ou melhor, vale o poder, o que, no fim, dá no mesmo: milhões.

Hoje, o poder está com quem detém as informações sigilosas e tem a possibilidade de vazá-las seletivamente.

Na briga pelo poder de manipular a opinião pública e implantar seu projeto de poder, as autoridades desta triste república, associadas aos grupos de mídia, digladiam-se pelo privilégio de manter ou divulgar os segredos que destroem reputações ou preservam criminosos.

Parece-me óbvio que, se quem vende ou disponibiliza, ilegalmente ou com desvio de finalidade, a informação de processo “protegido” por sigilo de justiça comete crime, quem compra e divulga informações de processos sigilosos está, em tese, também incorrendo na prática de crime. 

Infelizmente, o que observamos hoje é pura briga pelo privilégio de decidir que informações permanecerão sob sigilo e quais serão divulgadas, tudo em nome de projetos de poder de cada corporação envolvida.

E não são poucas as poderosas corporações, ora em conluio, ora em conflito.

Deixo aqui, abaixo, para leitura e reflexão, manifestação tardia de ministro do Supremo Tribunal sobre os vazamentos seletivos:

“Na verdade, tem ocorrido, vamos dizer claramente, e aconteceu inclusive em processo de minha relatoria. Processos ocultos, que vêm como ocultos, e que vocês já sabem, divulgam no jornal antes de chegar ao meu gabinete. Isso tem ocorrido e precisa ter cuidado, porque isso é abuso de autoridade”.

“É preciso ter muito cuidado com isso, e os responsáveis tem que ser chamados às falas. Não se pode brincar com esse tipo de coisa. ‘Ah, é processo oculto, pede-se sigilo’, mas divulga-se para a imprensa que tem o processo aqui ou o inquérito. Isso é algo grave, não se pode cometer esse tipo de… Isso é uma brincadeira com o Supremo. É preciso repudiar isso de maneira muito clara”.

Ao final, deixo algumas perguntas:

  • A quem servem os vazamentos de pequenos trechos selecionados pela mídia cúmplice?
  • Onde estão os trechos das conversas e da delação premiada de Sérgio Machado com e sobre o presidente interino Michel Temer? Por que não foram divulgados?

Em que outro país verdadeiramente democrático delações obtidas sob tortura psicológica ou ameaças veladas, vazadas seletivamente, podem ser usadas para formatar a opinião pública e condenar pessoas, sem rigor na apuração de provas ?

Em que outro país verdadeiramente democrático o Supremo Tribunal assiste que se rasgue a Constituição e não toma qualquer atitude?

Em que outro país verdadeiramente democrático o sigilo de justiça pode ser usado como arma de manutenção de poder e acesso a privilégios sem qualquer questionamento?

 

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