Gerenciamento de expectativas: Este é um país que vai pra frente? (Revisado)

Toda autoridade, da área econômica ou política, corre sério risco de ser mal interpretada ou ter suas palavras distorcidas. O risco hoje no Brasil, neste ambiente de turbulência política, é ainda maior.

As palavras nas entrevistas, deixam de ser nossas filhas, perdemos sua paternidade. Dão margem para interpretações, são tiradas de contexto, são fundidas e confundidas, ao gosto do freguês.

Nestes tempos confusos, é de bom alvitre seguir os conselhos do sábio poeta Thiago de Mello:

“É preciso ter paciência com as vaidades verdes.

Evita a canção do vento que inventa

o redemoinho nas palavras,

e quando o sol estiver a pino

evita as próprias palavras,

um autêntico Áries deve preferir não dizer

quando o dizer é confundir”.

Em entrevista ao site O Financista, Otaviano Canuto, representante do Brasil e de um grupo de países no FMI, fez afirmativas otimistas em relação à saída da economia brasileira do que ele chama de “fundo do poço”. Informa que ouviu em Nova York que todos estão satisfeitos com a nova equipe econômica e com a expectativa de apoio do Congresso às medidas do governo Temer.

Parece-me que o entrevistado inverteu o sentido dos acontecimentos políticos no Brasil. O Congresso é que derrubou a presidente eleita para impor a sua opção de política econômica e para isso escolheu um presidente interino confiável a seus interesses e não, como o entrevistado faz crer, uma equipe econômica iluminada está definindo uma política econômica tão maravilhosa que conta com o apoio de Nova York e deverá contar com o apoio do Congresso.

Houve um golpe midiático-parlamentar para impor “a agenda”, seguidamente derrotada nas urnas.

Seria um contrassenso um presidente interino entronizado por um golpe patrocinado pela FIESP e pela mídia coronelista não entregar o que foi negociado.

A FIESP, juntamente com mídia coronelista e outros grupos de interesse internos e externos, compraram, entre outras leis e decisões econômicas, a “flexibilização” da lei do pré-sal,  a redução dos salários médios da economia, o estabelecimento de idade mínima para aposentadoria, a alteração da CLT com a lei de terceirização ampla e com a prevalência dos acordos coletivos sobre a CLT , a volta do tripé macroeconômico, além do corte amplo nos benefícios sociais.

À maravilhosa equipe econômica cabe, apenas, entregar a mercadoria vendida. Sem compromisso eleitoral ou sem levar em consideração a variável política trata-se, a exemplo do que ocorreu na ditadura, de trabalho simples e fácil, pelo no médio prazo.

Mas, tem sempre um mas. Os planos dos economistas e financistas gestores de políticas econômicas não podem, nunca, desprezar a voz das ruas e das urnas. O projeto a ser implantado, mesmo apoiado por “todos” em Nova York, não passou pelo teste do voto popular. Sem legitimidade, se vier a decolar, será apenas um vôo de galinha doente.

Infelizmente, o entrevistado não informou quem são os tais “todos” de Nova York  para os quais, pelo visto, temos que bater continência. Seriam estes, na morte da democracia, os novos fiadores da viabilidade dos governos no Brasil, passando por cima dos votos de 100 milhões de eleitores do país ?. A escolha da política econômica passará a ser feita no legislativo e pela pressão da mídia empresarial?

Trata-se, obviamente, de verdadeira distorção: Se Nova York aprova, está tudo muito bem, está tudo muito bom. Consulta popular? Esqueça. A agenda do governo usurpador não seria aprovada nas urnas se fosse tornada clara e explícita. Nova York já aprovou. A OCDE já tirou o “bode mal-cheiroso” da sala, as Organizações Globo avalizam e cobram. Tudo certo, como se vê.

O Financista deu destaque como sendo a principal conclusão das afirmativas de Otaviano Canuto a recuperação estimulada pela troca da equipe econômica:

“A economia do Brasil já mostra sinais do início de uma recuperação estimulada pela troca da equipe econômica, que agora tem mais autonomia em relação às turbulências do lado político. Essa é a visão de Otaviano Canuto, atual diretor-executivo do país no FMI (Fundo Monetário Internacional), mas que está de mudança para o seu cargo antigo no Banco Mundial”.

Ao juntar respostas de perguntas em um resumo único, o entrevistador pode montar, conscientemente ou não, um monstrengo.

Lendo a íntegra da entrevista de Otaviano Canuto, não ficou claro que a mudança de sinal, agora “para cima”,  seria pela mudança da equipe econômica. A meu ver esta foi uma interpretação equivocada do autor da matéria, senhor Gustavo Kahil.

A minha leitura é outra. Otaviano Canuto, como profissional experiente, teve o cuidado de mencionar indicadores antecedentes da OCDE, para fundamentar seu otimismo. Ora, são projeções econômicas baseadas em dados já apurados e processados pela OCDE, portanto apoiadas em números da economia relativos ao período do governo Dilma. Não existem ainda números publicados do governo provisório. Não acredito que a OCDE esteja baseando sua análise somente  na mudança da equipe econômica.

Nem acredito que Otaviano Canuto pudesse ter afirmado que esta equipe econômica é tão espetacular que seria capaz de, sozinha, tirar a economia brasileira do fundo do tal poço e alavancar o crescimento. Existe uma realidade no mundo, na qual o país está inserido. Se o fizesse, seria puro exercício de futurologia para gerenciar as expectativas de mercado, a exemplo das tentativas fracassadas de Guido Mantega.

Não entendi o que Otaviano tentou dizer com a afirmativa de que “há nessa equipe uma autonomia relativa da política econômica em relação às turbulências do lado político”.

Autonomia relativa da política econômica em relação às turbulências do lado político, repito em voz alta, tentando interpretar. Leio o resto do texto e encontro uma frase que talvez ajude a explicar o enigma.

“… Há uma coalizão de lideranças em favor da agenda”.

Agora ficou mais claro: explicitou o motivo do golpe. É a tal da “agenda”. Lideranças, infelizmente ele não explicou quais seriam, se políticas ou econômicas, ou ambas, têm uma agenda própria e para  colocá-la em prática foi necessário afastar  a presidente eleita e empossar o time econômico dos sonhos de Nova York. Ou seria de Washington?.

A bem da verdade, Otaviano já havia demonstrado algum otimismo, moderado, em relação à economia brasileira, antes da mudança de governo.

Mas as palavras voam, confundem e são usadas politicamente, mesmo no caso de equipes de burocratas e técnicos imunes às “turbulências políticas”.

Trechos selecionados da mencionada entrevista estão sendo divulgadas pelos blogs que apoiam o governo golpista, na tentativa de gerenciar as expectativas. Vendem recuperação e econômica. Vendem otimismo e normalidade. Como se fosse possível voltar ao normal na economia, ganhando “autonomia” – abstraindo, como os economistas  gostam de dizer – o tenebroso momento político do país.

Na minha humilde opinião, se os economistas, tecnocratas e ministros investigados insistirem em impor uma agenda que passa por cima das forças sociais vivas do país – o pacote completo de retrocessos econômico e social – colherão mais turbulência política e caos.

Ordem unida e aplicação cruel de uma agenda de retrocessos não irão resolver as crises. Não precisa ser Cientista Político para entender que governos ilegítimos, apoiado por políticos corruptos ou investigados, são parte do problema e não da sua solução.

Com rolo compressor e ordem unida para o progresso é impossível alcançar consensos genuínos e construir um pacto social duradouro.
 

 

 

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