Por Ivan Valente
Consumado o golpe, é crucial vencer a disputa de narrativas.
O episódio do impeachment era jogo vencido há tempos, jogo de cartas marcadas. A defesa de Dilma Rousseff no senado, no dia 29, não virou o placar, que exibiu há pouco vergonhosos 61 a favor do impeachment e 20 contra. A precisão com que a ex-presidente desmontou os ataques escancarou ainda mais a fragilidade da acusação, que já vinha sofrendo reveses nos últimos dias de julgamento. A parcialidade das instituições foi desnudada com a revelação de que membros do Ministério Público e do TCU trabalharam em conjunto para elaborar a peça de acusação, comprometendo seriamente a imparcialidade dos responsáveis.
A própria Janaína Paschoal admitiu que os decretos que embasam o pedido de impeachment são de menor importância e teve que apelar com uma fala péssima sobre Deus para tentar encobrir a articulação interesseira e a falta de substância. No final, houve uma simulação de julgamento, com pretextos vazios usados para destituir uma presidente eleita democraticamente. Dilma realmente não foi uma presidente exemplar, merecendo inúmeras críticas, mas não podia ser condenada sem provas de qualquer crime, muito menos por senadores que negociaram o impeachment no balcão de Temer em troca de cargos e outros benefícios pessoais.
A rejeição, por parte dos senadores, do pacto por novas eleições afronta a soberania popular e entrega a decisão dos rumos do país políticos que querem assumir o poder sem o voto, além de tentar se salvar da Lava Jato. Não há como sustentar que o impeachment se deu para combater a corrupção. O processo teve início na câmara como uma retaliação de Eduardo Cunha, que aliás muitos deputados ainda estão tentando proteger, mesmo se tratando de um corrupto incontestável. A Lava Jato, depois de tanta investigação, não encontrou nenhum indício de que Dilma tenha se beneficiado pessoalmente do esquema da Petrobras, afinal até mesmo do caso de Pasadena ela foi inocentada. Por outro lado, não faltam denúncias contra a cúpula do novo governo, incluindo o próprio Temer, Eliseu Padilha e José Serra.
O que virá daqui para frente não será fácil de digerir. Pode-se esperar um amplo pacote de maldades, pois a finalidade do golpe é impor uma agenda neoliberal da mais alta agressividade, atentando contra a previdência, contra direitos trabalhistas, contra o SUS, contra o investimento na educação, contra programas sociais, em nome dos interesses mais imediatistas e tacanhos da elite financeira. Não é um projeto nacional, como alguns ainda podem pensar. Muito pelo contrário; é um projeto político voltado para os banqueiros, para os rentista e para o capital estrangeiro, com um intenso desmonte de nosso patrimônio e da estrutura básica para nosso desenvolvimento. A política de ajuste fiscal também não deu bons resultados onde foi praticada e vem sendo desacreditada no exterior, apesar de aqui, infelizmente, ainda não ter saído de moda.
Precisamos deixar claro que a privatização generalizada não é de interesse do país, é um bom negócio apenas para meia dúzia de oportunistas que não darão o retorno de que precisamos na arrecadação. Atividades de importância estratégica não deveriam ser entregues quase de graça para o capital privado. Podemos citar exemplos como o da Noruega, onde a petroleira é estatal e alavancou o desenvolvimento do país, a ponto de passar de um dos mais pobres da Europa ao melhor IDH do planeta. A Vale do Rio Doce era lucrativa antes da privatização, a ideia de que sua privatização foi um bom negócio precisa ser desconstruída. Aliás, a privatização da Vale pode ter sido a maior maracutaia já feita na história desse país. Primeiro, sucatearam uma empresa que nos dava orgulho, para justificar a venda. Depois venderam a preço de banana, para termos hoje uma Vale que sonega dezenas de bilhões em impostos e descuida completamente do meio ambiente, como vimos em Mariana.
Precisamos, com urgência, expor o quanto este golpe é antinacionalista, elitista e corrupto. Não podemos esperar a deterioração inevitável da qualidade de vida do trabalhador para desconstruir a narrativa da direita. O neoliberalismo à brasileira precisa ser combatido com grande empenho, tanto nas ruas quanto no embate de ideias. No curto prazo, a derrota no processo de impeachment é terrível, mas não podemos esmorecer, não podemos dar trégua aos golpista. Temos que minar a influência dos golpistas, refutá-los o melhor que pudermos, enquanto avançamos em um trabalho de base e reconstruímos um grande projeto de esquerda consistente para o país. Nós temos todas as condições de vencer a narrativa histórica, que é um passo crucial para superarmos, assim que possível, o episódio nefasto em que ingressamos agora.