E agora, Janot?

Diálogos Essenciais

Alguém deve explicar para o Dr. Deltan Dallagnol a diferença entre o exercício do ministério público religioso e do Ministério Público, criado pela Constituição de 1988.

Um, o ministério público religioso, permite o exercício da fé, com discursos inflamados, exortações, rituais, exorcismos e espetáculos musicais; permite público, clama por plateia. Outro, o Ministério Público Federal, tem suas atribuições claramente definidas na Constituição Federal e nas leis infraconstitucionais e exige, como princípio básico, respeito aos direitos constitucionais de todo e qualquer cidadão, por mais “endemoniado” que lhe pareça.

Misturar fé e religião com o exercício de uma função pública tão importante quanto a função de servidor público federal é certeza de confusão. Se este agente é um membro do Ministério Público Federal regiamente pago para defender os interesses da sociedade, esta mistura pode tornar-se explosiva.

Aumentar esta confusão com pitadas de política e execração pública ofende os direitos constitucionais dos acusados…

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E agora, Janot?

Alguém deve explicar para o Dr. Deltan Dallagnol a diferença entre o exercício do ministério público religioso e do Ministério Público, criado pela Constituição de 1988.

Um, o ministério público religioso, permite o exercício da fé, com discursos inflamados, exortações, rituais, exorcismos e espetáculos musicais; permite público, clama por plateia. Outro, o Ministério Público Federal, tem suas atribuições claramente definidas na Constituição Federal e nas leis infraconstitucionais e exige, como princípio básico, respeito aos direitos constitucionais de todo e qualquer cidadão, por mais “endemoniado” que lhe pareça.

Misturar fé e religião com o exercício de uma função pública tão importante quanto a função de servidor público federal é certeza de confusão. Se este agente é um membro do Ministério Público Federal regiamente pago para defender os interesses da sociedade, esta mistura pode tornar-se explosiva.

Aumentar esta confusão com pitadas de política e execração pública ofende os direitos constitucionais dos acusados e configura desvio funcional grave.

Não é, como alguns afirmam, somente pela falta de provas. Mesmo que existissem provas cabais de cometimento de algum crime,  ninguém pode ser execrado em praça pública e ter sua honra arrastada pelas ruas.

O povo, irado, escracha – e às vezes, faz até pior, os seus algozes e inimigos. O Ministério Público e nenhum poder da República pode “escrachar” cidadãos cujos direitos estes órgãos têm o dever funcional de proteger.

Se o Ministério Público presta-se a “escrachar” o cidadão, vamos ter, os cidadãos, que fechar este Ministério Público e criar outro órgão que nos proteja?

Ninguém é infalível, por mais ungido que seja pelo Deus de sua fé e por mais meritória que pareça ser a sua cruzada.

O exercício de função pública tão nobre exige nobreza de caráter, preparo e inteligência emocional. Faltam,  a alguns dos procuradores da força-tarefa, entre outros atributos, inteligência emocional e preparo. E, ao que parece, faltam também supervisão e, o sempre saudável, contraditório. Falta o contraponto, a dúvida, o questionamento que permite evitar erros.

O princípio da presunção de inocência requer, de qualquer servidor público, atitude responsável e zelo. Se este servidor público é membro do Ministério Público Federal, esta responsabilidade e zelo devem ser dobrados.

Ora, eles sabem disso, pois consta de seus juramentos como advogados e dos estatutos que devem respeitar como servidores públicos e membros do MPF! Se estão a meter os pés pelas mãos como está evidente é porque, em sua cega fé messiânica, perderam o senso.

Este papel ridículo denigre a imagem do Ministério Público Brasileiro e, em dobradinha com Dr. Sérgio Moro, coloca em dúvida a lisura e a imparcialidade de todo o sistema jurídico nacional.

O que mais assusta é a omissão ou, o que seria ainda pior, o aval do Procurador-Geral da República. O senhor PGR não tem nem o falso álibi da unção, privilégio do chefe da força-tarefa.

O Dr. Janot não pode fingir que não viu. Tem que vir a público e declarar se autorizou previamente a manifestação político/messiânica ou se, para falar em linguagem apropriada ao atual momento político nacional, “levou um trança-pé, uma rasteira”.

Não acredito que o PGR, sóbrio, tenha aplicado um “auto-trança-pé”.

Custo a crer que um gigante institucional como o Ministério Público Brasileiro ficará estatelado no chão por muito tempo. Precisa reagir, antes de ser, também, “escrachado”.

Carta aberta de Eugênio Aragão a Rodrigo Janot

Compartilho texto publicado por um amigo de Facebook. Trata-se de uma carta aberta e diz muito sobre o atual, tenebroso, momento político/institucional/jurídico que vive esta triste nação.

Já escrevi em outras ocasiões sobre as ilegalidades e desvios de conduta praticados pelos procuradores da força-tarefa da Lava Jato e sobre a atuação parcial e seletiva do Juiz Sérgio Moro. Temos hoje, no Brasil, “o rabo balançando o cachorro”, ou seja, um pequeno grupo de procuradores e uma força-tarefa (“o rabo”) adquiriu autonomia e ficou maior do que o cachorro (“o Ministério Público Brasileiro”). Sua força vem da manipulação ilegal da opinião pública. Foi assim, jogando para a plateia, ignorando as mínimas regras de uma democracia civilizada, que a força-tarefa ganhou musculatura para se constituir em um poder maior do que o Ministério Público.

Dr. Eugênio Aragão mostrou, em sua carta aberta, o acovardamento do Ministério Público frente ao monstro musculoso que se tornou a força-tarefa, “bombada” pelos hormônios fornecidos por uma mídia oligopolista irresponsável. Todos temos visto, também, o ‘encolhimento’ do STF frente aos “músculos bombados”da força-tarefa.

Mas todos sabemos o efeito de uma dieta com hormônios para a artificial e rápida criação de músculos: metástase institucional.

Para deixar claro: o problema não é a força-tarefa em si. O problema é a flagrante ilegalidade; é o desvio de conduta de servidores públicos remunerados com os mais altos salários do país para realizarem um trabalho exemplar, dentro das regras definidas no marco constitucional.

Leia a carta aberta do Dr. Eugênio Aragão. É um “textão”, como diversos outros publicado neste blog, mas é, em minha humilde opinião, um documento histórico. Merece nossa atenção.

Paulo Martins

“Carta aberta de Eugênio Aragão a Rodrigo Janot
“Praecepta iuris sunt haec: honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere” (Ulpiano)
“Os preceitos do direitos são estes: viver honestamente, não lesar a outrem, dar a cada um o que é seu.” (Ulpiano)
“Disse o Senhor Procurador-Geral da República por ocasião da posse da nova presidente do STF, Ministra Carmen Lúcia, que se tem “observado diuturnamente um trabalho desonesto de desconstrução da imagem de investigadores e de juízes. Atos midiáticos buscam ainda conspurcar o trabalho sério e isento desenvolvido nas investigações da Lava Jato”.
Visto a carapuça, Doutor Rodrigo Janot. E lhe respondo publicamente, por ser esse o único meio que me resta para defender a honestidade de meu trabalho, posta em dúvida, também publicamente, pelo Senhor, numa ocasião solene, na qual jamais alcançaria o direito de resposta.
O Senhor sabe o quanto tenho sido ostensivamente crítico da forma de agir estrambólica dos agentes do Estado, perceptível, em maior grau, desde a Ação Penal 470, sob a batuta freisleriana do Ministro Joaquim Barbosa.
Aliás, antes de ser procurador-geral, o Senhor compartilhava comigo, em várias conversas pessoais, minha crítica, dirigida, até mesmo, ao Procurador-Geral da República de então, Doutor Gurgel. Lembro-me bem de suas opiniões sobre a falta de noção de oportunidade de Sua Excelência, quando denunciou o Senador Renan Calheiros em plena campanha à presidência do Senado.
Lembro-me, também, de nossa inconformação solidária contra as injustiças perpetradas na Ação Penal 470 contra nosso (grifo do original) amigo José Genoíno.
“Não foi uma só vez que o Senhor contou que seus antecessores sabiam da inocência de Genoíno, mas não o retiraram da ação penal porque colocaria em risco o castelo teórico do “Mensalão”, como empreitada de uma quadrilha, da qual esse nosso amigo tinha que fazer parte, para completar o número”.
Por sinal, conheci José Genoíno em seu apartamento, na Asa Sul, quando o Senhor e eu dirigíamos em parceria a Escola Superior do Ministério Público da União. Àquela ocasião, já era investigado, senão denunciado, por Doutor Antônio Fernando.
Janot, conforme explica Aragão na carta, tinha consciência da inocência de José Genoino com quem conversava e até oferecia almoços e jantares que o próprio Janot cozinhava em sua casa.
Admirei a sua coragem, Doutor Rodrigo, de não se deixar intimidar pelos arroubos midiáticos e jurisdicionais vindas do Excelso Sodalício. Com José Genoíno travamos interessantes debates sobre o futuro do País, sobre a necessidade de construção de um pensamento estratégico com a parceria do ministério público.
Tornou-se, esse político, então, mais do que um parceiro, um amigo, digno de ser recebido reiteradamente em seu lar, para se deliciar com sua arte culinária. De minha parte, como não sou tão bom cozinheiro quanto o Senhor, preferia encontrar, com frequência, Genoíno, com muito gosto e admiração pela pessoa simples e reta que se me revelava cada vez mais, no restaurante árabe do Hotel das Nações, onde ele se hospedava. Era nosso point.
Cá para nós, Doutor Rodrigo Janot, o Senhor jamais poderia se surpreender com meu modo de pensar e de agir, para chamá-lo de desonesto. O Senhor me conhece há alguns anos e até me confere o irônico apelido de “Arengão”, por saber que não fujo ao conflito quando pressinto injustiça no ar. Compartilhei esse pressentimento de injustiça com o Senhor, já quando era procurador-geral e eu seu vice, no Tribunal Superior Eleitoral.
Compartilhei meus receios sobre os desastrosos efeitos da Lava Jato sobre a economia do País e sobre a destruição inevitável de setores estratégicos que detinham insubstituível ativo tecnológico para o desenvolvimento do Brasil. Da última vez que o abordei sobre esse assunto, em sua casa, o Senhor desqualificou qualquer esforço para salvar a indústria da construção civil, sugerindo-me que não deveria me meter nisso, porque a Lava Jato era “muito maior” do que nós.
Mas continuemos no flash-back.
Tinha-o como um amigo, companheiro, camarada. Amigo não trai, amigo é crítico sem machucar, amigo é solidário e sempre tem um ouvido para as angústias do outro.
Lutamos juntos, em 2009, para que Lula indicasse Wagner Gonçalves procurador-geral, cada um com seus meios. Os meus eram os contatos sólidos que tinha no governo pelo meu modo de pensar, muito próximo ao projeto nacional que se desenvolvia e que fui conhecendo em profundidade quando coordenador da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão da PGR, que cuidava da defesa do patrimônio público.
Ficamos frustrados quando, de última hora, Lula, seguindo conselhos equivocados, decidiu reconduzir o Doutor Antônio Fernando.
Em 2011, tentamos de novo, desta vez com sua candidatura contra Gurgel para PGR.
Na verdade, sabíamos que se tratava apenas de um laboratório de ensaio, pois, com o clamor público induzido pelos arroubos da mídia e os chiliques televisivos do relator da Ação Penal 470, poucas seriam as chances de, agora Dilma, deixar de indicar o Doutor Gurgel, candidato de Antônio Fernando, ao cargo de procurador-geral.
Ainda assim, levei a missão a sério. Fui atrás de meus contatos no Planalto, defendi seu nome com todo meu ardor e consegui, até, convencer alguns, mas não suficientes para virar o jogo.
Mas, vamos em frente.
Em 2013, quando o Senhor se encontrava meio que no ostracismo funcional porque ousara concorrer com o Doutor Gurgel, disse-me que voltaria a concorrer para PGR e, desta vez, para valer.
Era, eu, Corregedor-Geral do MPF e, com muito cuidado, me meti na empreitada. Procurei o Doutor Luiz Carlos Sigmaringa Seixas, meu amigo-irmão há quase trinta anos, e pedi seu apoio a sua causa.
Procurei conhecidos do PT em São Paulo, conversei com ministros do STF com quem tinha contatos pessoais. Enquanto isso, o Senhor foi fazendo sua campanha Brasil afora, contando com o apoio de um grupo de procuradores e procuradoras que, diga-se de passagem, na disputa com Gurgel tinham ficado, em sua maioria, com ele.
Incluía, até mesmo, o pai da importação xinguelingue ( Gíria paulista: produto barato que vem da China, geralmente de baixíssima qualidade) da teoria do domínio do fato, elaborado por Claus Roxin no seu original, mas completamente deturpada na Pindorama, para se transmutar em teoria de responsabilidade penal objetiva.
Achava essa mistura de apoiadores um tanto estranha, pois eu, que fazia o trabalho de viabilizar externamente seu nome, nada tinha em comum com essa turma em termos de visão sobre o ministério público.
Como o Senhor sabe, no início de 2012, publiquei, numa obra em “homenagem” ao então Vice-Presidente da República, Michel Temer, um artigo extremamente polêmico sobre as mutações disfuncionais por que o ministério público vinha passando.
Esse artigo, reproduzido no Congresso em Foco, com o título “Ministério Público na Encruzilhada: Parceiro entre Sociedade e Estado ou Adversário implacável da Governabilidade?”, quando tornado público, foi alvo de síncopes corporativas na rede de discussão @Membros.
Faltaram querer me linchar, porque nossa casa não é democrática. Ela se rege por um princípio de omertà muito próprio das sociedades secretas. Mas não me deixei intimidar.
Depois, ainda em 2013, publiquei outro artigo, em crítica feroz ao movimento corporativo-rueiro contra a PEC 37, também no Congresso em Foco, com o título “Derrota da PEC 37: a apropriação corporativa dos movimentos de rua no Brasil”.
(N.R. A PEC 37, derrotada na Câmara em junho de 2013, determinava que o poder de investigação criminal seria exclusivo das polícias federal e civis, retirando esta atribuição de alguns órgãos e, sobretudo, do Ministério Público (MP).
Sua turma de apoio me qualificou de insano, por escrever isso em plena campanha eleitoral do Senhor. Só que se esqueceram que meu compromisso nunca foi com eles e com o esforço corporativo de indicar o Procurador-Geral da República por lista tríplice.Sempre achei esse método de escolha do chefe da instituição um grande equívoco dos governos Lula e Dilma.
Meu compromisso era com sua indicação para o cargo, porque acreditava na sua liderança na casa, para mudar a cultura do risco exibicionista de muitos colegas, que afetava enormemente a qualidade de governança do País.
No seu caso, pensava, a coincidência de poder ser o mais votado pela corporação e de ter a qualidade da sensibilidade para com a política extra-institucional, era conveniente, até porque a seu lado, poderia colaborar para manter um ambiente de parceria com o governo e os atores políticos.
Não foi por outro motivo que, quando me deu a opção, preferi ocupar a Vice-Procuradoria-Geral Eleitoral a ocupar a Vice-Procuradoria-Geral da República que, a meu ver, tinha que ser destinada à Doutora Ela Wiecko Volkmer de Castilho, por deter, também, expressiva liderança na casa e contar com boa articulação com o movimento das mulheres. Este foi um conselho meu que o Senhor prontamente atendeu, ainda antes de ser escolhido.
Naqueles dias, a escolha da Presidenta da República para o cargo de procurador-geral estava entre o Senhor e a Doutora Ela, pendendo mais para a segunda, por ser mulher e ter tido contato pessoal com a Presidenta, que a admirava e continua admirando muito.
Ademais, Doutora Ela contava com o apoio do Advogado-Geral da União, Doutor Luís Inácio Adams. Brigando pelo Senhor estávamos nós, atuando sobre o então Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo e o amigo Luiz Carlos Sigmaringa Seixas.
Quando ouvimos boatos de que a mensagem ao Senado, com a indicação da Doutora Ela, estava já na Casa Civil para ser assinada, imediatamente agi, procurando o Ministro Ricardo Lewandowski, que, após recebê-lo, contatou a Presidenta para recomendar seu nome.
No dia em que o Senhor foi chamado para conversar com a Presidenta, fui consultado pelo Ministro da Justiça e pelo Advogado-Geral da União, pedindo que confirmasse, ou não, que seu nome era o melhor. Confirmei, em ambos os contatos telefônicos.
Na verdade, para se tornar Procurador-Geral da República, o Senhor teve que fazer alianças contraditórias, já que não aceitaria ser nomeado fora do método de escolha corporativista.
Acendeu velas para dois demônios que não tinham qualquer afinidade entre si: a corporação e eu.
Da primeira precisou de suporte para receber seus estrondosos 800 e tantos votos e, de mim, para se viabilizar num mundo em que o Senhor era um estranho. Diante do meu receio de que essa química poderia não funcionar, o Senhor me acalmou, dizendo que nós nos consultaríamos em tudo, inclusive no que se tinha a fazer na execução do julgado da Ação Penal 470, que, a essa altura, já estava prestes a transitar.
O dia de sua posse foi, para mim, um momento de vitória. Não uma vitória pessoal, mas uma vitória do Estado Democrático de Direito que, agora, teria um chefe do ministério público enérgico e conhecedor de todas as mazelas da instituição. Sim, tinha-o como o colega no MPF que melhor conhecia a política interna, não só pelos cargos que ocupara, mas sobretudo pelo seu jeitão mineiro e bonachão de conversar com todos, sem deixar de ter lado e ser direto, sincero, às vezes até demais.
Seu déficit em conhecimento do ambiente externo seria suprido com o exercício do cargo e poderia, eu, se chamado, auxiliá-lo, assim como Wagner Gonçalves ou Claudio Fonteles.
Meu susto se deu já no primeiro mês de seu exercício como procurador-geral. Pediu, sem qualquer explicação ou conversa prévia com o parceiro de que tanto precisou para chegar lá, a prisão de José Genoíno. E isso poucos meses depois de ele ter estado com o Senhor como amigo in pectore.
Eu não tenho medo de assumir que participei desses contatos. Sempre afirmei publicamente a extrema injustiça do processo do “Mensalão” no que toca aos atores políticos do PT. Sempre deixei claro para o Senhor e para o Ministro Joaquim Barbosa que não aceitava esse método de exposição de investigados e réus e da adoção de uma transmutação jabuticaba da teoria do domínio do fato.
Defendi José Genoíno sempre, porque, para mim, não tem essa de abrir seu coração (e no seu caso, a sua casa) a um amigo e depois tratá-lo como um fora da lei, sabendo-o inocente.
Tentei superar o choque, mas confesso que nunca engoli essa iniciativa do Senhor.
Acaso achasse necessário fazê-lo, deveria ter buscado convencer as pessoas às quais, antes, expressou posição oposta. E, depois, como José Genoino foi reiteradamente comensal em sua casa, nada custava, em último caso, dar-se por suspeito e transferir a tarefa do pedido a outro colega menos vinculado afetivamente, não acha?
Como nosso projeto para o País era maior do que minha dor pela injustiça, busquei assimilar a punhalada e seguir em frente, sabendo que, para terceiros, o Senhor se referia a mim como pessoa que não podia ser envolvida nesse caso, por não ter isenção.
E não seria mesmo envolvido. Nunca quis herdar a condução da Ação Penal 470, para mim viciada ab ovo, e nunca sonhei com seu cargo. Sempre fui de uma lealdade canina para com o Senhor e insistia em convencer, a mim mesmo, que sua atitude foi por imposição das circunstâncias. Uma situação de “duress”, como diriam os juristas anglo-saxônicos.
Mas chegou o ano 2014 e, com ele, a operação Lava Jato e a campanha eleitoral. Dois enormes desafios. Enquanto, por lealdade e subordinação, nenhuma posição processual relevante era deixada de lhe ser comunicada no âmbito do ministério público eleitoral, no que diz respeito à Lava Jato nada me diziam, nem era consultado.
O Senhor preferiu formar uma dupla com seu chefe de gabinete, Eduardo Pelella, que tudo sabia e em tudo se metia e, por isso, chamado carinhosamente de “Posto Ipiranga”. Era seu direito e, também por isso, jamais o questionei a respeito, ainda que me lembrasse das conversas ante-officium de que sempre nos consultaríamos sobre o que era estratégico para a casa.
Passei a perceber, aos poucos, que minha distância, sediado que estava fora do prédio, no Tribunal Superior Eleitoral, era conveniente para o Senhor e para seu grupo que tomava todas as decisões no tocante à guerra política que se avizinhava.
Não quis, contudo, constrangê-lo. Tinha uma excelente equipe no TSE. Fazia um time de primeira com os colegas Luiz Carlos Santos Gonçalves, João Heliofar, Ana Paula Mantovani Siqueira e Ângelo Goulart e o apoio inestimável de Roberto Alcântara, como chefe de gabinete. Não faltavam problemas a serem resolvidos numa das campanhas mais agressivas da história política do Brasil. Entendi que meu papel era garantir que ninguém fosse crucificado perante o eleitorado com ajuda do ministério público e, daí, resolvemos, de comum acordo, que minha atuação seria de intervenção mínima, afim de garantir o princípio da par conditio candidatorum.
Quando alguma posição a ser tomada era controversa, sempre a submeti ao Senhor e lhe pedi reiteradamente que tivesse mais presença nesse cenário. Fiquei plantado em Brasília o tempo todo, na posição de bombeiro, evitando que o fogo da campanha chegasse ao judiciário e incendiasse a corte e o MPE. As estatísticas são claras. Não houve nenhum ponto fora da curva no tratamento dos contendentes.
Diferentemente do que o Senhor me afirmou, nunca tive briga pessoal com o então vice-presidente do TSE. Minha postura de rejeição de atitudes que não dignificavam a magistratura era institucional.
E, agora, que Sua Excelência vem publicamente admoestá-lo na condução das investigações da Lava Jato, imagino, suas duras reações na mídia também não revelam um conflito pessoal, mas, sim, institucional. Estou certo? Portanto, nisso estamos no mesmo barco, ainda que por razões diferentes.
Passada a eleição, abrindo-se o “terceiro turno”, com o processo de prestação de contas da Presidenta Dilma Rousseff que não queria e continua não querendo transitar em julgado apesar de aprovado à unanimidade pelo TSE e com as ações de investigação judicial e de impugnação de mandato eleitoral manejadas pelo PSDB, comecei, pela primeira vez, a sentir falta de apoio.
Debitava essa circunstância, contudo, à crise da Lava Jato que o Senhor tinha que dominar. As vezes que fui chamado a assinar documentos dessas investigações, em sua ausência, o fiz quase cegamente. Lembrava-me da frase do querido Ministro Marco Aurélio de Mello, “cauda não abana cachorro”.
Só não aceitei assinar o parecer do habeas corpus impetrado em favor de Marcelo Odebrecht com as terríveis adjetivações da redação de sua equipe. E o avisei disso. Não tolero adjetivações de qualquer espécie na atuação ministerial contra pessoas sujeitas à jurisdição penal.
Não me acho mais santo do que ninguém para jogar pedra em quem quer que seja. Meu trabalho persecutório se resume à subsunção de fatos à hipótese legal e não à desqualificação de Fulano ou Beltrano, que estão passando por uma provação do destino pelo qual não tive que passar e, por conseguinte, não estou em condições de julgar espiritualmente.
Faço um esforço de me colocar mentalmente no lugar deles, para tentar entender melhor sua conduta e especular sobre como eu teria agido. Talvez nem sempre mais virtuosamente e algumas vezes, quiçá, mais viciadamente.
Investigados e réus não são troféus a serem expostos e não são “meliantes” a serem conduzidos pelas ruas da vila “de baraço e pregão” (apud Livro V das Ordenações Filipinas). São cidadãos, com defeitos e qualidades, que erraram ao ultrapassar os limites do permissivo legal. E nem por isso deixo de respeitá-los.
Fui surpreendido, em março deste ano, com o honroso convite da senhora Presidenta democraticamente eleita pelos brasileiros, Dilma Vana Rousseff, para ocupar o cargo de Ministro de Estado da Justiça.
Imagino que o Senhor não ficou muito feliz e até recomendou à Doutora Ela Wiecko a não comparecer a minha posse. Aliás, não colocou nenhum esquema do cerimonial de seu gabinete para apoiar os colegas que quisessem participar do ato. Os poucos (e sinceros amigos) que vieram tiveram que se misturar à multidão.
A esta altura, nosso contato já era parco e não tinha porque fazer “mimimi” para exigir mais sua atenção. Já estava sentindo que nenhum de nossos compromissos anteriores a sua posse como procurador-geral estavam mais valendo.
O Senhor estava só monologando com sua equipe de inquisidores ministeriais ferozes. Essa é a razão, meu caro amigo Rodrigo Janot, porque não mais o procurei como ministro de forma rotineira. Estive com o Senhor duas vezes apenas, para tratar de assuntos de interesse interinstitucional.
E quando voltei ao Ministério Público Federal, Doutor Rodrigo Janot, não quis mais fazer parte de sua equipe, seja atuando no STF, seja como coordenador de Câmara, como me convidou. Prontamente rejeitei esses convites, porque não tenho afinidade nenhuma com o que está fazendo à frente da Lava Jato e mesmo dentro da instituição, beneficiando um grupo de colaboradores em detrimento da grande maioria de colegas e rezando pela cartilha corporativista ao garantir a universalidade do auxilio moradia concedida por decisão liminar precária.
Na crítica à Lava Jato, entretanto, tenho sido franco e assumido, com risco pessoal de rejeição interna e externa, posições públicas claras contra métodos de extração de informação utilizados, contra vazamentos ilegais de informações e gravações, principalmente em momentos extremamente sensíveis para a sobrevida do governo do qual eu fazia parte, contra o abuso da coerção processual pelo juiz Sérgio Moro, contra o uso da mídia para exposição de pessoas e contra o populismo da campanha pelas 10 medidas, muitas à margem da constituição, propostas por um grupo de procuradores midiáticos que as transformaram, sem qualquer necessidade de forma, em “iniciativa popular”.
Nossa instituição exibe-se, assim, sob a sua liderança, surfando na crise para adquirir musculatura, mesmo que isso custe caro ao Brasil e aos brasileiros.
Vamos falar sobre honestidade, Senhor Procurador-Geral da República.
A palavra consta do brocardo citado no título desta carta aberta.
O Senhor não concorda e não precisa mais concordar com minhas posições críticas à atuação do MPF.
Nem tem necessidade de uma aproximação dialógica. Já não lhe sirvo para mais nada quando se inicia o último ano de seu mandato.
Mas , depois de tudo que lhe disse aqui para refrescar a memória, o Senhor pode até me acusar de sincericídio, mas não mais, pois a honestidade (honestitas), que vem da raiz romana honor, honoris, esta, meu pai, do Sertão do Pajeú, me ensinou a ter desde pequeno. Nunca me omiti e não me omitirei quando minha cidadania exige ação.
Procuro viver com honra e, por isto, honestamente, educando seis filhos a comer em pratos Duralex, usando talheres Tramontina e bebendo em copo de requeijão, para serem brasileiros honrados, dando valor à vida simples.
Diferentemente do Senhor, não fiquei calado diante das diatribes políticas do Senhor Eduardo Cunha e de seus ex-asseclas, que assaltaram a democracia, expropriando o voto de 54 milhões de brasileiros, pisoteando-os com seus sapatinhos de couro alemão importado. Não fui eu que assisti uma Presidenta inocente ser enxovalhada publicamente como criminosa, não porque cometeu qualquer crime, mas pelo que representa de avanço social e, também, por ser mulher.
O Senhor ficou silente, apesar de tudo que conversamos antes de ser chamado a ser PGR. E ficou aceitando a pilha da turma que incendiava o País com uma investigação de coleta de prova de controvertido valor.
Eu sou o que sempre fui, desde menino que militou no Movimento Revolucionário 8 de Outubro. E o Senhor? Se o Senhor era o que está sendo hoje, sinto-me lesado na minha boa fé (alterum non laedere, como fica?). Se não era, o que aconteceu?
“A Lava Jato é maior que nós”?
Esta não pode ser sua desculpa. Tamanho, Senhor Procurador-Geral da República, é muito relativo. A Lava Jato pode ser enorme para quem é pequeno, mas não é para o Senhor, como espero conhecê-lo. Nem pode ser para o seu cargo, que lhe dá a responsabilidade de ser o defensor maior do regime democrático (art. 127 da CF) e, devo-lhe dizer, senti falta de sua atuação questionando a aberta sabotagem à democracia. Por isso o comparei a Pilatos. Não foi para ofendê-lo, mas porque preferiu, como ele, lavar as mãos.
Mas fico por aqui. Enquanto trabalhei consigo, dei-lhe o que lhe era de direito e o que me era de dever: lealdade, subordinação e confiança (suum cuique tribuere, não é?). E, a mim, o Senhor parece também ter dado o que entende ser meu: a acusação de agir desonestamente. Não fico mais triste. A vida nos ensina a aceitar a dor como ensinamento. Mas isso lhe prometo: não vou calar minha crítica e, depois de tudo o que o Senhor conhece de mim, durma com essa.
Um abraço sincero daquele de quem esteve anos a fio a seu lado, acreditando consigo num projeto de um Brasil inclusivo, desenvolvido, economicamente forte e respeitado no seio das nações, com o Ministério Público como ativo parceiro nessa empreitada. Via Alfredo Leitão”

Análise inicial da denúncia da força-tarefa da Lava Jato

Compartilho texto publicado pelo faceamigo João Lopes.

Excelente texto do Mestre do direito Afrânio Silva Jardim , leiam !!

” PAREI POR VOLTA DAS DUAS HORAS DA MADRUGADA …
Confesso que, passadas mais de duas horas da madrugada, ainda não consegui ler toda a denúncia que o Ministério Público apresentou, em Curitiba, contra o ex-presidente Lula, sua esposa e várias outras pessoas.
Confesso, ainda, que estou com dificuldade mesmo de extrair desta abundante narrativa quais são exatamente as condutas que são imputadas aos réus.
São 149 páginas de narrativas, as mais variadas e abrangentes, sobre esquemas de corrupção que se protraíram por mais de uma década em nosso país. Algumas passagens são repetidas de forma inexplicável.
O formato desta peça acusatória é totalmente atípico. Mais se parece com o relatório que os delegados de polícia têm de apresentar ao final do inquérito … Por vezes, esta denúncia lembra também um longo arrazoado. Poderia ser uma alegação final ou contra-razões de algum recurso …, ou seja, uma peça processual postulatória, mas não a peça inaugural de um processo penal.
Fui promotor de justiça por 26 anos (mais 5 como Procurador de Justiça) e nunca tinha visto o exercício da ação penal desta forma, através de uma denúncia com este formato estranho.
Como professor de Direito Processual Penal, em uma prova prática, reprovaria o aluno que redigisse uma denúncia desta forma …
A boa técnica remenda, tendo em vista o disposto no art. 41 do Cod.Proc.Penal que, na denúncia, o órgão acusador faça imputações certas e determinadas, individualizando as condutas no tempo e lugar. É preciso que o réu saiba exatamente do que está sendo acusado para poder se defender de forma eficaz.
Fica até difícil entender por que a acusação precisa de 149 folhas para descrever as condutas penalmente típicas que atribui aos réus. Análises políticas e conjecturais não ficam bem em uma denúncia, como peça inicial de um processo criminal.
Pelo adiantado da hora, parei de ler estas narrativas infindáveis, cheias de adjetivos e poucos verbos, (condutas dos imputados).
Confesso que não compreendi bem as acusações. Fiquei meio perplexo com o que estava lendo. Não é assim que devem ser elaboradas as denúncias no processo penal. Repito: denúncia é diferente de alegações finais ou relatório de delegados …
Como levar mais de 3 horas para ler uma denúncia e não conseguir chegar ao seu final, não conseguir extrair com clareza as acusações, que devem ser precisas e individualizadas? As argumentações devem ser feitas ao final do processo, com análise da prova carreada para os autos.
Tenho a impressão de que a desmedida extensão desta denúncia tem como escopo disfarçar a fragilidade de seu conteúdo acusatório.
Enfim, como ainda não entendi o teor desta infindável acusação, por ora, limito-me a criticar o formato da denúncia, formato este que torna quase que impossível serem entendidas as imputações específicas das condutas de cada um dos acusados. Forçoso é reconhecer que esta peça processual carece da mais comezinha técnica.
Nada obstante, já podemos dizer algo sobre o mérito das acusações, ainda que de forma resumida e superficial:
1 – Não faz muito sentido dizer que o ex-presidente foi o “general” ou “maestro” de um esquema bilionário de corrupção e fraudes para receber de propina benefícios que chegariam a pouco mais de dois milhões de reais. Tais benefícios se traduziriam em pagar o transporte e armazenamento de móveis e presentes que o Lula teria recebido como presidente e mais uma reforma de um apartamento, que sequer ele teve a posse ou a propriedade;
2 – Mesmo que assim não fosse, tudo isso não caracterizaria o crime de lavagem de dinheiro, pois tal numerário não entrou no patrimônio do ex-presidente Lula. Por isso, não usou ele dinheiro de propina de forma a disfarçar a sua origem criminosa. Nem isto diz a denúncia. Assim, tais benesses da OAS seriam apenas o próprio pagamento da alegada corrupção passiva. Corrupção passiva esta, vale a pena repetir, alegada de forma genérica e imprecisa.
3 – No direito brasileiro, proprietário é quem tem o título translativo da propriedade registrado na matrícula do imóvel junto ao Registro Geral de Imóveis. No caso, o apto. de Guarujá está registrado no RGI em nome da empresa OAS. Note-se que a denúncia não chega sequer a alegar que o ex-presidente Lula e sua esposa tiveram, ainda que por um dia, a posse do referido apartamento. Visitar um imóvel e solicitar que nele seja feita esta ou aquela reforma não transforma o pretendente em proprietário … Elementar.
4 – Saber que existe um ou vários crimes (e isto não está provado) não transforma a pessoa em autora ou partícipe de tais crimes. Ademais, não pode haver participação por omissão em crime comissivo. Também aqui é elementar …
5 – O direito penal dos povos civilizados não aceita a chamada responsabilidade penal objetiva. Ninguém pode ser responsabilizado penalmente pelos crimes que seus subalternos teriam praticado. A responsabilidade penal é absolutamente pessoal. Nem precisaria dizer que isto é elementar …
6 – Esta denúncia entra em choque com toda aquela outra narrativa feita na denúncia contra o ex-presidente Lula pelos promotores de justiça de São Paulo. Ali eles afirmam que as benesses da OAS não teriam qualquer ligação com as fraudes da Petrobrás e, sim, com fraudes na cooperativa que fora administrada pelo sr. Vacari. Esta denúncia, ao que se sabe, ainda não foi apreciada pelo poder judiciário, pois ficou pendente de decisões sobre a competência da recebe-la ou rejeitá-la. Assim, temos uma estranha e vedada litispendência …
7 – Pelas próprias narrativas constantes da denúncia, complicadas e muito pouco claras, não teríamos a figura do concurso material de infrações e, sim, de crimes continuados. Refiro-me às hipóteses em que se diz que tais ou quais condutas teriam sido praticadas várias vezes pelo mesmo autor ou partícipe.
Enfim, está tudo muito nebuloso, inconsistente e absolutamente incorreto e frágil. Isto dizemos mesmo sem um estudo mais aprofundado da malsinada peça acusatória, que ainda não conseguimos ler em toda a sua absurda dimensão.
Afranio Silva Jardim, professor associado de Direito Processual Penal da Uerj. Mestre e Livre-Docente em Direito Processual.

Isenção, formatação da opinião e imunidade

Cresci ouvindo falar que a grande imprensa brasileira era isenta. Precisei estudar contabilidade, economia, administração e direito para finalmente entender que a isenção se referia a tributos – impostos, taxas e contribuições.

Descobri que tenho que estudar comunicação, marketing e semiótica para entender como esse grande conglomerado que tem o monopólio da formatação da opinião pública no Brasil conseguiu ampliar o sentido da palavra isenção para significar , também, imunidade perante a Justiça.

Mas o mais genial é que eles conseguiram convencer todos os seus leitores e telespectadores que opinião descaradamente seletiva e maniqueísta é informação.

Neste caso, acho que nem estudando filosofia, dos pré-socráticos a Aristóteles, chegando às escolas helenísticas , vou conseguir entender.

Marx, talvez?

A comunicação autointitulada “isenta” é o ópio contemporâneo do povo.

Paulo Martins, do blog dialogosessenciais.com.

Robespierre, Danton, Marat e um país que rasga sua pobre Constituição

A força-tarefa da Lava Jato é, institucionalmente, um ‘puxadinho’ na enorme e cara estrutura do Ministério Público Brasileiro. Veja organograma abaixo com a estrutura do Ministério Público Brasileiro.

O Ministério Público da União e o Ministério Público Federal são, ou deviam ser pelo que consta da nossa Constituição Federal, comandados pelo procurador-geral da República, Dr. Rodrigo Janot Monteiro de Barros.

Questiono a legalidade da existência da força-tarefa da Lava Jato, de suas atribuições, do seu escopo de atuação e, em especial, de sua motivação seletiva e de suas táticas, nitidamente ilegais.

Dr. Janot declarou que ‘a existência de um Ministério Público forte, bem estruturado e autônomo é fundamental para a defesa dos direitos de todos os cidadãos”. 

Eu ficaria feliz se isso fosse verdadeiramente praticado. Como podemos ler abaixo em texto copiado  da página do Ministério Público na internet, são atribuições constitucionais deste importante órgão:

  • a defesa dos direitos sociais e individuais indisponíveis;
  • a defesa da ordem jurídica;
  • a defesa do regime democrático.

Dr. Janot declarou, também, em discurso na posse da Ministro Carmem Lúcia como presidente do STF, que “há tentativa de manchar investigações da Lava Jato”.

Juntar fundamentalismo religioso com definição particular da ética é uma mistura explosiva. A História deveria ensinar. Guilhotinas não têm vontade própria. Cumprem ordens. Um dia cortam a cabeça do inimigo, no outro dos próprios guilhotinadores. Vi, hoje, procuradores de Justiça assumindo papéis muito além de suas atribuições constitucionais, manipulando gráficos em PowerPoint como Danton e Robespierre manipulavam, com suas ordens, as guilhotinas.

Questionado por Danton sobre o regime de terror que implantara, Robespierre respondeu:  “quem te disse que alguma vez foi condenado um inocente!”. E continuou mandando seus inimigos para serem decapitados na guilhotina. Acabou por mandar Danton para a guilhotina e, poucos meses depois, experimentar o seu próprio veneno.

Que o país está acéfalo, ocupado por um grupo de ilegítimos e suspeitos, sabemos. Temos um Supremo Tribunal Federal acomodado – há quem prefira outra palavra – e sonolento e uma mídia de Marats, que toca fogo no circo em vez buscar o equilíbrio e responsável isenção.

Mas uma pergunta fica martelando minha cabeça: o que leva Dr. Rodrigo Janot a entregar assuntos tão sérios nas mãos de “guilhotineiros” tão radicais e inexperientes?

Ao deixar tais assuntos cruciais para a ordem institucional e constitucional nas mãos de jovens inexperientes “ungidos” e “possuídos” por uma fé cega não estaria Dr. Janot indo contra as três principais atribuições constitucionais do Ministério Público?

Não estariam os inimigos da Lava Jato instalados na própria força-tarefa da Lava Jato, por sua descarada seletividade e ânimo persecutório?

Os jovens e inexperiente procuradores da Lava Jato estão soltos no ar, sem chefia, autorizados por omissão a fazerem o que lhes der na cabeça? E se eles já tiverem “perdido a cabeça”, quem os controla? Quem para a guilhotina antes que comece a guilhotinar o STF e o próprio Dr. Janot?

Paulo Martins

Leia abaixo o texto copiado do sítio do Ministério Público:

image
O Ministério Público Federal (MPF) integra o Ministério Público brasileiro, conquista garantida pela Constituição Federal de 1988. O Ministério Público brasileiro é composto pelos Ministérios Públicos nos estados e pelo Ministério Público da União, que, por sua vez, possui quatro ramos: o Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público do Trabalho (MPT), o Ministério Público Militar (MPM) e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).

O MPU e o MPF são chefiados pelo procurador-geral da República e a sede administrativa do MPF é a Procuradoria-Geral da República.

De acordo com a Constituição Federal, cabe ao Ministério Público brasileiro:

a defesa dos direitos sociais e individuais indisponíveis;

a defesa da ordem jurídica e

a defesa do regime democrático.

Além disso, o Ministério Público tem autonomia na estrutura do Estado: não pode ser extinto ou ter atribuições repassadas a outra instituição. Os membros (procuradores e promotores) possuem as chamadas autonomia institucional e independência funcional, ou seja, têm liberdade para atuar segundo suas convicções, com base na lei.

Os Ministérios Públicos nos estados atuam na Justiça estadual, enquanto os diversos ramos do MPU têm a seguinte atuação:

MPF – O Ministério Público Federal atua na Justiça Federal, em causas nas quais a Constituição considera haver interesse federal. A atuação pode ser judicial como fiscal da lei, cível e criminal, mas também pode ser extrajudicial, quando atua por meio de recomendações e promove acordos por meio dos Termos de Ajuste de Conduta (TAC).

MPT – O Ministério Público do Trabalho (MPT) busca dar proteção aos direitos fundamentais e sociais do cidadão diante de ilegalidades praticadas na seara trabalhista.

MPM – O Ministério Público Militar (MPM) atua na apuração dos crimes militares, no controle externo da atividade policial judiciária militar e na instauração do inquérito civil também para a proteção dos direitos constitucionais no âmbito da administração militar.

MPDFT- O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) é o ramo do Ministério Público da União responsável por fiscalizar as leis e defender os interesses da sociedade do Distrito Federal e dos Territórios.

A organização e as atribuições do MPU estão dispostos na Lei Complementar nº 75/1993, conhecida como Lei Orgânica do Ministério Público da União.

 

Bayer/Monsanto: A fusão do Diabo (atualizado)

Em junho passado eu publiquei um post sobre a possível fusão entre as gigantes Bayer e Monsanto, formando um monstro global. O título do meu texto era: Bayer/Monsanto:a fusão do Diabo.

Notícia de hoje do Estadão informa que a fusão do Diabo consumou-se. Leia, a seguir, o título neutro deste ícone – o Estadão – da imprensa “isenta” brasileira:

Bayer e Monsanto assinam acordo definitivo de fusão por US$ 66 bilhões

Empresa alemã adquire a americana por US$ 128 a ação; aquisição cria gigante no mercado global de sementes e agroquímicos.

Enquanto lá fora, os meios de comunicação informam sobre a fusão e analisam seus efeitos danosos, no Brasil a grande mídia (…… Espaço para o leitor colocar o seu próprio adjetivo) retira da informação qualquer carga crítica em fato tão grave.

Estes jornalões cúmplices apresentam a notícia como fato normal, corriqueiro. Na mesma notícia vem a informação que um pool de grandes bancos oligopolistas globais vão financiar a fusão. Em vez de financiar novos investimentos que ajudem a economia global a sair de sua profunda crise de investimentos e emprego, estes grandes financiam fusões monstruosas que vão destruir empregos.

Obs: Rivotril é produzido pela Roche e não pela Bayer, mas isso não faz a menor diferença. Os procedimentos mercadológicos das grandes irmãs desse segmento industrial são igualmente deploráveis.

Leia, a seguir meu post de junho/2016:

Tem havido ultimamente grande movimentação no mercado de aquisições e fusões entre as gigantes das indústrias químicas e de produtos para a agricultura. Isto é especialmente grave em um mercado já altamente concentrado em poucas empresas gigantes.

Em dezembro de 2015 as empresas químicas gigantes Du Pont e Dow Chemical fundiram suas atividades, formando uma nova companhia de US $ 130 bilhões (R$ 442.000.000.000,00) em valor de mercado.

Em fevereiro de 2016, a China National Chemical Corp – ChemChina comprou a Syngenta AG, meses depois da Monsanto ter fracassado em sua tentativa de comprar a Syngenta.

Em maio próximo passado, a Bayer anunciou uma oferta de US $ 62 bilhões (R$ 210.000.000.000,00) para comprar a também gigante Monsanto.

Bayer e Monsanto são produtores e líderes globais na produção de pesticidas, sementes tratadas e geneticamente modificadas. A Bayer está situada também entre os maiores produtores mundiais na indústria química e de medicamentos.

Há grande preocupação global com o uso da engenharia genética no mercado de sementes e na produção de alimentos em geral, pelo seu impacto na diminuição da biodiversidade natural e por expor a produção agrícola a riscos de comtaminação.

As fusões observadas na bilionária indústria agroquímica deverá criar quasi-monopólios, aumentar os custos de produção de produtos agrícolas expulsando pequenos e médios agricultores do mercado e enriquecer os executivos do alto escalão destas empresas gigantes.

Alguns periódicos chamaram a fusão da Bayer com a Monsanto de “devil’s merger”, outros consideram que será criado um verdadeiro monstro global, como é o caso da matéria da Telegraph.

Favor consultar:

“The Frankenstein merger: how Bayer’s bid to Monsanto could create a monster” – http://www.telegraph.co.uk

Notícias mais recentes indicam que a Monsanto recusou a proposta da Bayer. Parece ser, apenas, uma questão de tempo.

Enquanto isso, Adam Smith, Hayek, Mises e Friedman olham para o outro lado e fingem-se de mortos. Como, de fato, estão.

Fontes:

marketwatch.com

beyondpesticides.org

Leia, a seguir o comunicado da Bayer sobre sua oferta:

This communication relates to a proposed offer by Bayer Aktiengesellschaft or its subsidiaries (“Bayer AG”), to purchase all of the outstanding shares of common stock, par value $0.01 per share, of Monsanto Company, a Delaware corporation (“Monsanto”). This communication is neither an offer to purchase nor a solicitation of an offer to sell shares of Monsanto. No tender offer for the shares of Monsanto has commenced at this time. At the time a tender offer for the shares of Monsanto is commenced, Bayer AG will file tender offer materials (including an Offer to Purchase, a related Letter of Transmittal and certain other offer documents) with the Securities and Exchange Commission (the “SEC”) with respect to the tender offer. Any definitive tender offer documents will be mailed to the stockholders of Monsanto. STOCKHOLDERS OF MONSANTO ARE URGED TO READ THE RELEVANT TENDER OFFER MATERIALS WHEN THEY BECOME AVAILABLE BECAUSE THEY WILL CONTAIN IMPORTANT INFORMATION ABOUT THE TENDER OFFER THAT STOCKHOLDERS SHOULD CONSIDER BEFORE MAKING ANY DECISION REGARDING THE TENDER OF THEIR SHARES. Stockholders of Monsanto will be able to obtain free copies of these documents (if and when available) and other documents filed by Bayer AG with the SEC through the website maintained by the SEC at http://www.sec.gov.

Quem ficou ao lado de Cunha?

Além dos deputados de votaram a favor de Eduardo Cunha ou que se abstiveram, temos que registrar a ausência dos 42 deputados que apoiam Eduardo Cunha, mas preferiram, por cálculo político, esconder-se embaixo da cama.

Vale registrar, entre estas, o aliado de Cunha, Jovair Arantes, o relator na Câmara do processo de impedimento da presidente Dilma.
Os deputados que faltaram à votação que cassou Eduardo Cunha
Ao todo, 42 parlamentares não compareceram ao julgamento do ex-presidente da Câmara. Entre eles, o relator do impeachment na Casa, Jovair Arantes.

Oito deputados e deputadas do Rio de Janeiro que faltaram à sessão. Veja a lista:

Cristiane Brasil PTB RJ
Felipe Bornier Pros RJ
Fernando Jordão PMDB RJ
Luiz Carlos Ramos PTN RJ
Marcelo Matos PHS RJ
Marcos Soares DEM RJ
Soraya Santos PMDB RJ
Washington Reis PMDB RJ

POR EDSON SARDINHA | 13/09/2016 01:16 , do Congresso em Foco

Veja o nome dos 42 ausentes:

Deputado Partido UF
Jessica Sales PMDB AC
Marcos Reategui PSD AP
Roberto Goes PDT AP
Vinicius Gurgel PR AP
Cacá Leão PP BA
Pastor Luciano Braga PMB BA
Gorete Pereira PR CE
Alexandre Baldy PTN GO
Jovair Arantes PTB GO
Pedro Chaves PMDB GO
Junior Marreca PEN MA
Aelton Freitas PR MG
Leonardo Quintão PMDB MG
Luiz Fernando Faria PP MG
Marcelo Aro PHS MG
Raquel Muniz PSD MG
José Priante PMDB PA
Josué Bengtson PTB PA
Hugo Motta PMDB PB
Iracema Portela PP PI
Fernando Fransichini * SD PR
Takayama PSC PR
Toninho Wandsheer ** Pros PR
Cristiane Brasil PTB RJ
Felipe Bornier Pros RJ
Fernando Jordão PMDB RJ
Luiz Carlos Ramos PTN RJ
Marcelo Matos PHS RJ
Marcos Soares DEM RJ
Soraya Santos PMDB RJ
Washington Reis PMDB RJ
Lindomar Garçom PRB RO
Edio Lopes PR RR
Hiran Gonçalves PP RR
Sérgio Moraes PTB RS
Rogério Peninha Mendonça DEM SC
Adelson Barreto PR SE
Fábio Reis PMDB SE
Dr. Sinval Malheiros PTN SP
Gilberto Nascimento PSC SP
Guilherme Mussi PP SP
Nelson Marquezelli PTB SP

  • Deputado antecipou ao Congresso em Foco que faltaria à sessão para acompanhar o tratamento médico de um filho

** Deputado antecipou ao Congresso em Foco que faltaria à sessão por problemas de saúde

O Congresso em Foco deixa o espaço aberto para que cada parlamentar justifique o motivo de sua ausência na sessão que cassou o mandato de Eduardo Cunha.

Veja a lista dos que votaram a favor de Cunha:

Marco Feliciano (PSC-SP)
Paulinho da Força (SD-SP)
Carlos Marun (PMDB-MS)
Carlos Andrade (PHS-RR)
Arthur Lira (PP-AL)
Wellington Roberto (PR-PB)
Jozi Araújo (PTN-AP)
Júlia Marinho (PSC-PA)
João Carlos Bacelar (PR-BA)

Abstiveram-se:

Alberto Filho (PMDB-MA)
André Moura (PSC-SE): Líder do governo Temer na Câmara.
Delegado Edson Moreira (PR-MG)
Mauro Lopes (PMDB-MG)
Saraiva Felipe (PMDB-MG)
Laerte Bessa (PR-DF)
Rôney Nemer (PP-DF)
Alfredo Kaefer (PSL-PR)
Nelson Meurer (PP-PR)

Um golpe à democracia e à soberania da América Latina, por Eleonora de Lucena

Eleonora de Lucena:
23 hrs ·
FUI CENSURADA PELO “CLARÍN”. O jornal argentino me encomendou um artigo sobre o impeachment. Escrevi e enviei. Pediram para eu “amenizar” trechos. Especificamente não queriam que eu falasse em “submissão aos EUA”. Recusei fazer qualquer modificação no texto. Há duas semanas ele está numa gaveta virtual em Buenos Aires.
Para registro, aí vai o que o “Clarín” não quis publicar.
Um golpe à democracia e à
soberania na América Latina
ELEONORA DE LUCENA
O julgamento de Dilma Rousseff atropela a democracia e expõe de maneira crua o embate de interesses antagônicos na América Latina. De um lado, um projeto de integração regional sem submissão aos Estados Unidos; de outro, a volta das conhecidas “relações carnais” com o império do Norte.
O governo de Michel Temer mostra que quer esvaziar o Mercosul. Repetindo ardis usados internamente no país, manobra para golpear essa construção da união sul-americana que vai muito além de acertos comerciais.
De supetão, dá início a uma onda de privatizações, vendendo um naco do pré-sal brasileiro, onde estão valiosas reservas de petróleo. Tenciona desidratar e esquartejar a Petrobras, ícone de uma proposta independente de desenvolvimento e objeto de desejo de companhias estrangeiras.
Temer anuncia cortes em gastos em saúde, educação e previdência. Planeja desmantelar conquistas trabalhistas obtidas desde meados do século 20. Almeja transferir renda dos mais pobres para os mais ricos: projetos sociais serão podados para garantir o pagamento dos juros estratosféricos pagos à elite.
É a reedição de um enredo já desenhado no Paraguai e em Honduras: um golpe sem tanques que corrói as instituições para minar a independência. Num ritual kafkaniano, políticos acusados de corrupção votam a cassação de uma presidente que todos reconhecem ser honesta.
Nos anos 1990, com governos neoliberais, a América Latina experimentou uma combinação de concentração de renda, desindustrialização, privatizações selvagens e perda de soberania. A Argentina viveu com radicalidade esse processo. Nas ruas, o derrotou.
Agora, as mesmas armações daquele tempo tentam ressuscitar no continente. Aproveitam a situação adversa na economia e disseminam um discurso de ódio, preconceito e intolerância. Conquistam, assim, fatias das classes médias, muitas vezes refratárias à ascensão que os mais pobres obtiveram nos últimos anos.
O movimento precisa ser entendido dentro da atual crise capitalista e das mudanças na geopolítica mundial. O capital financeiro busca garantir ganhos na América Latina. Necessita derrubar barreiras de proteção na região _o que é mais viável com governos dóceis, também dispostos a vender ativos a preços baixos.
Enquanto se atolavam na guerra do Iraque e adjacências, os EUA viram a influência da China crescer de forma exponencial no continente sul-americano. O petróleo, os minérios, a água, os mercados internos, as empresas inovadoras _tudo é alvo de interesse externo.
Nesse contexto de disputa é que devem ser analisadas as intenções norte-americanas de instalar bases militares na Argentina _na tríplice fronteira e na Patagônia. O império volta a se preocupar com o que considera o seu eterno quintal.
O impeachment de Dilma é peça chave no xadrez de poder da região. Afastar quem não se submete a interesses dos EUA será uma advertência aos países. O processo, que deixa as instituições brasileiras em farrapos, demonstra, mais uma vez, como a voracidade dos mercados e a força imperial são incapazes de conviver com a democracia.
ELEONORA DE LUCENA, 58, jornalista, é repórter especial da Folha de S. Paulo. Foi editora-executiva do jornal de 2000 a 2010.

Antonio Candido: A verdade da repressão

Antonio Candido, sempre essencial.

Blog da Boitempo

antonio-candido-violencia-policialPor Antonio Candido.*

(publicado em “Opinião”, em janeiro de 1972.)

Balzac, que percebeu tanta coisa, percebeu também qual era o papel que a polícia estava começando a desempenhar no mundo contemporâneo. Fouché a tinha transformado num instrumento preciso e onipotente, necessário para manter a ditadura de Napoleão. Mas criando dentro da ditadura um mundo paralelo, que se torna fator determinante e não apenas elemento determinado.

Ver o post original 1.562 mais palavras

O que é a justiça?

Compartilho texto do amigo do Facebook, Flávio Antonio da Cruz. Compartilho o texto e as angústias.

“”Ando meio sem tempo. Perdido em meio a pensamentos. Em débito com amigos. Claro, sempre em débito. Encontrei alguns minutos, porém, para escrever um breve texto. O que é a justiça? Haverá justiça? Alguém é justo? Alguma solução é justa? A justiça é crença. Cuida-se de uma daquelas buscas metafísicas fadadas ao fracasso. Muito maior o fracasso, todavia, quando se desiste dessa incessante procura… Não tenho pretensão de precisar o que é a justiça. Talvez seja muito mais fácil dizer o que seria injusto, em um dado caso… Muitos imaginam a justiça como uma espécie de equipolência, como uma correta atribuição, sopesamento, reconhecimento e atribuição de relevância. Há quem pense em justiça natural, olvidando que a realidade é cruel, que ovelhas são o jantar dos leões, que a ordem surge do caos – aliás, a diferença entre caos e ordem é apenas um problema de observação, contingência e redundância… Muitos imaginam que justiça seria um problema de autoridade, mas esquecem que há ordens que não se cumprem. Há quem pense que justiça promanaria de cargos, esquecendo que cargos são apenas totens em um mundo repleto de idolatria cega. Há quem pense que justiça seria técnica, fruto do conhecimento de bacharéis adestrados na leitura de leis, esquecendo que a forma mais fácil de esquecer a justiça é falar corriqueiramente em seu nome. Há quem pense que justiça seria fruto da reflexão de filósofos em suas cátedras, presunçosos por conhecerem a incapacidade do próprio conhecimento. Há quem pense que justiça se faria com força, esquecendo que todo exercício de poder tende ao abuso. Não há justiça nesse mundo! E não há outro mundo… Há apenas a tendência, o limite, o inefável, o indemonstrável… Não há justiça em se perder um olho por se protestar por um país melhor. Não há justiça em haver gente que comemora isso…, regozijando-se com o próprio sadismo. Não há justiça em se converter impeachment em moção de desconfiança, quanto a Constituição diz o contrário. Não há justiça quando a austeridade começa e termina no andar de baixo. Aliás, não há justiça em andares, em estratos, em estamentos, em nobres edis ou em excelentíssimos isso e aquilo… Não há justiça quando promotores violentam quem já nasceu vítima… quando ameaçam permitir que crianças sejam seviciadas, demonstrando conhecer os abusos do cárcere que permitem no cotidiano… Não há justiça em se manter suspeitos presos incomunicáveis, negando-lhes o acesso à defesa… Não há justiça em se satanizar quem defende a legalidade, dado que a lei ainda deve compreendida como a aposta em um mínimo de racionalidade, em que pese o quão irracionais muitas leis sejam… Não há justiça em se imaginar que a luta por reconhecimento deveria ser substituída pelo silêncio da conivência. Não há justiça em se imaginar que o problema do mundo é apenas o outro, quando todos somos, em maior ou menor medida, elos em uma mesma cadeia…, corresponsáveis pelo que fizemos e pelo que deixamos de fazer. Não há justiça em se falar em meritocracia, arvorando-se na condição de merecedor, mas com exames prima facie, sem tomar tudo em conta. Há mérito no mundo. Há mérito em se disputar uma olimpíada, depois de se perder os braços. Há mérito em sobreviver ao encarceramento sem se embrutecer. Há mérito em continuar a amar em um mundo inundado pelo ódio. Há mérito em se buscar justiça, quando se sabe de antemão que apenas poderá ser encontrada uma tímida sombra sua… O equívoco está em se imaginar que justiça seja mérito, entendendo-o em termos financeiros ou concurseiros. Não sei se vale a pena continuar a falar em justiça, quando tudo quanto sei dizer é o injusto…, aquilo que todos sabem – ou deveriam saber -, conquanto muitos prefiram pensar que justiça seja aquilo que se sobre ela se fala, em um mundo em que se costuma falar qualquer coisa sobre qualquer coisa…

O golpe de São Paulo Ltda. contra o Brasil, por arkx

o golpe de São Paulo Ltda. contra o Brasil, por arkx
ARKX
QUA, 07/09/2016 – 07:55
ATUALIZADO EM 07/09/2016 – 08:04
este não é apenas um golpe da plutocracia contra o povo, é um golpe da Opus Dei paulistana contra o restante do país.

muito embora tenha urdido o mito de ser a moderna locomotiva puxando os vagões do atraso brasileiro, uma ilha bem sucedida arcando com o ônus de subsidiar uma federação parasitária, São Paulo Ltda. não passa da sede do rentismo brasileiro.

em São Paulo Ltda. está a sucursal brasileira do mercado financeiro globalizado, fazendo da SELIC nossa principal commodity de exportação.

como a grande indústria se tornou um empreendimento de fachada, não poderia estar melhor representada do que pelo painel luminoso do prédio da FIESP, por seu pato plagiado e seu presidente sem-indústria e rentista do setor imobiliário.

desde a belle époque dos Barões do Café, ridicularizados nos cabarés de Paris, até a humilhante recepção a Temer no G20 de 2016 na China, a plutocracia paulista tem sido reduzida por sua contraparte internacional à sua pequeníssima diminuta estatura de sócios minoritários e subalternos.

jamais ousou construir um projeto de país através do qual sua hegemonia se exercesse, e assim impor sua dominação por consentimento a um pacto nacional. todo seu domínio sempre se exerceu pela força do mercado se apropriando do público, resultando em desproporcional concentração política e econômica em São Paulo.

sem que desta concentração resultasse desenvolvimento de âmbito nacional, através de reciclagem dos lucros sob a forma de investimentos regionais, apenas ainda mais enriquecimento de uma plutocracia marcadamente anti Povo e anti Nação.

uma lumpenburguesia eternamente sedenta de ser convidada para a mesa de jogo dos grandes lobos globais, mas servilmente resignada ao seu desprezível lugar como hiena periférica.

vivemos a crise de um mundo que já não se sustenta sob a unipolar pax americana. USA Incorporation já não consegue estabilizar a economia mundial. a crise de 2008 marca a falência do padrão Dólar e da capacidade do déficit gêmeo norte-americano funcionar como o motor da economia global.

neste G20 em Hangzhou, a China assume o protagonismo, como o grande país superavitário, na criação de um mundo multipolar. para reativar a economia global através da reciclagem de seu superávit, os chineses apresentam a proposta da nova Rota da Seda: um cinturão, uma estrada.

para se contrapor a este admirável mundo novo, Obama apenas arrotou uma decadente superioridade militar. mas enquanto Hillary não consegue parar de tossir, o que USA Incorporation tem a oferecer ao mundo não vai além da perspectiva de sua guerra sem fim.

completamente alheios a um contexto global em rápida e acentuada mutação, os eternos golpistas brasileiros vêem o roteiro de sua usurpação ser detonado pelo curso dos fatos:

  • não contavam com a resistência popular ao golpe;
  • não contavam com a baixíssima popularidade do governo golpista;

  • não contavam tornar-se hegemônica a narrativa histórica sobre o caráter golpista do impeachment;

  • não contavam com o desempenho de Dilma Roussef no Senado;

  • não contavam com a rápida ascensão da bandeira das Diretas Já.

  • não contavam com dezenas de milhares de manifestantes nas ruas;

o que lhes resta? apenas o uso da força.

mas como instalar uma ditadura em condições nacionais e internacionais tão diversas de 1964 e 1968?

como no mundo, vivemos também no Brasil o colapso do sistema unipolar. golpeado por São Paulo Ltda., o país se levanta numa guerra civil híbrida. um confronto que a Opus Dei paulistana não tem como ganhar, pois seu botim nada mais será que as ruínas de si mesma.

A PEC 241 e as Três Teses Liberais Equivocadas sobre o Estado Brasileiro,

Publicado em Plataforma Política Social, da série Governo Sem Voto
Artigo 46 | A PEC 241 e as três teses liberais equivocadas sobre o Estado brasileiro
SETEMBRO 7, 2016
José Celso Cardoso Jr.[1] e Paulo Kliass[2] | Baixe PDF do artigo

I. Introdução.

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241/2016 propõe a instituição de um Novo (porém não necessariamente melhor!) Regime Fiscal, a vigorar por vinte exercícios financeiros seguidos. Para tanto, o texto fixa, em cada ano, um limite individualizado para a despesa primária total do Executivo e demais poderes da esfera federal.

Para 2017, o limite será calculado pela aplicação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA-IBGE) à despesa primária realizada no exercício de 2016. Para os anos posteriores, o valor do limite referente ao exercício imediatamente anterior, corrigido pela inflação. Para fins de verificação do cumprimento do limite estabelecido a cada ano, será considerado o somatório das despesas que afetam o resultado primário no exercício, incluídos os restos a pagar referentes às despesas primárias.

No caso de descumprimento do limite estabelecido, o Poder Executivo deverá ajustar-se já no exercício subsequente, por meio do congelamento de subsídios e vedando a ampliação de desonerações tributárias que provoquem renúncia de receita. Por fim, a PEC afirma que as vedações introduzidas pelo Novo Regime Fiscal não constituirão obrigação de pagamento futuro pela União ou direitos de outrem sobre o erário.

A motivação fundamental da PEC está expressa no item 8 da Exposição de Motivos que acompanha o texto da lei (EMI nº 00083/2016 MF MPDG). Embora careça de comprovação teórica e empírica, explicita-se a ordem causal irreal de suas suposições da seguinte maneira:

“Com vistas a aprimorar as instituições fiscais brasileiras, propomos a criação de um limite para o crescimento das despesas primária total do governo central. Dentre outros benefícios, a implementação dessa medida: aumentará a previsibilidade da política macroeconômica e fortalecerá a confiança dos agentes; eliminará a tendência de crescimento real do gasto público, sem impedir que se altere a sua composição; e reduzirá o risco-país e, assim, abrirá espaço para redução estrutural das taxas de juros. Numa perspectiva social, a implementação dessa medida alavancará a capacidade da economia de gerar empregos e renda, bem como estimulará a aplicação mais eficiente dos recursos públicos. Contribuirá, portanto, para melhorar da qualidade de vida dos cidadãos e cidadãs brasileiro. (grifos nossos).”

Trata-se, sejamos claros, do infeliz encontro entre a ignorância, a insensatez, a arrogância e a má-fé.[3] Segundo esse entendimento, a proposição resolverá – a um só golpe – o problema fiscal, que considera estrutural e insolúvel nas condições vigentes, e com ele o que considera problemas crônicos do Estado brasileiro, pois o chamam de grande, ineficiente e quase comunista, ou seja, contra os interesses do rei-mercado!

Este pequeno artigo busca questionar e invalidar tais argumentos.

  1. O Estado brasileiro é grande?

Ora, grande em relação a quem? Grande em relação a quê? A resposta depende do tamanho da ambição, da ousadia, do escopo, do perfil do projeto de desenvolvimento nacional almejado. Significa que o problema não é o tamanho do Estado em abstrato, mas sim qual o arranjo institucional necessário (Estado/Mercado/Sociedade) para levar a cabo o projeto de desenvolvimento pretendido.

Em perspectiva desenvolvimentista – que envolva um projeto includente, sustentável, soberano e democrático – o Estado brasileiro decididamente não é grande! Pelo contrário, sua ossatura e seu modus operandi são de índole liberal, está assentado – por incrível que pareça! – numa concepção de Estado mínimo! Significa que suas lógicas de organização e funcionamento trabalham sempre abaixo do potencial. Assim, a ineficiência do Estado decorre da contradição latente entre os projetos de ambição desenvolvimentista e os instrumentos de governo de cunho liberal. O sistema financeiro pressiona para dificultar ou bloquear o gasto público real, mas deixando praticamente livre de restrições o gasto público financeiro que sustenta o pagamento de juros aos rentistas de plantão.

Apenas dois indicativos bastam para demonstrar que o Estado brasileiro não é grande. São a carga tributária brasileira e o percentual dos trabalhadores empregados no serviço público, ambos em perspectiva internacional – vide gráficos 1 e 2 abaixo. A participação da arrecadação fiscal no PIB brasileiro não carrega o exagero que os analistas liberais costumam acentuar. O mesmo pode ser dito a respeito do tão propalado “inchaço” de nosso setor público – o percentual de servidores no total da força de trabalho situa-se abaixo de países assemelhados.

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Capacidades estatais e instrumentos governamentais, porquanto potentes no caso brasileiro, não trabalham sob a lógica do desenvolvimento (includente, sustentável, soberano, democrático), e sim sob constrangimentos jurídicos e liberais do Estado mínimo, construídos e aplicados cotidianamente para impedir ou dificultar o gasto público real, seja em políticas sociais ou em investimentos estatais. Hoje em dia, talvez a Lei n. 8666 (Lei das Licitações – grande dificultadora das contratações públicas), a Lei de Responsabilidade Fiscal (grande limitadora dos gastos reais em favorecimento do gasto financeiro) e a postura dos órgãos de controle, sejam bons exemplos para as afirmações precedentes. Estes últimos têm revelado maior preocupação em realizar auditorias de conformidade e foco em aspectos triviais da gestão pública para a racionalização de gastos e busca por eficiência, ao invés de preocupação mais ampla sobre a eficácia e a efetividade das ações governamentais.

  1. O Estado brasileiro é ineficiente?

Ora, para usar apenas um único parâmetro de avaliação, temos hoje no Brasil um Estado cujo contingente de servidores civis ativos é praticamente o mesmo de quando foi promulgada a CF-1988. No entanto, desde então, esse mesmo Estado ampliou em muito as suas competências e áreas institucionais de atuação, bem como o acesso da população e a cobertura social de todas as políticas públicas de âmbito federal, tal como se pode ver pelo Quadro 1 e pelas Tabelas 1 e 2 abaixo.

Quadro 1.

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Fonte: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Elaboração dos autores.

Tabela 1.

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Fonte: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Elaboração dos autores.

Tabela 2.

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Fonte: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Elaboração dos autores.

Como se vê pela Tabela 1, são bastante expressivas as quantidades observadas em itens de acesso da população e das empresas a bens e serviços dependentes da expansão das redes de infraestrutura nos setores ali considerados. Sem ser exaustivo, basta verificar que o número de bilhetes pagos em voos regulares nacionais, a movimentação de passageiros em aeroportos, a frota de veículos automotores, a movimentação de contêineres e cargas nos portos brasileiros, o número de unidades consumidoras de energia, o número de telefones móveis ativos e de assinantes de TV a cabo, apenas para ficar em algumas dimensões representativas da modernidade, mais que duplicaram no intervalo de uma década.

Da mesma maneira, pela Tabela 2 é possível constatar a enorme ampliação da cobertura social havida entre 2002 e 2013 no país, viabilizada por meio das políticas e programas de assistência e previdência social, trabalho e renda, saúde e educação, desenvolvimento urbano e agrário. Em todos esses casos, para além das concessões de bens e serviços finalísticos de natureza social, há que se levar em conta as respectivas redes de infraestrutura física necessárias ao atendimento dos diversos segmentos populacionais contemplados em cada caso. São equipamentos públicos que, embora diferentes e específicos em cada caso, guardam em comum o fato de precisarem estar fisicamente perto das pessoas para as quais se destinam; algo que não é trivial num país como o Brasil, marcado pela heterogeneidade e pela distribuição em escala continental.

Claro está que para tais resultados positivos no cômputo geral das políticas públicas implementadas no período sob escrutínio, houve forte incremento de tecnologias inovadoras (TIC’s), crescimento da arrecadação (sem criação de novos impostos e sem aumento de alíquotas dos impostos já existentes), aumento do orçamento e da sua respectiva execução físico-financeira, recursos humanos mais escolarizados e presentes mais em áreas finalísticas da ação estatal que em áreas intermediárias, ligados mais ao atendimento direto à população que a funções meramente administrativas, além de outras características que denotam, na verdade, um incremento no desempenho institucional agregado do setor público federal.

Significa que, em termos de eficiência, faz-se hoje muito mais que no passado, seja por unidade de pessoal, de TIC’s ou mesmo de orçamento per capita. Disso não se depreende que a agenda da maior eficiência da ação estatal não seja relevante! Pelo contrário, todos reconhecem serem necessários e urgentes novos e permanentes ganhos de eficiência da máquina pública. Porém, é preciso lembrar que de mais eficiência não se obtém, automaticamente, mais eficácia ou efetividade da ação governamental. E é exatamente neste pequeno detalhe que reside toda a ignorância, insensatez, arrogância e má-fé do projeto liberal-conservador.

Dito de outra maneira: significa que o problema do Estado brasileiro é menos de eficiência (problema típico de gestão pública = fazer mais com menos) e mais de eficácia (fazer a coisa certa) e efetividade (transformar a realidade, eliminando ou mitigando os grandes e históricos problemas nacionais). Ou seja: grande parte dos problemas do Estado brasileiro relaciona-se com a ausência ou a precariedade do Planejamento Público (e não da Gestão pura e simples)! E isso implica a necessidade de encarar o planejamento em uma abordagem mais ampla, como processo tecnopolítico orientado para uma maior e melhor capacidade de governar.

  1. O Estado brasileiro é contra o mercado?

Ora, a índole liberal (mais que social!) do Estado brasileiro faz com que ele seja, historicamente, mais perfilado a atender os interesses do Capital e do processo de acumulação capitalista. Dessa forma, ficam relegados a um segundo plano os interesses diretos e imediatos de sua população – a grande maioria, aliás – ainda hoje distante ou alijada da cidadania efetiva e do desenvolvimento integral.

Ao contrário do que pretende a manipulação liberal, o capitalismo brasileiro (como qualquer outro, diga-se de passagem) é altamente dependente da capacidade do Estado em mobilizar e canalizar seus recursos e instrumentos de políticas públicas em favor do processo de acumulação de capital, em bases privadas.

Não obstante, como demonstrado pela – curta, mas exitosa – experiência recente de desenvolvimento no Brasil (2003 a 2013), houve combinação virtuosa de decisões e políticas públicas que tornaram possível realizar, em simultâneo, aumento de renda per capita e redução das desigualdades de rendimentos no interior da renda do trabalho, cf. Gráfico 3 abaixo.

Gráfico 3.

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Fonte: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Elaboração dos autores.

Ocorre que tal combinação de fenômenos, tida como situação desejável, não é obra do acaso ou da atuação de livres forças do mercado. Requer, ao contrário, certa combinação virtuosa e longeva de decisões e de políticas públicas, orientadas a objetivos complementares e compatíveis, propícias ao crescimento econômico, ao combate à pobreza e à redução das desigualdades.

Nestes termos, como sustentar tal trajetória ao longo do tempo sem um Estado ativo e capaz, direcionado ao desenvolvimento nacional? Enfraquecer as capacidades (financeiras, legais, de recursos humanos, etc.) do setor público tem o sentido de provocar um enorme retrocesso em relação às disposições previstas na Constituição e às necessidades da grande maioria de nossa população.

II. Bases para um Estado ativo e capaz.

Sem a pretensão de esgotar ou detalhar em demasia o assunto, é possível resumir – pelo quadro 2 abaixo – alguns dos princípios gerais a orientar uma reforma do Estado brasileiro no século XXI, de natureza republicana, democrática e desenvolvimentista.

Quadro 2

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Fonte: Cardoso Jr. e Bercovici, 2013. Elaboração dos autores.

Para além dos princípios gerais acima sugeridos, há evidentemente uma agenda de reformas concretas inadiáveis, que aqui apenas se enunciam de modo não exaustivo, já que a concertação política necessária à sua viabilidade institucional e implementação no âmbito do Estado brasileiro, depende obviamente da restauração democrática de fato e de direito.

São elas:

A reforma tributária e fiscal: progressiva na arrecadação e redistributiva nos gastos. Estudos têm evidenciado a necessidade de ampliar a incidência de impostos sobre as rendas elevadas, o capital e o patrimônio, acompanhada da diminuição relativa da tributação sobre o consumo.
A revolução técnico-científica-produtiva: ancorada nos fundamentos da sustentabilidade, com ênfase em educação ambiental desde a primeira infância, produção e difusão de tecnologias limpas, promotora de encadeamentos inovativos de amplo alcance. Para tanto, busca-se a inovação produtiva e institucional de processos e produtos, ambiental e humanamente sustentáveis.
A reforma do sistema político: a reforma do sistema representativo e de partidos políticos, o fortalecimento dos instrumentos de democracia direta e dos mecanismos coletivos de participação e deliberação, a democratização dos meios de comunicação e do sistema de justiça.
A revolução na cultura dos direitos: institucionalização e substantivação dos direitos humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais.
É esta a aposta (e a utopia!) analítico-interpretativa sugerida por este texto, e é essa a aposta político-institucional de construção coletiva que os governantes brasileiros deveriam se impor neste século XXI.

[1] José Celso Cardoso Jr. é doutor em Economia pela Unicamp e Técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea, carreira do governo federal.

[2] Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.

[3] O máximo do escárnio está, contudo, no item 25 da Exposição de Motivos: “Trata-se, também, de medida democrática. Não partirá do Poder Executivo a determinação de quais gastos e programas deverão ser contidos no âmbito da elaboração orçamentária. O Executivo está propondo o limite total para cada Poder ou órgão autônomo, cabendo ao Congresso discutir esse limite. Uma vez aprovada a nova regra, caberá à sociedade, por meio de seus representantes no parlamento, alocar os recursos entre os diversos programas públicos, respeitado o teto de gastos. Vale lembrar que o descontrole fiscal a que chegamos não é problema de um único Poder, Ministério ou partido político. É um problema do país! E todos o país terá que colaborar para solucioná-lo.” (grifos nossos).

Paulo Freire: não há neutralidade na educação

Publicado em Instituto Paulo Freire

#aniversariodepaulofreire

Neste mês de setembro, para comemorarmos o aniversário de Paulo Freire que, em 19/09/2016, completaria 95 anos de idade, revisitaremos algumas de suas reflexões que reafirmam a sensibilidade do “andarilho da utopia”, que, vivendo intensamente o seu tempo, nunca deixou de se conectar à educação do futuro.

Para Paulo Freire, de nada adianta ao educador, à educadora, bem como a toda cidadã e todo cidadão, constatar fatos, denunciar situações, sem que assumam, para si mesmos, os destinos da história e da própria educação. Por isso, ele sempre insistiu na necessidade de que o processo educacional contribua para que cada pessoa se reconheça sujeito da história, compreendendo criticamente o seu “estar sendo no mundo” e sendo capaz de “reescrever o mundo”, de agir para transformar.

Aqui nos cabe refletir: educar é um ato político, conforme nos ensinou Freire. Não há neutralidade na educação. Omitir a dimensão política da educação é tomar posição política: a de alienar. O que cabe às educadoras e aos educadores do país, diante da conjuntura histórica que vivemos, diante de propostas como a “Escola Sem Partido”, senão criar espaços de ação-reflexão-ação com os nossos estudantes, exercendo o nosso direito de educarmos e de nos educarmos no processo com os nossos aprendizes?

Como seres humanos críticos e propositivos, sujeitos ativos da história, cabe-nos não apenas denunciar, mas, sobretudo, anunciar a necessidade da reafirmação da liberdade no processo educativo e comprometer-se com a luta por essa liberdade. Como educadores e educandos, como cidadãos e cidadãs, na dimensão individual e coletiva, torna-se fundamental manter-se presente nos espaços da resistência: manifestações públicas, marchas, lutas sindicais, fóruns, movimentos sociais, presença na definição das políticas públicas, campanhas… No processo de ensino e aprendizagem que acontece dentro e fora da escola, nas escolas e nas ruas, faz-se mais do que necessário, na atual conjuntura nacional e internacional, de retomada da mercoescola, refletirmos profundamente sobre como educar para libertar, para transformar, permitindo às nossas crianças, jovens, adultos e idosos, em processo de educação permanente, o acesso a toda e qualquer informação para que, de forma crítica e criativa, possam contribuir – eles próprios – com a busca de uma sociedade mais justa, mais pacífica, mais democrática, inclusiva e ética.

Paulo Freire acredita/acreditava, e nós, do Instituto Paulo Freire, também acreditamos, na capacidade de discernimento de nossos estudantes e docentes, no sentido de que, tendo uma visão ampla do que acontece tanto no território em que vivem, como no mundo em que vivemos, terão condições de analisar o que se passa em sua volta e, das circunstâncias concretas, do mundo em que vivem, no campo da ciência, das artes, da política, do conhecimento simbólico e do conhecimento sensível. Isso, sim, significa educarmos não apenas para constatar, mas educar para mudar e para transformar o mundo.

Mais informações: http://www.acervo.paulofreire.org/

#aniversariodepaulofreire #PauloFreireSempre

Instituto Liberal: Michel Temer é apenas mais um comunista

Quando li que o Instituto Liberal tinha publicado um artigo afirmando que Michel Temer era comunista pensei tratar-se de piada do Sensacionalista. Simplesmente não acreditei que a ignorância tinha atingido este nível.

Acessei o sítio do Instituto Liberal para confirmar a veracidade do texto. Quem sabe que o blog do Rodrigo Constantino e o Movimento Brasil Livre são parceiros deste Instituto, ninho de golpistas sem noção e lunáticos, não devia duvidar da capacidade desses ‘artistas’ se superarem.

Mas o texto está lá no sítio, “assassinado” por João Cesar de Melo. O autor extrapolou a dose de alienação, mistificação, engôdo e “lunaticidade” comuns aos seguidores desta seita.

Vou pinçar algumas frases do texto e deixar que os leitores avaliem a que ponto chegaram os que se auto-intitulam conservadores, liberais e libertários:

  • ‘Em resumo, Michel Temer, assim como todo comunista bem ou malvestido, …”
  • “Michel Temer quer exatamente a mesma coisa que Lula e Dilma quiseram. A mesma coisa que todos os ditadores da história …”

  • …”criar partidos que não se apresentassem comunistas, … Para primeiro conseguir um controle indireto … E logo depois o controle completo. Estes partidos são o PT, o PMDB e o PSDB … Partidos como o PSOL e Rede representam a segunda reforma do comunismo no Brasil”.

  • “É ingênua a pessoa enxergar que Temer está tentando promover um governo liberal. Não está. O próprio termo “governo” se choca contra os princípios básicos de liberdade”.

  • “O fatiamento da votação do impeachment foi o golpe de mestre do comunismo brasileiro, momentaneamente  liderado por Michel Temer”.

Eu não sei porque estou, a essa hora, gastando vela de cera com esses defuntos tão ruins. Acho que há um certo masoquismo de minha parte ao perder tempo precioso lendo texto tão pobre e desconectado de qualquer realidade, mas o que prevalece é mesmo o meu sadismo. Rio sozinho assistindo a perplexidade dos paneleiros e caçarolas diante destes textos do Instituto Liberal. Lutaram tanto contra os comunistas, enrolados em bandeiras do Brasil ou vestidos de fantasia-CBF,  mandaram todos para Cuba para, ao final, levarem uma rasteira: um comunista enrustido, Michel Temer, na visão deles, deu um golpe e virou presidente. Logo, logo, Temer, o comunista, coloca as “manguinhas” de fora: corta as generosas verbas federais que vão para FIESP e elimina os subsídios e as desonerações e isenções de tributos que o governo federal dá para os ricos empresários.

Risos sarcásticos. Deboches escrachados. Fizeram por merecer. Aguentem.

 

 

As lojas de cristais dos golpistas

Compartilho post de Pedro Munhoz, do Facebook. Desculpe, Pedro, se em vez de compartilhar no Facebook compartilho aqui, no meu blog. Qualquer problema, por favor, me informe e eu “descompartilho”.

Vai ser extremamente fácil atirar nos golpistas da política. Quase todos têm telhado de vidro ou são donos de lojas de cristais finos. Haja tempo. Haja pedra.

Paulo Martins

“Se tem uma coisa que Michel Miguel nunca foi na vida, é vidraça. Ele fala, se veste e gesticula como alguém que se tem em altíssima conta. Se rodeia de gente, além disso, que só faz reforçar o elevado conceito que ele tem de si mesmo. Gente rasteira, pequena, mesquinha, que não domina ofício outro que não o da bajulação rebaixada e oportunista.

Com seus poeminhas diletantes e autocentrados, seus ternos escuros, cabelos emplastrados, abotoaduras e diploma de bacharel em direito, o bardo de Tietê não desejava outra cousa na vida além de ser um personagem político da belle epoque, desses que se transformam, depois de mortos, em ruas-verbete enciclopédico de Copacabana. Na plaquinha azul, esquina, talvez, com a Joaquim Nabuco, ler-se-ia: Michel Miguel Elias Temer Lulia (1940-2016) político, advogado, poeta laureado e escritor brasileiro. Que doce sonho! Ó, que grata homenagem seria! Tornar-se em banheiro dos poodles das madames e em escarradeira de desembargadores aposentados!

Nasceu porém um pouco tarde para tal o golpista com alma de artista. Teve que se contentar, por muito tempo, com um breve verbete da wikipedia. As pessoas simplesmente se recusavam a ver nele a grandeza de que ele se julgava portador, reforçada, sempre, por seus amigos leais que, além de lhe elogiarem os engenhosos versinhos, também lhe atribuíam adjetivações as mais nobres. Um grande conciliador, um homem de diálogo, um orador de espírito, um notável homem público!

Ele acreditou, mas nunca conseguiu sair de sua penumbra particular, de seu cubículo, do pálido e condenscendente simulacro de vida real que é o parlamento. Em tais estreitos aposentos permaneceu, mesmo após ter sido alçado à condição de vice-presidente.

Michel Miguel julga viver ainda no mesmo cubículo de permissividade, bajulação servil e tolerância quase ilimitada onde se alojou desde a gênese de sua vida política, mas hoje, meus caros, ele é vidraça.

Ele se julga mais hábil do que a desajeitada búlgara que lhe antecedeu na cadeia presidencial: conjuga os verbos com correção castiça, produz discursos em redondilhas menores, leu Cícero, Catulo, Horácio e Ovídio; domina a esquecida arte da mesóclise. Por que razão o populacho não se admiraria dele, se Eduardo Cunha, Jucá e o poeta José Sarney se comprazem de sua companhia?

Eis que a plebe ignara lhe desfere vaias, insultos, maldições; chamam a ele, douto constitucionalista de penteado impecável, golpista! Ele se empertiga, se ofende, bate a mãozinha na mesa, diz que não admite. Mal sabe ele que sua indignação o torna sensivelmente mais engraçado, mais digno de escárnio, mais caricato, mais grotesco.

Algo me diz que o sonho de se tornar em rua-verbete de Copacabana está cada vez mais distante e que, em breve, ele há de descobrir que seu cubículo não é do tamanho de um país inteiro.

Pobre Michel Miguel. Que Deus proteja sua pequenina alma”.

Morte, de Cândido Portinari

Na ditadura iniciada com o golpe de 1964 o jornal O Pasquim esteve durante um longo período submetido a censura prévia. O objetivo era amordaçá-lo. Ao final do regime ditatorial, foi retirado da censura prévia. A expectativa dos órgãos de repressão era que o jornal fizesse uma espécie de auto-censura. O Pasquim passou a trazer um selo informando que o jornal estava, naquele momento, sem censura prévia. Servia como um sinal de que, se o selo desaparecesse, seria porque o jornal voltou a ser previamente censurado.

Estou criando, hoje, um post para indicar que a democracia no Brasil morreu em 31/08/2016, quando o Senado Federal resolveu golpeá-la colocando um presidente ilegítimo no lugar da presidente eleita. Trata-se do quadro Morte, de Cândido Portinari, grande artista nacional. Pretendo deixar este post fixado na página principal deste blog, até que tenhamos eleições diretas legítimas e seus resultados sejam respeitados.

Obrigado, Fernando Almeida, pela foto e pela ideia original.

Paulo Martins

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