CONDUÇÃO COERCITIVA DO INDICIADO OU RÉU, por Afrânio Silva Jardim (10/05/2017)

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CONDUÇÃO COERCITIVA DO INDICIADO OU RÉU

Amanhã, o STF vai decidir sobre a constitucionalidade das chamadas “conduções coercitivas”, mormente sem prévia intimação.

Entendo que está revogado o art.260 do Cod.Proc.Penal pela Constituição Federal de 1988, quando permite a condução coercitiva para o interrogatório de quem tem o direito de ficar calado.

Por este motivo, coloco aqui meu entendimento, manifestado em um singelo texto, sempre com o objetivo de informar e despertar o interesse por estas questões que dizem respeito ao próprio Estado Democrático de Direito.

A CONDUÇÃO COERCITIVA DO RÉU OU DO INDICIADO.

Discordo inteiramente do recente parecer do Procurador Geral de República sobre a interpretação e vigência da regra do art.260 do Cod. Proc. Penal, cujo teor pode ser acessado através do seguinte link: http://s.conjur.com.br/dl/pgr-conducao-coercitiva.pdf
Oportunamente, faremos um estudo mais técnico sobre esta questão jurídica. Por ora, apresentamos uma análise superficial, tendo em vista a ausência circunstancial de mais tempo.

1.1 – Se o réu ou indiciado tem o direito de ficar calado, por que conduzi-lo contra a sua vontade, à presença do Delegado de Polícia? Seria para tomar um “cafezinho” com a autoridade policial?

1.2 – É muito controvertido o chamado “poder geral de cautela” no processo penal, mormente quando atinge a liberdade das pessoas. De qualquer forma, se o conduzido não está obrigado a falar, a decisão judicial deveria dizer, expressamente e fundamentadamente, que outra prova a condução coercitiva teria como objetivo trazer aos autos do processo.

Toda decisão judicial tem de se fundamentada, conforme expressamente dispõe a Constituição Federal. Desta forma, a decisão deveria também demonstrar a necessidade de subtrair, ainda que por pouco tempo, a liberdade do indiciado ou réu, para que esta outra prova seja subtraída.

1.3 – Não vale o argumento de que é uma medida menos gravosa do que as prisões provisórias. Se uma dessas prisões fosse cabível, deveria ser decretada, mediante devida fundamentação. A condução coercitiva jamais impediria que o conduzido praticasse quaisquer dos atos que legitimariam tal prisão cautelar pois, após “tomar o cafezinho com o delegado”, ele volta para a sua casa.

A prevalecer este entendimento, sob o pretexto de não prender o réu ou o indiciado, o Estado poderia quase tudo. Sempre diria: isto é menos gravoso do que sua prisão… Eu poderia (deveria, então) prendê-lo, mas como “eu sou bonzinho”, lhe crio outras restrições e constrangimentos, embora não previstos em lei. Seria uma forma cínica de abandonar o princípio da legalidade.

1.4 – O réu ou indiciado não pode ser impedido de assistir à busca domiciliar em sua residência (até para fiscalizá-la) ou de se comunicar, previamente, com seus advogados ou mesmo outros réus ou investigados. O cidadão em liberdade pode falar com quem quer que seja …

1.5 – Acho até que não se trata de inconstitucionalidade do art. 260 do Cod. Proc. Penal. Entendo que ele foi revogado pela Constituição de 1988, sendo incompatível com o sistema processual acusatório e várias outras regras e princípios constitucionais.

1.6 – Nada disso vale para a condução coercitiva das testemunhas, que têm o dever de prestar depoimentos. Calar a verdade é crime de falso testemunho (como mentir também).

1.7 – De qualquer forma, pela regra processual mencionada, a condução coercitiva, em qualquer hipótese, pressupõe uma intimação prévia e que ela tenha sido desatendida.

Vejam o texto legal: “Art. 260. Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença.”

Acho incompatível com o Estado Democrático de Direito que se permita acordar uma pessoa às seis horas da manhã (para mim, já uma tortura …) e forçá-la, até fisicamente, a comparecer a uma delegacia, em um carro da polícia, tudo na frente dos filhos, cônjuge e vizinhos. Um constrangimento absurdo, até por que ele é presumido inocente pela Constituição.

Nem cabe aqui elencar outros danos que isto pode causar a esta pessoa. Imagine perder uma viagem ao exterior, onde tinha um relevante compromisso, apenas para tomar um cafezinho com o Dr. Delegado …

Na democracia, os fins não podem justificar os meios. Não é valioso postergar garantias conquistadas pelo nosso processo civilizatório, criando instabilidade e insegurança na população, apenas para mais rapidamente tentar obter uma prova. Dias sombrios estes nossos…

Afranio Silva Jardim, professor associado de Direito Processual Penal da Uerj. Mestre e Livre-Docente em Direito Processual Penal (Uerj). Procurador de Justiça (aposentado) do Ministério Público do E.R.J.

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