Compartilho mais um texto, como sempre lúcido, da Mara Teles.
Se é cada um para sí, perde todo mundo. Perdem os mais fracos, que são a grande maioria e perdem os mais fortes, que são minoria.
Apesar dessa minoria achar ser possível inventar uma “Ilha da Fantasia” particular para si enquanto mantém a grande maioria de seus conterrâneos em guetos, isto não é possível. Basta observar as mazelas deste país em sua guerra civil não declarada.
Paulo Martins
- Ontem eu ouvi de um vendedor, indignado com a política brasileira: “Agora é cada um por si”. Este é o perigo: o desalento, a sensação de o que quer que façamos, não há mais ordem na desordem e a participação é inútil. Cada um por si pode ser também resumido como descrença, apatia, descaso com a coisa pública, individualismo exacerbado, justiça com as próprias mãos.
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Para além do fim do governo Temer, que um dia ocorrerá, o que ele deixa como herança é a sensação de que já não existe república alguma. Nunca antes na história do brasil tal desalento foi incorporado nas veias dos brasileiros com tal intensidade, nem mesmo em 64, cuja intervenção militar somente existiu devido ao “excesso de política”, ou seja, pela intensa polarização entre esquerda e direita. Hoje ao contrário de excesso de política, cresce o sentimento antipolítica.
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Desde o início do impeachment, quando a voracidade pelo poder cegou os políticos de oposição numa aliança utilitária (que se julgava temporária) com os procuradores de curitiba, já se sabia que um novo Berlusconni poderia vir aí. O problema não é a emergência de um novo líder como decorrencia do vazio da representação política, mas o conteúdo dos líderes que podem emergir como soluções .
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O problema é que por detrás do “cada um por si”, se esconde a anomia. As Forças Armadas representam hoje a instituição mais confiável do país. Usualmente, esta crença nas F.A vem acompanhada pela descrença nas instituições representativas e, por consequência, contamina igualmente a confiança no regime democrático. Um líder que se associe a este sentimento, como é o caso de Bolsonaro, pode crescer sobre segmentos do eleitorado.
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Prometeu-se que a democracia seria leiloada em nome do “desempenho econômico”, fala esta presente na boca de inúmeros partidários, intelectuais, imprensa e analistas que a troco da ira, da raiva e do desassossego com os resultados eleitorais, abriram mão de seus escritos e da ética. Mas, nem mesmo a protelada economia deu certo. Ao contrário, está afogada em desemprego, baixa confiança dos consumidores no futuro, reduzidíssimo crescimento. O que cresce é a pobreza e a violência.
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Não foi somente realizar um impeachment. Mais do que isso, o efeito desta ruptura institucional, iniciada pela irracionalidade política e desprezo pelas instituições democráticas, gerou tal ordem de desalento nos cidadãos, que corremos sérios riscos de recuperar o sentimento autoritário que estava pendurado no armário.
7.. A fantasia autoritária sempre aparece como a melhor peça para ser vestida quando não resta mais esperança alguma.
- Agora, “é cada um por si”.