O corpo fala.
O constrangimento estava evidente nos gestos e na postura de cada um. Cada poderoso vestia sua saia-justa. Por motivos diferentes, mas todos desconfortáveis.
Somos vítimas do golpe que entronizou o usurpador na Presidência da República. Este usurpador escolheu a procuradora-geral da República, segunda colocada na lista tríplice. A senhora procuradora aceitou. Pesa sobre os seus ombros a obrigação de, efetivamente, respeitar rigorosamente a Constituição e, principalmente, fazer com que seus subordinados a respeitem, também com o devido rigor.
Juntos, Temer, Eunício de Oliveira, Rodrigo Maia, a presidente do STF, ministra Carmem Lúcia e a procuradora-geral do MPF, Raquel Dodge, cantaram o hino nacional.
Temer discursou, mãos ao ar, com a desfaçatez que lhe é peculiar. Odor nauseabundo de hipocrisia no ar.
Ambos, Temer e Raquel Dodge, prometeram respeitar e proteger a Constituição.
Afirmaram, acreditem, “o poder não é nosso, é do povo”.
No caso de Temer, são afirmativas e promessas vazias, comuns em pessoas com sua qualidade de caráter.
No caso da procuradora-geral parece haver, pelo menos, boa-fé. Aquela boa-fé dos inocentes úteis que não sabem ou não se interessam em saber que para haver justiça não basta a sua aplicação com isonomia, ou seja, a observação de igualdade meramente formal. Devia saber, pela sua experiência e anos de estudo, que não haverá justiça, por mais bem-intencionado seja o aplicador, se não houver justiça na criação das leis – todos sabemos que as leis são compradas pelos grupos de interesse representados por “lobbies” – e justiça, igualdade, no acesso aos meios e oportunidades.
Infelizmente as leis são escritas, interpretadas e aplicadas pelos mesmos hipócritas dos discursos e das plateias de encomenda. Todos brancos, bem-nascidos ou bons alpinistas sociais. Três representantes dessa espécie – Temer, Eunício e Rodrigo Maia – estavam lá, sentados à mesa. Mal-estar evidente.
A Sra. procuradora afirmou em seu discurso que ninguém está acima da lei, nem abaixo. E que o devido processo legal será estritamente observado. Ora, se uma procuradora-geral da República precisa enfatizar em seu discurso de posse que princípios tão básicos serão respeitados pelo Ministério Público é porque a situação é mesmo calamitosa, como já afirmaram diversos juristas.
Em seu discurso a Sra. procuradora-chefe declarou que é papel do “Ministério Público promover justiça, defender a democracia, zelar pelo bem comum e pelo meio ambiente, assegurar voz a quem não a tem e garantir que ninguém esteja acima da lei e ninguém esteja abaixo da lei”.
Tudo muito bonito em cerimônias de poderosos seguidas de jantares nas finas casas de festas de Brasília. Resta saber se a Sra. procuradora vai mesmo cumprir suas promessas de respeitar a Constituição. Vamos esperar a reabertura do caso do impedimento da presidente da República, que foi obtido com a compra de votos e inúmeras ilegalidades, e o início da investigação sobre as práticas ilegais e seletivas dos procuradores que compunham a força-tarefa da Lava Jato.