Moro pretende pautar o STF

Compartilho, a seguir, interessante interpretação de Alexandre Valadares sobre a intenção do juiz Sérgio Moro quando sugeriu ao “presidente” Temer que interferisse junto ao Supremo Tribunal Federal no caso da revisão da decisão de mandar para prisão condenados em segunda instância, antes da finalização do processo criminal.

Moro, a exemplo de Dallagnol e seus “blue caps”, desejam mesmo é usar a mídia de negócios para pautar o Supremo Tribunal Federal. Com o Supremo caído na sarjeta e a Constituição Federal rasgada como está sendo, não nos surpreende que todo mundo se ache no direito de mandar recados e tentar influenciá-lo.

O título do artigo é de minha autoria. Não deve ser atribuído a Alexandre.

Paulo Martins

Por Alexandre Arbex Valadares

Ao receber o prêmio da revista istoé diante da presença sentada de michel temer, moro declarou novamente, com uma desfaçatez que já começa a dar na vista, que prometeu a si mesmo honrar o legado de Teori Zavascki, justamente o único membro do stf a criticar com rigor, antes do golpe, os desmandos praticados pelo juiz da lavajato. Creio que essa insistência com que moro procura relacionar seu nome ao do ministro Teori não se resume aos efeitos demagógicos dessa associação: há nisso o sintoma psicológico de uma culpa mal resolvida, de uma ferida no ego não cicatrizada.

Foi Teori quem anulou a validade jurídica da gravação ilegal das conversas entre Lula e Dilma, cujo conteúdo moro vazou para o jornal nacional, alegando como motivação a defesa do “interesse público”. A divulgação dessas conversas, injustificável do ponto de vista jurídico, marcou o momento em que a operação lavajato se tornou um processo politicamente orientado, ou melhor, um processo que passou a empregar meios jurídicos – e, quando estes não bastavam, meios policiais e midiáticos – para alcançar fins políticos. A retórica de seus porta-vozes (“limpar o país”, “virar a página da história” etc.) fez parecer que esses fins eram tão moralmente superiores que qualquer meio usado para alcança-los devia ser considerado admissível e válido.

No despacho de uma decisão de 22 de março de 2016 em que decretou sigilo sobre os grampos (que seriam anulados juridicamente por outra decisão sua, em junho), Teori escreveu: “A esta altura, há de se reconhecer, são irreversíveis os efeitos práticos decorrentes da indevida divulgação das conversações telefônicas interceptadas. Ainda assim, cabe deferir o pedido no sentido de sustar imediatamente os efeitos futuros que ainda possam dela decorrer e, com isso, evitar ou minimizar os potencialmente nefastos efeitos jurídicos da divulgação”. A crítica do ministro a moro se mostra mais explicitamente noutro trecho: “Não há como conceber, portanto, a divulgação pública das conversações do modo como se operou, especialmente daquelas que sequer têm relação com o objeto da investigação criminal. É descabida a invocação do interesse público da divulgação ou a condição de pessoas públicas dos interlocutores atingidos, como se essas autoridades, ou seus interlocutores, estivessem plenamente desprotegidas em sua intimidade e privacidade”.

Pouco antes dessa decisão, Teori havia declarado numa solenidade pública que “o papel do juiz é o de resolver conflitos, e não criar”. A alusão a moro era tão clara que até o estadão percebeu: uma manchete de 18 de março de 2016 chegou a dizer que o então ministro do stf havia “alfinetado” (não sei quando o estadão começou a adotar essas expressões do nelson rubens na redação) o juiz de Curitiba sem citá-lo.

Li aí nos sites de direita que a aparente recusa de temer a se levantar para aplaudir moro no prêmio da istoé engrandecia ainda mais o laureado. No entanto, moro, em seu discurso, fez um apelo a temer, em nome da memória do Teori, para que impedisse a revisão pelo stf de uma decisão precedente do falecido ministro que autorizava o início da execução da pena a partir da condenação do réu em segunda instância, mesmo que restassem a ele outros recursos.

A forma com que moro se dirigiu a temer pareceu-me meramente protocolar, e não subserviente, como alguns descreveram. Aliás, ao contrário: moro não pediu a temer que interviesse, com seu “poder” e sua “influência”, no stf para impedir o “retrocesso” que a revisão daquele precedente penal poderia significar – ele se valeu do “poder” e da “influência” que sua imagem heroica lhe confere para pautar o stf. É mais uma pequena mostra de que a disputa política se desloca cada vez mais da arena democrática, onde é travada por representantes eleitos, para se insular num judiciário de matriz aristocrática, cujas facções concorrem por “influência” dentro de um mesmo projeto de “poder”.

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