Por Luis Felipe Miguel
É gravíssima a decisão do juiz de Paranaíba suspendendo a realização do curso “Golpe de Estado de 2016: conjunturas sociais, políticas, jurídicas e o futuro da democracia” na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul.
O juiz, um tal Plácido de Souza Neto, se arroga o direito de determinar qual o conteúdo apropriado para disciplinas universitárias. Exige a inclusão de textos a favor do golpe, em nome do que ele entende como sendo o “pluralismo”.
Decerto julgando-se muito sabido, sustenta a tese de que não houve golpe com base em duas referências bibliográficas. Uma é a reportagem da Folha de S. Paulo intitulada “Impeachment não foi golpe, sustenta revista britânica The Economist”. Outra é texto do coleguinha cientista político Rogério Schmitt, segundo o qual “nenhuma das três agências internacionais que mensuram regularmente a qualidade do processo político no mundo, a britânica Economist Intelligence Unit (ranking Democracy Index), a americana Freedom House (relatório Freedom in the World) e a alemã Transparency International (ranking Corruption Perceptions Index), identificaram qualquer deterioração da democracia brasileira no ano de 2016” (palavras do juiz).
Na sentença, Schmitt é vinculado ao golpista (mas agora meio arrependido) PSB. No entanto, o texto na verdade foi publicado em site do golpista PSD (o partido do Kassab). Um erro justificável: é difícil se situar em meio de tantas siglas. Mas a questão não é essa, nem mesmo o fato de que nenhum cientista político sério leva a sério estes índices, que são empreitadas ideológicas com fins propagandísticos (por exemplo, o livre-mercado entra como um dos elementos constitutivos da democracia, mas os direitos sociais ficam de lado).
A questão é que, ao tentar, com tamanha inabilidade, dar sua “carteirada” de conhecimento especializado, o juiz não faz mais do que reafirmar sua incompetência no assunto. Com isso, sua sentença é mais um argumento em favor do princípio da autonomia universitária, que define que as disputas científicas não serão decididas por agentes externos ao campo científico.
O artigo 207 da Constituição Federal não poderia ser mais claro quando afirma que “as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial”. O juiz paranaibense tenta, na sentença, redefinir o sentido da autonomia universitária. Segue a trilha de tantos outros, no Brasil de hoje, que criam novos sentidos para expressões como “trânsito em julgado”, “presunção de inocência” ou “crime de responsabilidade”. Mas o que ele faz, na verdade, é rasgar a Constituição.
Expresso toda a minha solidariedade aos colegas da UEMS, vítimas de ataque inadmissível, tolhidos no seu direito – eu diria mesmo dever – de fazer seu trabalho como educadores e pesquisadores. Espero uma reação forte do CRUB, do ANDES e da UNE, a fim de garantir as condições de existência da universidade no Brasil.
Via João Lopes