Buraco negro, vale a pena ler até o fim …

E não é que tiraram uma foto de um buraco negro? Senta aí, vamos conversar.

1) O que é mesmo um buraco negro?

Buraco negro é nome que a gente dá pra uma região do espaçotempo (assim junto mesmo) que exibe um campo gravitacional tão forte que em determinados pontos nem a luz escapa.

O buraco negro da foto é seis bilhões de vezes mais massivo que o Sol e está no centro de uma galáxia chamada Messier 87 (também conhecida nas rodas de samba como M87, Virgem A, ou NGC 4486). Eu tenho várias coisas legais pra falar sobre a galáxia, mas esse espaço é pequeno demais pra contê-las. Talvez eu coloque um bônus ali nos comentários.

2) Ué, como tiraram foto do treco se luz não escapa?

Se você quiser ser ultraespecífico, a foto é da silhueta do buraco negro. A parte brilhante em volta dele vem de uma região chamada disco de acréscimo, ou disco de acreção.

Esse disco consiste de material interestelar (basicamente uns hidrogênios perdidos) em órbita próxima ao buraco negro. A medida que esse material vai perdendo energia via colisões, ele espirala para dentro do buraco negro (cerca de 90 Terras todo os dias no caso da M87). Nessa queda dramática o material esquenta e emite luz.

A foto é um retrato do último grito de socorro dos agonizantes hidrogênios.

3) E como a gente tirou essa foto?

Primeiro, ela é uma foto num sentido mais abstrato, já que não se trata de luz visível, mas ondas de rádio. A diferença é sutil: luz visível têm comprimento de onda até 750 nanômetros, enquanto a observação do buraco negro se deu com luz com comprimento de onda de 1 milímetro.

O maior complicador é a distância do buraco negro. A 55 milhões de anos-luz de distância, o tamanho aparente dele para um observador na Terra é muito pequeno.

O segredo pra ver coisas distantes assim é montar um telescópio maior. Se a lente (ou espelho) do telescópio for grande, ele coleta mais luz, o que permite discernir objetos aparentemente menores. É por isso que aquela luneta que você tinha quando crianças não dava pra ver muita coisa. Ela era pequena.

O problema é que não havia como fazer um telescópio grande o suficiente pra ver o buraco negro em M87. O truque então foi colocar várias antenas de rádio ao redor do mundo coletando luz vinda de lá, e usar um algoritmo de computador para combinar os sinais de maneira a simular um telescópio do tamanho da Terra.

Esse experimento se chama Event Horizon Telescope (EHT, “Telescópio Horizonte de Eventos.”) e ele tem resolução suficiente pra achar um livro de relatividade geral na superfície da Lua. Caso você tenha perdido o seu e já tenha olhado em tudo quanto é canto.

4) Por que a parte de baixo é mais brilhante?

Isso é devido ao um efeito chamado relativistic beaming, que é o efeito Doppler com esteróides.

Lembrando, efeito Doppler é o fenômeno pelo qual a sirene da ambulância parece mais aguda quando ela se aproxima do que quando ela se afasta da gente. Quando a ambulância está se aproximando, nós recebemos mais ciclos de onda sonora por unidade de tempo, o que gera a ilusão que ela tem frequência maior. O inverso acontece quando a ambulância se afasta.

Relativistic beaming acontece quando um elétron, por exemplo, emite luz enquanto viaja com velocidade próxima à da luz. Dessa maneira, os raios de luz que a priori são emitidos em todas a direções vão aparentar estar mais próximos na direção do movimento do que na direção contrária.

Imagine que você está na chuva e o seu guarda-chuva vira ao avesso. Ele agora tem um formato de cone, certo? Agora imagine que o vento fica subitamente mais rápido, como se um furação estivesse chegando. O cone que era o seu guarda-chuva vai ficar mais estreito. Esse estreitamento que o seu finado guarda-chuva sofre é, grosso modo, o que acontece com os raios de luz. A diferença é que não tem vento, a fonte deles que está se movimentando muito rápido.

A assimetria da foto acontece pois o disco de acréscimo está em rotação em volta do buraco negro, e à medida que a matéria espirala ela chega a ter velocidades lineares próximas à velocidade da luz. Quando os elétrons vêm na nossa direção na sua trajetória moribunda, os raios de luz aparentam se concentrar num cone mais estreito e a imagem é mais brilhante. Na outra metade, quando eles estão na direção contrária, o oposto acontece.

Mas tem mais. O fato da foto ter uma cara de rosquinha não significa que a gente esteja olhando pro plano de rotação “por cima”. Devido a um efeito chamado lente gravitacional, mesmo se estivéssemos paralelos ao plano rotação seríamos capazes de ver um anel. A gravidade do buraco negro curva o espaçotempo próximo a ele, e a luz que viaja por ali é obrigada a seguir trajetórias curvas.

Então, numa pegada meio cubista, a gente vê não só a parte da “frente” do buraco negro, mas também atrás dele, e os lados.

5) Que louco.

Há muitas outras coisas legais. O buraco negro em questão também gira, justamente por ter ser feito de matéria girando. Esse tipo se chama Buraco Negro de Kerr, e a geometria dele possibilita uma série de efeitos interessantes, como a presença de uma região chamada ergosfera na qual gravidade e rotação juntas basicamente arrastam o espaçotempo. Não as coisas, o próprio tecido do qual o universo é feito.

É teoricamente possível colocar uma nave espacial na borda da ergosfera, ser acelerado a velocidades muito grandes às custas do buraco negro, e sair de lá viajando pelo universo.

6) Esse Einstein era o cara, né?

Era sim. Mas essa estória toda ia estar fora da alçada dele.

Não me entenda mal. O Einstein de fato contribuiu com coisas muito importantes durante a vida dele e mudou a ciência, mas a gente tende a atribuir tudo relacionado à gravidade a ele, e isso é incorreto. Sim, é ótimo que o buraco negro seja condizente com relatividade geral, mas da mesma maneira, todos os fenômenos em engenharia seguem a física Newtoniana e a gente não necessariamente cita o Newton toda vez que uma barragem nova é desenvolvida.

A primeira solução de um buraco negro foi feita pelo Schwartzschild em 1916, e a solução de Kerr só veio em 1963, oito anos depois da morte do Einstein. A verdade é que muitos cientistas vieram depois dele e trabalharam duro, mas a gente teima em procurar heróis e idealizar o passado.

O algoritmo que juntou os sinais de rádio num telescópio virtual do tamanho da Terra foi desenvolvido por um grupo de pessoas liderado pela Dra. Katie Bouman, que é cientista da computação e tem uns 30 anos.

Eu não estou dizendo que ela é mais capaz que o Einstein, até porque esse tipo de comparação é sempre fútil, mas que se ele estivesse aqui ela ia estar explicando as coisas pra ele. Se o Einstein aparecesse hoje ele ia ter que passar um bom tempo assistindo aula, não por incapacidade, porque o volume de conhecimento aumentou.

A vida em sociedade é um jogo de soma positiva. Quando se coexiste de maneira pacífica e colaborativa, os frutos do nosso trabalho são maiores que o meu esforço e o seu esforço e a soma deles. São maiores que eu e você, e que o Einstein.

A gente idealiza o passado por vaidade e por ter medo do futuro. A gente busca heróis por insegurança e por desejar que tudo tenha uma solução simples. Mas não funciona assim. Esse tipo de comportamento gera frustração quando nós descobrimos que os nossos heróis são apenas pessoas e que o passado era imperfeito, e também nos expõe a exploração quando elegemos líderes que se dizem capazes de resolver todos os problemas de forma heróica.

As coisas são mais complicadas. É por isso que é importante coexistir ao invés de dividir, olhar para frente e não para trás.

Esse é justamente o mecanismo do telescópio: era impossível visualizar o buraco negro com um só aparato, mas vários deles colaborando de maneira inteligente conseguiram ver mais longe. Literalmente.

Do Pedro Lisbao

Compartilhado por João Lopes

5 comentários em “Buraco negro, vale a pena ler até o fim …

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