Promulgação da Lei da Trapaça, por Pablo Neruda – 13/12/2016

Foi votada e aprovada hoje, em segunda votação no Senado Federal, a Proposta de Emenda Constitucional número 55 que, na prática, inviabiliza o cumprimento pelo governo, qualquer governo, por 20 anos, das cláusulas sociais constantes da Constituição Federal.

A Constituição será transformada, com esta emenda perversa, em uma colcha de retalhos incoerente, com artigos conflitantes. Por um lado declara como obrigatório o cumprimento de diversas cláusulas sociais e, por outro, nega os recursos – com as restrições aprovadas pela emenda 55 –  para atendimento destas cláusulas.

Como vai contra o espírito das cláusulas pétreas definidas pelos constituintes de 1988, a PEC 55 é, fundamentalmente, inconstitucional.

Como será impossível obter deste Supremo Tribunal Federal apequenado um gesto de coragem declarando sua inconstitucionalidade, bastará o Senado Federal promulgar a indigitada emenda e ela já estará valendo.

Emendas à Constituição não dependem de sanção presidencial. O ilegítimo não precisará sujar ainda mais suas mãos. Esta tarefa ficará para Renan Calheiros, que completará o trabalho sujo iniciado por Temer e seus ministros amestrados e pela Câmara Federal de Cunha e Rodrigo Maia.

Toda vez que o Congresso aprova, a toque de caixa, sem ampla discussão com a sociedade, leis que representam um estupro da Constituição de 88 fico indignado e me vem à memória o poema de Pablo Neruda intitulado “Promulgação da Lei da Trapaça”. Diz tudo. Leia abaixo:

Promulgação da Lei da Trapaça

Eles se declararam patriotas.
Nos clubes se condecoraram
e foram escrevendo a história.
Os Parlamentos ficaram cheios
de pompa, depois repartiram
entre si a terra, a lei,
as melhores ruas, o ar,
a Universidade, os sapatos.

Sua extraordinária iniciativa
foi o Estado erigido dessa
forma, a rígida impostura.

Foi debatida, como sempre,
com solenidade e banquetes,
primeiro em círculos agrícolas,
com militares e advogados.
Por fim levaram ao Congresso
a Lei suprema, a famosa,
A respeitada, a intocável
Lei da Trapaça.

Foi aprovada.

Para o rico a boa mesa.

O lixo para os pobres.

O dinheiro para os ricos.

Para os pobres o trabalho.

Para os ricos a casa grande.

O tugúrio para os pobres.

O foro para o grão-ladrão.

O cárcere para quem furta um pão.

Paris, Paris para os señoritos.

O pobre na mina, no deserto.

O senhor Rodríguez de la Crota
falou no Senado com voz
melíflua e elegante.

“Esta lei, afinal, estabelece
a hierarquia obrigatória
e, antes de tudo, os princípios
da cristandade.

Era tão necessária quanto a água.
Só os comunistas, chegados
do inferno, como se sabe,
podem combater este Código
da Trapaça, sábio e severo.

Mas essa oposição asiática,
vinda do sub-homem, é simples
refreá-la: todos na cadeia,
no campo de concentração,
assim ficaremos somente
os cavalheiros distintos
e os amáveis yanacones*
do Partido Radical.”

Vibraram os aplausos
dos brancos aristocráticos:
que eloquência, que espiritual
filósofo, que luminar!

E foi cada um encher correndo
Os bolsos com seus negócios,

Um açambarcando o leite,
outro dando o golpe no arame,
outro roubando no açúcar,
e todos se chamando em coro
patriotas com o monopólio
do patriotismo, consultado
também na Lei da Trapaça.

  • yanacones: índios araucanos, dóceis, a serviço dos conquistadores espanhóis.

Em, Canto Geral, Pablo Neruda
Tradução: Paulo Mendes Campos

Leis de exceção e a vergonha da magistratura (com filme de Costa Gravas ao final)

Publicado em Carta Maior

17/10/2016 11:14 – Copyleft

Leis de exceção e a vergonha da magistratura

Filme de Costa-Gavras relata a origem comum dos estados autoritários e como se dão as coisas neles: decide-se dar à polícia carta branca para atuar.

Não perca o filme Section Speciale, completo, ao final do texto.
Léa Maria Aarão Reis**

Há filmes que de tempos em tempos devem ser revistos. Permanecem sempre novos e universais. São os verdadeiros clássicos. Assim como ocorre com livros aos quais se recomenda várias leituras ao longo da vida, algumas produções políticas do diretor grego Constantin Costa – Gavras, naturalizado francês, de 83 anos, são clássicas. Z (de 1969), A Confissão (1970), Estado de sítio (72) Amém (2002) e Seção especial de justiça, de 1975.

Mesmo na mais frívola irresponsabilidade, com esses filmes fica mais difícil ignorar a origem comum dos estados autoritários e como se dão as coisas neles.

Desenha-se, nos filmes de Costa-Gavras, o processo de deterioração do caráter dos protagonistas da vida pública que sucumbe ao sofrer repulsivas torções e distorções, ou diante de pressões e ameaças políticas e policiais – veladas ou não -, ou face à chance, de repente aberta, de legalizar o assalto ao poder.

Section speciale, co-produção França, Itália e Alemanha, oferece uma régia lição sobre o assunto, com os diálogos magistrais do escritor Jorge Semprún, comunista militante do Partido Comunista Francês, de primeira hora da época, assim como foi seu companheiro Costa-Gavras.

Ele mostra a naturalidade das tenebrosas transações que ocorrem no mundo sombrio manipulado pelos donos ilegítimos do poder, nas ditaduras e nos estados de exceção – como o que está vigente no Brasil sob ocupação, hoje: um Estado de Exceção dentro do Estado de Direito, como disse há dias o jurista Pedro Serrano.*

No caso do filme, o cenário é a França ocupada de Pétain em agosto de 1941 e nela a justiça colaboracionista: ministros germanófilos, juízes hipócritas, promotores e procuradores subservientes, advogados indiferentes, os carreiristas e os dissimulados; traidores e covardes de todos os tipos e calibres.

QPara a corja, o fantasma da época foi o ‘’abismo da Espanha’’ quando era preciso evitar, a todo custo, que a França escorregasse para ele. O inimigo eram os anarquistas, comunistas e gaulistas. “Simpatizantes dos partidos de esquerda,” um procurador conselheiro da corte especial alveja, no filme, à semelhança do ministro da justiça do momento, aqui, mais preciso ao dizer: eles são ‘‘a escória da terra.”

A certeza nesse ambiente era a entrada dos exércitos alemães em Moscou, breve.

Enquanto membros do governo francês cultivavam pompas e vaidades na estação de águas de Vichy, em Paris jovens estudantes comunistas resistentes praticavam um atentado, no metrô, e matavam a queima roupa um alto oficial da marinha alemã nazista. A retaliação foi imediata. Para a punição exemplar, os alemães decidem fazer uma centena de reféns na cidade e decapitá-los na Plâce de la Concorde. Mas são dissuadidos e lembrados da guilhotina em praça pública, um dos emblemas da revolução de 1789.

A partir do episódio, a narrativa do filme segue desvendando as manobras do submundo jurídico para a criação fulminante (todas as medidas excepcionais devem ser promulgadas com rapidez para deixar atônita a população) de uma corte especial que julgasse resistentes e presumíveis maquis, em um tribunal de exceção com tintas de legalidade – a section speciale. Seis presos seriam escolhidos entre comunistas, judeus ou comunistas judeus acusados de pequenos delitos. Julgados a portas fechadas. Á sua revelia eles estavam previamente condenados à pena de morte.

Decide-se dar à polícia carta branca para atuar. A lei de exceção, por ser como tal, era retroativa. ‘’São medidas que servem à situação, mas não à Justiça,’’ reagem alguns juristas renitentes. Em seguida serão convencidos e cooptados.

“Jogamos a Justiça na ilegalidade e a vergonha sobre a magistratura,” bradam. “Não. Trata-se de promover a ‘’salvaguarda nacional’’, replicam os que procuram comprar para si a boa consciência. “Aqui, não se trata de Justiça”, argumentam. “Vamos salvar cem reféns e para isto precisamos de seis condenados à morte.”

No início, alguns juízes ensaiam resistir à promulgação da lei antiterrorista que permitirá condenar qualquer um a qualquer hora.

O leitor observa semelhanças?

“A razão de estado deve ditar as decisões jurídicas,’’ justifica a si mesmo um magistrado. E prosseguem a farsa e a burla do julgamento até que um dos réus, (já condenado sem o saber), Sampaix, jornalista do jornal L’Humanité, órgão do Partido Comunista Francês, o PCF, decide mostrar que o rei está nu.”O povo francês julgará este dia,” diz.

Em certo momento das discussões a incerteza bate à porta de um dos procuradores. “E se os alemães atolarem na profunda Rússia e os americanos chegarem às costas da Inglaterra?” Os demais tergiversam.

No fim de Seção Especial de Justiça os seis presos escolhidos entre a ‘’escória’’ das esquerdas são executados. Uma legenda informa: “Na Libertação, nenhuma medida séria foi tomada contra os magistrados que participaram dos tribunais de exceção. Eles funcionaram durante toda a ocupação.”

Todos aqueles juristas da section speciale, no entanto, foram julgados pelas suas próprias consciências, como anteviu Sampaix, o jornalista do L’Humanité, olhando-os cara a cara, diante da corte de exceção, recusando o embuste da defesa.

 

  • O jurista Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional da PUC-SP lembra que ‘’no caso Lula, o TRF-4 assumiu que está praticando a exceção, que a Lava Jato é um caso excepcional e, portanto, devem ser suspensas as normas gerais no caso, para o juiz atuar como queira. A Lava Jato não precisa seguir as regras de processos comuns.” ( Rede Brasil Atual).

** Jornalista

Créditos da foto: Reprodução

Compartilho excelente material do site violaobrasileiro.com, de autoria de Jorge Carvalho de Mello, sobre Paulinho Nogueira.

No final do artigo tem um link para um depoimento de Paulinho Nogueira e Toquinho.

Neste blog, em outro post, tem um vídeo com Paulinho Nogueira cantando Simplesmente.

Paulo Martins
Paulinho Nogueira
Nascimento
8 de Outubro de 1929
Falecimento
2 de Agosto de 2003
Naturalidade
Campinas (SP)
Grande estilista do violão, o autor de Menina e Bachianinha 1 é inventor da craviola, utilizada por Jimmy Page, e do famoso método
Por JORGE CARVALHO DE MELLO

Violonista, compositor, cantor e professor, Paulinho Nogueira é um grande estilista do violão, com uma maneira autêntica de tocar – muito suave e utilizando a polpa dos dedos da mão direita sem ataque de unha. Autor de sucessos como Menina e Bachianinha nº 1, é também o inventor da craviola, instrumento de 12 cordas de aço, que fez sucesso até fora do Brasil, utilizada por Jimmy Page, em músicas como Tangerine, do disco Led Zeppelin III.

O violonista escreveu ainda o famoso Método Paulinho Nogueira para Violão e Outros Instrumentos de Harmonia, considerado marco em termos de publicações para ensino de violão, desde o final da década de 1960 até meados dos anos 1980.

Família

Paulinho Nogueira nasceu em família muito musical. O avô, uma das primeiras pessoas em Campinas a ter vitrola e rádio, promovia memoráveis saraus em casa. Por diversas vezes, ainda menino, ouvia embevecido a pianista Guiomar Novaes. O pai tocava violão por música, interpretando peças de Barrios e Tárrega.

Os irmãos mais velhos, Celso e João, também tocavam violão. Nada mais natural que o garoto também se interessasse pelo instrumento. O irmão João Mendes Nogueira, foi-lhe o primeiro ídolo: advogado, pintor, escultor, poeta, folclorista e violonista, exerceu grande influência sobre Paulinho e lhe deu as primeira noções de violão quando ele tinha 11 anos.

Com João, Paulinho aprendeu desde as primeiras posições básicas no manejo do instrumento até algumas técnicas inovadoras – como a de usar o dedo indicador da mão direita com a mesma função dos dedos da mão esquerda, recurso que utilizaria amplamente em gravações futuras.

Formação

Percebendo a aptidão do filho para o instrumento, a mãe lhe arranjou um professor que lhe ensinasse violão por música. O escolhido foi Alfredo Scupinari, um professor de grande prestígio, que logo percebeu: Paulinho, apesar do enorme talento musical, não tinha a disciplina necessária para o estudo do violão por música. Foram três ou quatro meses de estudo, algumas valsas aprendidas e nada mais.

Durante esse período de incerteza, Paulinho se dedicou intensamente a outra paixão: o desenho. Pouco tempo depois, passou a integrar o grupo vocal Cacique, dirigido pelo outro irmão, Celso Mendes, conjunto nos moldes do Bando da Lua e Anjos do Inferno.

Com este grupo, do qual participava também Bob Nelson, apresentou-se em rádios e clubes de Campinas. Por volta de 1947, o jovem violonista formou o próprio conjunto, Os Príncipes Vocalistas, que se apresentava pela região e no qual Paulinho fazia apenas acompanhamentos e solos de violão.

Desenho e boate

Em 1952 mudou-se para São Paulo, onde passou a trabalhar como desenhista e também como violonista, apresentando-se na boate Itapoã e tocando nas rádios Bandeirantes e Gazeta. Em 1956 faz temporada no Bar Michel, em São Paulo, ao lado de Johnny Alf, e mereceu elogios de Fernando Lobo e Stanislaw Ponte Preta (Última Hora, 22/05/1956 – página 3, 2º caderno). Nessa época já possuía grande prestigio, sendo identificado como um ´violonista moderno´.

Em 1997, eu o entrevistei e perguntei sobre as influências que havia tido, Paulinho Nogueira respondeu:“O único ídolo que tive e que foi assim uma influência direta foi o Garoto (Anibal Augusto Sardinha). Eu escutava muito um programa na Rádio Nacional das 12h às 13h, logicamente ao vivo. Eu gostava muito de futebol, mas se fosse no horário do programa do Garoto, eu largava tudo e ia ouvir. Foi através do Garoto que comecei a perceber as possibilidades que o violão tem. Eu ouvia o programa dele já com o violão na mão. Conforme o acorde que ele fazia lá, eu procurava aqui. Ele me abriu um caminho enorme e a partir daí fui me modernizando”.

O primeiro disco, A Voz do Violão, gravado em 1958 pela Columbia, e lançado no ano seguinte, trazia o repertório que provavelmente Paulinho Nogueira tocava nas boates de São Paulo: eclético, o disco mistura hits americanos como All Things You Are e I Love Paris com Casinha Pequenina, Luar do Sertão e Índia.

A partir do segundo disco, até o quinto, todos pela RGE, Paulinho Nogueira toca repertório estritamente nacional, mesclando novas composições (bossa nova, principalmente) e antigas, incluindo também canções de autoria dele, como Menino Desce Daí, que fez grande sucesso nessa época.

Essa tentativa de conciliar o tradicional com o moderno esteve sempre presente na obra de Paulinho Nogueira. O sétimo disco, O Fino do Violão (1965), alude ao programa O Fino da Bossa, apresentado por Elis Regina na TV Record, do qual participou diversas vezes.

Craviola

Em 1969 começa a surgir o novo som de Paulinho Nogueira, por meio do disco Um Festival de Violão, onde se apresenta tocando novo instrumento: a craviola. Ele mesmo, com o talento de desenhista, projetou este “violão diferente”, que quebrava a simetria das curvas do violão tradicional – na parte de cima é como um alaúde e, na parte de baixo, um violão tradicional. Não são mais 6 cordas simples, e sim 6 cordas duplas (ou 12 cordas).

O disco foi um sucesso. O novo instrumento, também. Passou a ser fabricado em série pela Giannini e ganhou ilustres adeptos, como Jimmy Page, guitarrista do Led Zeppelin, e o violonista Luiz Bonfá. Com este último houve incidente curioso. Assim como Paulinho Nogueira se reinventou com a craviola em 1969, Bonfá, que estava radicado nos Estados Unidos, fez o mesmo no ano seguinte com o disco The New Face of Bonfá, em que lançava um novo instrumento também chamado craviola.

Na mesma entrevista de 1997, Paulinho Nogueira se manifestou sobre a questão: “Um dia abro a revista O Cruzeiro, com duas ou três paginas sobre o Bonfá, ele na foto com uma craviola, e, no texto, dizendo: ‘Bonfá vem ao Brasil lançar sua craviola’. Eu fui para vários jornais, televisão, em São Paulo, no Rio e em Curitiba… depois ficou tudo esclarecido, o Bonfá é um cara fino, educado e inteligente. Uma vez ele foi lá em casa e nós tocamos, ele solando e eu acompanhando. Foi uma das melhores noites que passei.”

As manchetes nos jornais da época traduziram essa polêmica: “A craviola é minha” – Diário da Noite, 17/02/1972, e Violonistas disputam a craviola – Jornal do Brasil, 08/02/1972. O que mais incomodou Paulinho Nogueira nessa história foi o fato de seu nome, como inventor do instrumento, inclusive já patenteado e com vendas inclusive para o exterior, não ter sido citado por Bonfá nessa matéria publicada em O Cruzeiro.

Método

Um marco importante dessa época é o Método Paulinho Nogueira para Violão e Outros Instrumentos de Harmonia, lançado em 1968 – que representou, por muito tempo, o que de mais moderno existia no ensino do violão popular no Brasil. Tanto que fez um sucesso extraordinário, merecendo várias reedições, e coroou o esforço do grande professor de violão que era.

Mestre de violão desde o final dos anos 1950, Paulinho Nogueira teve em Toquinho o principal aluno.

Outro trabalho importante no campo da didática lançado por Paulinho Nogueira foi a fita em VHS Violões em Harmonia, trabalho pioneiro lançado em 1990, e que teve como sequência a série Solos de Violão.

Outros LPs

O disco Dez Bilhões de Neurônios, lançado em 1972, pode ser considerado de vanguarda. Fugia inteiramente ao padrão dos anteriores. Tematica de letra, estilo de musica mais moderna (por qual motivo?) O LP Moda de Craviola, de 1975, também apresenta algumas ousadias e abre espaço para o sobrinho Stenio Mendes executar na craviola a composição Linhas Tortas (autoria de Stenio).

O lançamento seguinte, Antologia do Violão, de 1976, traz novamente o moderno e o tradicional em absoluta convivência pacífica: Garoto, Bonfá, Laurindo de Almeida, Toquinho, Baden, Rosinha de Valença e o próprio Paulinho Nogueira, lado a lado com o tradicionalismo de Dilermando Reis, Americo Jacomino, João Pernambuco e Catulo da Paixão Cearense. (Nesse disco, um dos mais importantes da carreira, tem-se uma visão panorâmica do violão brasileiro).

Paulinho Nogueira produziu muitos trabalhos autorais, principalmente em músicas cantadas – nas quais os destaques são Paulinho Nogueira Canta suas Composições (1970), Dez Bilhões de Neurônios, Voz e Violão (1977), Nas Asas do Moinho (1978) e Água Branca (1983). Na parte instrumental pode-se destacar Moda de Craviola (1975) e, principalmente, Tons e Semitons, de 1986 – com este último trabalho foi lançou simultaneamente um livro com as partituras que, posteriormente, foi editado pela prestigiosa Guitar Solo Publications (GSP).

Menina

As composições cantadas de Paulinho Nogueira fizeram grande sucesso, principalmente Menina, destaque na trilha sonora da novela Irmãos Coragem, apresentada pela TV Globo em 1970. Também se tornaram muito populares Simplesmente, Menino Desce Daí e Um Bilhão de Neurônios.

Paulinho Nogueira dedicou dois discos a compositores por quem nutria grande admiração: Tom Jobim e Chico Buarque. Em 1981 lançou o LP Retrospectiva Tom Jobim, com 11 músicas. É delicado eleger as melhores faixas, todas em arranjos incríveis. Mas podemos citar Olha Maria para dois violões. Sobre a obra de Chico Buarque, deteve-se na primeira parte da obra do autor, a que tem melodias mais líricas, e produziu o CD Chico Buarque – Primeiras Composições, lançado pela Trama em 2002.

Paulinho Nogueira produziu ao longo da carreira mais de 60 composições e teve parceiros importantes como Paulo César Pinheiro, nas músicas Catarina e Violão de Madeira; Paulo Vanzolini em Boneca e Valsa das Três da Manhã; e Toquinho e Vinicius de Moraes em Choro Chorado para Paulinho Nogueira.

Arranjos originais

Como violonista, pode-se dizer que Paulinho Nogueira destacou-se pela originalidade dos arranjos. As execuções musicais que praticava eram únicas, tanto pelos arranjos como pela técnica toda própria, na qual lançava mão de recursos pouco usuais, como o uso do indicador da mão direita como se fora um dedo a mais da mão esquerda. Tocava “sem unha” e, além disso, devido ao posicionamento da mão direita, muito encurvada – como se pode observar em vídeos disponíveis no You Tube, fazia do som assim obtido uma característica totalmente pessoal.

Em 1991, Paulinho Nogueira participou do Festival Internacional de Violão em Nápoles, Itália. No ano seguinte, atuou no evento Guitars in Concert, ao lado dos guitarristas Joe Pass, americano com ascendência italiana (Guiseppe Passalacqua) e os argentinos Jorge Morel e Gianni Palazzo. Depois se apresentaram em 18 de maio em Milão; 19 em Florença; 20 em Perugia; 22 em Bolonha; 25 em Nápoles; e 28, em Roma. Ainda em 1992, gravou grava pela Movieplay o CD Late Night Guitar, The Brazilian Sound of Paulinho Nogueira.

Em 1993 participou do projeto Instrumental no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), juntamente com Sebastião Tapajós, Mauricio Einhorn e Gilson Peranzetta, o que resultou em CD produzido pela Tom Brasil. Três anos depois, pelo mesmo selo, lançou o CD Brasil Musical – Paulinho Nogueira, Alemão e Zezo.

(Das 15 faixas do CD, Paulinho Nogueira executa, sozinho, as nove primeiras; cabe à dupla de violonistas Alemão e Zezo as seis restantes. Na ficha técnica é omitida a faixa Da Cor do Pecado, de Bororó, a segunda música a ser apresentada).

Parceria com Toquinho

Em 1999, Paulinho Nogueira lançou o CD Reflections pela gravadora americana Malandro Records, na série Legends of Brazil. Nesse mesmo ano, em parceria com Toquinho, grava pela Movieplay, o CD Sempre Amigos, no qual interpreta, e tocam conjuntamente, 13 canções, entre as quais, Samba em Prelúdio, de Baden Powell e Vinícius de Moraes e Choro Chorado pra Paulinho Nogueira, de Toquinho, Vinicius de Moraes e Paulinho Nogueira.

Situação bem distinta da que ocorreu com o LP Sempre Amigos, de Paulinho Nogueira e Toquinho, gravado pela Arlequim em 1980, em que eles gravaram as musicas separadamente. No texto da contracapa, Paulinho diz: Foi com satisfação que encarei a ideia da Arlequim de reunir num mesmo LP, faixas minhas e do Toquinho, mesmo tendo sido gravadas com cada um isoladamente. Apesar da impossibilidade, no momento, de fazermos um disco tocando juntos, pretendemos um dia concretizar efetivamente essa ideia, que alias já é bem antiga. Este projeto foi realizado quase no apagar das luzes para Paulinho, que nos deixou em 02 de agosto de 2003, em consequência de um infarto.

Métodos e livros:

Método Paulinho Nogueira para Violão e Outros Instrumentos de Harmonia (1968)

Violões em Harmonia (Fita em VHS) (1990)

Sons e Semitons – livro de partituras (1986)

Discografia:

LPs:

1) A voz do violão (1959)

2) Brasil, violão e sambalanço (1960)

3) Sambas de ontem e de hoje (1961)

4) Outros sambas de ontem e de hoje (1962)

5) Mais sambas de ontem e de hoje (1963)

6) A nova bossa é violão (1964)

7) O fino do violão (1965)

8) Sambas e marchas da nova geração (1967)

9) Paulinho Nogueira (1967)

10) Um festival de violão (1969) (o novo som de Paulinho Nogueira)

11) Paulinho Nogueira canta suas composições (1970)

12) Dez bilhões de neurônios (1972)

13) Violão e samba (1973)

14) Simplesmente (1974)

15) Moda de craviola (1975)

16) Antologia do violão (1976)

17) Paulinho Nogueira, voz e violão (1977)

18) Nas asas do moinho (1978)

19) Tons e semitons (1986)

CDs

1) Late night guitar, the brazilian sound of paulinho nogueira (1992)

2) Brasil musical – paulinho nogueira, alemão e zezo (1993)

3) Reflections (1999)

4) Chico Buarque – Primeiras composições (2002)

BIBLIOGRAFIA

Enciclopédia da Música Brasileira: Erudita, Folclórica e Popular. São Paulo, Art Editora, 1977)

Violões do Brasil, organização Myriam Taubkin. Edições Sesc São Paulo, 2007).

Depoimento de Paulinho Nogueira e Toquinho no YouTube (http://youtu.be/MbvnpaFgDkY)

Deixe a menina, Chico Buarque de Holanda

Não é por estar na sua presença, meu prezado rapaz

Mas você vai mal, mas vai mal demais

São dez horas, o samba tá quente

Deixa a morena contente

Deixe a menina sambar em paz

Eu não queria jogar confete, mas tenho que dizer

“Cê” tá de lascar, “cê” tá de doer

E se vai continuar enrustido com essa cara de marido

A moça é capaz de se aborrecer

Por trás de um homem triste há sempre uma mulher feliz

E atrás dessa mulher, mil homens, sempre tão gentis

Por isso, para o seu bem, ou tira ela da cabeça

Ou mereça a moça que você tem

Não sei se é pra ficar exultante, meu querido rapaz

Mas aqui ninguém o aguenta mais

São três horas, o samba tá quente

Deixa a morena contente

Deixe a menina sambar em paz

Por trás de um homem triste há sempre uma mulher feliz

E atrás dessa mulher, mil homens, sempre tão gentis

Por isso, para o seu bem, ou tira ela da cabeça

Ou mereça a moça que você tem

Não é por estar na sua presença, meu prezado rapaz

Mas você vai mal, mas vai mal demais

São seis horas, o samba tá quente

Deixa a morena com a gente

Deixa a menina sambar em paz.

Desculpe, leitores, não resisti. A intenção não é fazer um comentário preconceituoso, mas um posicionamento político contra um usurpador que vive uma vida artificial e vai colocar nosso país de joelhos.

 

Novo site proporciona viagem musical no tempo e no espaço

Novo site proporciona viagem musical no tempo e no espaço.

Compartilho artigo da dw.com.

Basta escolher um país e uma década, e deixar a música rolar através de uma plataforma parecida com uma máquina do tempo. Na plataforma radiooooo.com, usuários podem cavar tesouros musicais de hoje e de ontem.

O site radiooooo.com tem uma concepção bem simples, apresentando um mapa-múndi com uma linha cronológica logo abaixo. Após escolher um país e uma década entre 1900 e “agora”, o usuário está pronto a embarcar numa viagem musical no tempo – da bossa nova brasileira da década de 1960 à música o Congo na época em que era colônia da Bélgica; de canções populares russas de 1920 a sucessos atuais do Canadá.

A plataforma é uma verdadeira ilha encantada para os caçadores de tesouros musicais, já que o universo da world music é aparentemente inesgotável. Mesmo para os fãs ardorosos do violonista brasileiro João Pernambuco (1883-1947), o combo E. T. Mensah & The Tempos, de Gana, é possivelmente inédito. E quem já ouviu falar da banda Yalla, do Uzbesquistão, ou da sul-africana Die Antwoord?

Mil possibilidades de escolha – para quem quiser
O DJ francês Benjamin Moreau teve a ideia inicial para o ambicioso projeto ao entrar no carro oldtimer de seu pai: ele se deixou escorregar nos assentos de couro vermelho, acariciou amorosamente o volante.

Mas, ao ligar o antigo aparelho de rádio, as batidas de música tecno o arrancaram violentamente de sua nostalgia. Assim nasceu o impulso para criar uma máquina do tempo musical.
Moreau realizou o projeto junto com amigos, todos DJs e amantes da música. Alguns anos antes, à procura de uma identidade musical própria para o frequentado clube parisiense Le Baron, eles haviam acumulado uma grande discoteca de “música do mundo”, incluindo os mais diversos gêneros e países.

Para reunir o capital inicial, recorreram ao sistema de crowdfunding Indiegogo – uma plataforma de financiamento coletivo onde startups, artistas, pequenos empresários e comunidades criativas apresentam seus projetos, convidando os visitantes a contribuírem. Alguns realizadores retribuem cada doação com um brinde, seja o CD da produção musical ou um ingresso para o preview do filme financiado.
Mil possibilidades de escolha – para quem quiser.

Normalmente, o rádio é o contrário de um meio interativo. A emissora decide a programação, e o ouvinte tem a opção de ficar sintonizado, mudar de estação ou desligar o aparelho, sem possibilidade de escolher ou de realizar buscas por gêneros musicais ou artistas preferidos.

Para Moreau e seus amigos, é justamente essa relação relaxada que constitui o encanto especial do rádio: em seu “laboratório” – como define o site – os ouvintes deles podem se recostar e simplesmente se deixar levar pelos mundos musicais de 11 décadas.
Na prática, porém, radiooooo.com implica um certo grau de interatividade: além de definir a época e o país, o usuário pode escolher um ou mais estilos, entre slow (lento), fast (rápido) e weird (esquisito). A partir daí, a plataforma se encarrega de gerar a playlist.

No modo “táxi”, o usuário seleciona um grupo de países e décadas por queira ser livremente transportado. Além disso, o mapa possui ilhas secretas, como a “Neverland”, para crianças pequenas e grandes; a “Lazyland”, para que têm preguiça de fazer descobertas. As “Discovery Islands” incluem todas as canções recém-adicionadas à plataforma. E a “Fornication Island” se propõe como apoio certeiros para os encontros românticos.

As músicas podem ser compartilhadas, curtidas, postadas ou compradas. Além disso a audioteca está em expansão, pois qualquer usuário pode contribuir, também carregando novas músicas. Moreau explica: “É mais fácil um cazaque de 65 anos apontar o melhor da música da década de 50 no seu país, do que para um francês na casa dos 30.”
A quem interessar possa: enquanto escrevia este artigo, o autor empreendeu uma viagem musical pela Guiné Equatorial, Brasil, México, Jamaica, Cuba, Espanha, Uzbequistão, Congo, Gana, Índia, Rússia, Canadá e Coreia do Norte. Não de avião ou navio, claro, mas com a máquina do tempo digital da radiooooo.com.

Recebem ordens contra o Chile – Pablo Neruda

Este poema de Pablo Neruda tem, certamente, quase 70 anos e continua atual em nossa triste América Latina, dos golpes e traições. Substitua o Chile pelo Brasil e vocês poderão observar a incrível atualidade do tema. Foi publicado aqui no blog em setembro e em dezembro de 2015. Repito hoje. Está, cada vez mais, tristemente atual.

Há que dar-lhes doutrinação, lavagem cerebral e dólares. Articulam eles, anão traidor, mercantes de mandato, coveiros do voto e testas de ferro. Fazem eles o golpe.

Por trás dos traidores, há um império que põe a mesa …

Paulo Martins

Recebem ordens contra o Chile

Pablo Neruda

Mas atrás de todos eles há que buscar, há algo

atrás dos traidores e dos ratos que roem,

há um império que põe a mesa,

que serve a comida e as balas.

Querem fazer de ti o que logram na Grécia.

Os señoritos gregos no banquete, e balas

ao povo nas montanhas: há que extirpar o vôo

da nova Vitória de Samotrácia, há que enforcar,

matar, perder, mergulhar o punhal assassino

empunhado em Nova York, há que romper

com fogo

o orgulho do homem que assomava

por todas as partes como se nascesse

da terra regada pelo sangue.

Há que armar Chianga e o ínfimo Videla,

há que dar-lhes dinheiro para cárceres, asas

para que bombardeiem compatriotas, há que

dar-lhes

um pão velho, alguns dólares, fazem eles o resto,

eles mentem, corrompem, dançam sobre os

mortos

e suas esposas reluzem os visões mais caros.

Não importa a agonia do povo, deste martírio

necessitam os amos donos do cobre: há fatos:

os generais deixam o exército e servem

de assistentes no staff de Chuquicamata,

e no salitre o general “chileno”

ordena com sua espada quanto devem pedir

como aumento de salário os filhos do pampa.

Assim ordenam de cima, da bolsa com dólares,

assim recebe a ordem o anão traidor,

assim os generais se fazem de polícias,

assim apodrece o tronco da árvore da pátria.

Canção do amor armado – Thiago de Mello

16/10/2018

Estou passando para atualizar este post. O texto anterior foi escrito antes do golpe que derrubou Dilma Rousseff da presidência do Brasil e jogou o país neste caos. Era um mensagem de esperança, por isso parecia tão deslocada no tempo, tão utópica, tão lunática. Eu não contava com as astúcias da Besta bíblica e dos bestificados. Eu fazia um juízo do ser humano muito melhor do que a realidade mostra. O humano morreu. Ressuscitá-lo vai dar um trabalhão …

Paulo Martins

Canção do amor armado – Thiago de Mello

Vinha a manhã no vento do verão,
e de repente aconteceu.
Melhor é não contar quem foi nem como foi,
porque outra história vem, que vai ficar.
Foi hoje e foi aqui, no chão da pátria,

onde o voto, secreto como o beijo
no começo do amor, é universal
como pássaro voando – sempre o voto
era um direito e era um dever sagrado.

De repente deixou de ser sagrado,
de repente deixou de ser direito,
de repente deixou de ser, o voto.
Deixou de ser completamente tudo.
Deixou de ser encontro e ser caminho,
Deixou de ser dever e de ser cívico,
Deixou de ser apaixonado e belo
e deixou de ser arma – de ser a arma,
porque o voto deixou de ser do povo.

Deixou de ser do povo e não sucede, e
não sucedeu nada, porém nada?

De repente não sucede.
Ninguém sabe nunca o tempo
que o povo tem de cantar.
Mas canta mesmo é no fim.

Só porque não tem mais voto,
o povo não é por isso
nem vai deixar de cantar,
nem vai deixar de ser povo.

Pode ter perdido o voto,
Que era a sua arma e poder.
Mas não perdeu seu dever
nem seu direito de povo,
que é o de ter sempre sua arma,
sempre ao alcance da mão.
De canto e de paz é o povo,
Quando tem arma que guarda
a alegria do seu pão.
Se não é mais a do voto,
que foi tirada à traição,
outra há de ser, e qual seja
não custa o povo a saber,
ninguém nunca sabe o tempo
que o povo tem de chegar.

O povo sabe, eu não sei.
Sei somente que é um dever,
somente sei que é um direito.
Agora sim que é sagrado:
Cada qual tenha sua arma
para quando a vez chegar
de defender, mais que a vida,
a canção dentro da vida,
para defender a chama
de liberdade acendida
no fundo do coração.

Cada qual que tenha a sua,
qualquer arma, nem que seja
algo assim leve e inocente
como este poema em que canta
voz de povo – um simples
canto
de amor.
Mas de amor armado.

Que é o mesmo amor. Só que agora
que não tem voto, amor canta
no tom que seja preciso
sempre que for na defesa
do seu direito de amar.

O povo, não é por isso
que vai deixar de cantar,

Rio, 6 de fevereiro, 1966

Um Neruda por semana # 5 – Os advogados do dólar

Inferno americano, pão nosso
empapado em veneno, há outra
língua em tua pérfida fogueira: 
é o advogado nativo 
da companhia estrangeira. 
É ele que arrebita os grilhões  
da escravidão em sua pátria, 
e passeia desdenhoso 
com a casta dos gerentes 
a mirar com ar supremo 
nossas bandeiras andrajosas. 

Quando chegam de Nova York 
as vanguardas imperiais, 
engenheiros, calculistas, 
agrimensores, peritos, 
e medem terra conquistada, 
estanho, petróleo, bananas, 
nitrato, cobre, manganês, 
açúcar, ferro, borracha, terra, 
adianta-se um anão obscuro, 
com um sorriso amarelo, 
e aconselha com suavidade 
aos invasores recentes: 

Não é preciso pagar tanto 
a estes nativos, seria 
um crime, meus senhores, elevar 
estes salários. Não convém.
Estes pobres-diabos, estes mestiços, 
iriam só embriagar-se 
com tanto dinheiro. Pelo amor de Deus! 
São uns primitivos, quase 
umas feras, conheço esta cambada. 
Não paguem tanto dinheiro. 

É adotado. Põem-lhe 
libré. Veste como gringo, 
cospe como gringo. Dança 
como gringo, e vai subindo. 
Tem automóvel, uísque, imprensa, 
é eleito juiz e deputado, 
é condecorado, é ministro, 
e é ouvido no Governo. 
Sabe ele quem é subornável. 
Sabe ele quem é subornado. 
Ele lambe, unta, condecora, 
afaga, sorri, ameaça. 
E assim se esvaziam pelos portos 
as repúblicas dessangradas. 

Onde mora, perguntareis, 
este vírus, este advogado, 
este fermento do detrito, 
este duro piolho sangüíneo, 
engordado de nosso sangue? 
Mora nas baixas regiões 
equatoriais, o Brasil, 
mas sua morada é também 
o cinturão central da América. 
Podereis encontrá-lo na escarpada 
altura de Chuquicamata. 
Onde cheira riqueza, sobe 
os montes, cruza abismos, 
com as receitas de seu código 
para roubar a terra nossa. 

Podereis achá-lo em Puerto Limón, 
na Ciudad Trujillo, em Iquique, 
em Caracas, Maracaibo, 
em Antofagasta, em Honduras, 
encarcerando nosso irmão, 
acusando seu compatriota, 
despedindo peões, abrindo 
portas de juízes e abastados, 
comprando imprensa, dirigindo 
a polícia, o pau, o rifle 
contra sua família esquecida. 

Pavoneando-se, vestido 
de smoking, nas recepções, 
inaugurando monumentos, 
com esta frase: meus senhores, 
a pátria, antes da vida, 
é a nossa mãe, é o nosso chão, 
vamos defender a ordem fazendo 
novos presídios, novos cárceres. 

E morre glorioso, “o patriota”, 
senador, patrício, eminente, 
condecorado pelo papa, 
ilustre, próspero, temido, 
enquanto a trágica ralé 
de nossos mortos, os que fundiram 
a mão no cobre, arranharam 
a terra profunda e severa, 
morrem batidos e esquecidos, 
postos às pressas 
em seus caixões funerários: 
um nome, um número na cruz 
que o vento sacode, matando 
até a cifra dos heróis.

Um Neruda por semana # 4

As terras e os homens – Pablo Neruda, em Canto Geral

Velhos latifundiários incrustados
na terra como ossos
de pavorosos animais,
supersticiosos herdeiros
da encomenda, imperadores
duma terra escura, fechada
com ódio e arame farpado.

Entre as cercas o estame
do ser humano foi afogado,
o menino foi enterrado vivo,
negou-se-lhe o pão e a letra,
foi marcado como inquilino
e condenado aos currais.
Pobre peão infortunado
entre as sarças, amarrado
à não-existência, à sombra
das pradarias selvagens.

Sem livro foste carne inerme,
e em seguida insensato esqueleto,
comprado de uma vida a outra,
rechaçado na porta branca
sem outro amor que uma guitarra
despedaçara em sua tristeza
e o baile apenas aceso
como rajada molhada.

Não foi porém só nos campos
a ferida do homem. Mais longe,
mais perto, mais fundo cravaram:
na cidade, junto ao palácio,
cresceu o cortiço leproso,
pululante de porcaria,
com a sua acusadora gangrena.

Eu vi nos agros recantos
de Talcahuano, nas encharcadas
cinzas dos morros,
ferver as pétalas imundas
da pobreza, a maçaroca
de corações degradados,
a pústula aberta na sombra
do entardecer submarino,
a cicatriz dos farrapos,
e a substância envelhecida
do homem hirsuto e espancado.

Eu entrei nas casas profundas,
como covas de ratos, úmidas
de salitre e de sal apodrecido,
vi seres famintos se arrastarem,
obscuridades desdentadas,
que procuravam me sorrir
através do ar amaldiçoado.

Me atravessaram as dores
de meu povo, se enredaram em mim
como aramados em minh’alma:
me crisparam o coração:
saí a gritar pelos caminhos,
saí a chorar envolto em fumo,
toquei as portas e me feriram
como facas espinhosas,
chamei os rostos impassíveis
que antes adorei como estrelas
e me mostraram seu vazio.
E então me fiz soldado:
número obscuro, regimento,
ordem de punhos combatentes,
sistema da inteligência,
fibra do tempo inumerável,
árvore armada, indestrutível
caminho do homem na terra.

E vi quantos éramos, quantos
estavam a meu lado, não eram
ninguém, eram todos os homens,
não tinham rosto, eram povo,
eram metal, eram caminhos.
E caminhei com os mesmos passos
da primavera pelo mundo.

Recebem ordens contra o Chile – Pablo Neruda

Recebem ordens contra o Chile

Pablo Neruda

Mas atrás de todos eles há que buscar, há algo

atrás dos traidores e dos ratos que roem,

há um império que põe a mesa,

que serve a comida e as balas.

Querem fazer de ti o que logram na Grécia.

Os señoritos gregos no banquete, e balas

ao povo nas montanhas: há que extirpar o vôo

da nova Vitória de Samotrácia, há que enforcar,

matar, perder, mergulhar o punhal assassino

empunhado em Nova York, há que romper

com fogo

o orgulho do homem que assomava

por todas as partes como se nascesse

da terra regada pelo sangue.

Há que armar Chianga e o ínfimo Videla,

há que dar-lhes dinheiro para cárceres, asas

para que bombardeiem compatriotas, há que

dar-lhes

um pão velho, alguns dólares, fazem eles o resto,

eles mentem, corrompem, dançam sobre os

mortos

e suas esposas reluzem os visões mais caros.

Não importa a agonia do povo, deste martírio

necessitam os amos donos do cobre: há fatos:

os generais deixam o exército e servem

de assistentes no staff de Chuquicamata,

e no salitre o general “chileno”

ordena com sua espada quanto devem pedir

como aumento de salário os filhos do pampa.

Assim ordenam de cima, da bolsa com dólares,

assim recebe a ordem o anão traidor,

assim os generais se fazem de polícias,

assim apodrece o tronco da árvore da pátria.

Guernica – Pablo Picasso – Quadro Animado – Sensacional

Diálogos Essenciais

Curiosos? Vejam o quadro, abaixo e, a seguir, clique no vídeo.

Para quem não conhece, pesquise na internet sobre esta obra importantíssima de Picasso.

Copiado do blog: 7dasartes.blogspot.com.br

Copiado do blog: artefontedeconhecimento.blogspot.com.br

Vale a pena acessar os blogs acima para visualizar diversas obras de arte importantes.

Paulo Martins – dialogosessenciais.com

Ver o post original

A educação proibida – filme e sites

Um filme sobre a educação centrado no amor, no respeito, na liberdade e na aprendizagem.

Mais de 90 entrevistas de educadores de 8 países iberoamericanos, com 45 experiências educativas.

Projeto financiado coletivamente pela internet, por 704 pessoas.

Uma obra aberta pensada para a transformação social.

Clique no vídeo abaixo. É longo, mais de 2 horas, mas compensa:

Este é o original em espanhol:

http://youtu.be/-1Y9OqSJKCc

Se preferir, assista a uma versão com legendas em português:

http://youtu.be/-t60Gc00Bt8

Para maiores informações sobre o projeto, acesse:

educacionprohibida.com

Acesse também a Reevo – que é uma rede de educação livre, aberta e colaborativa, em espanhol e português:

reevo.org

A grande alegria, Pablo Neruda

A sombra que indaguei já não me pertence.

Eu tenho a alegria duradoura do mastro,

a herança dos bosques, o vento do caminho

e um dia decidido sob a luz terrestre.

 Não escrevo para que outros livros me

             aprisionem,

nem para encarniçados aprendizes de lírio,

mas para singelos habitantes que pedem

água e lua, elementos da ordem imutável,

escolas, pão e vinho, guitarras e ferramentas.

Escrevo para o povo ainda que ele não possa

ler a minha poesia com seus olhos rurais.

Virá o instante em que uma linha, a aragem

que removeu a minha vida, chegará aos seus

             ouvidos,

e então o labrego levantará os olhos,

o mineiro sorrirá quebrando pedras,

o caldeireiro limpará a fronte,

o pescador verá melhor o brilho

dum peixe que palpitando lhe queimará as mãos,

o mecânico, limpo, recém-lavado, cheio

do aroma do sabão, olhará meus poemas,

e talvez eles dirão: “Foi um camarada”.

 Isso é bastante, essa é a coroa que quero.

 Quero que à saída da fábrica e das minas

esteja a minha poesia aderida à terra,

ao ar, à vitória do homem maltratado.

Quero que um jovem ache na dureza

que construí, com lentidão e com metais,

como uma caixa, abrindo-a, cara a cara, a vida,

minha alegria, nas alturas tempestuosas.