Como observador interessado, sexagenário, estou muito preocupado com os cidadãos, de todas as idades, que irão tocar o barco daqui para a frente e construir este país.
Com pessoas que se digladiam para aumentar sua fatia do bolo, passando por cima dos outros, mesmo sem terem apetite ou fome, podemos construir uma bela pátria sonegadora, mas não vai dar para construir um país digno.
As nações enriquecem quando as memórias e os aprendizados – não só as técnicas, as tecnologias e os modos de produzir, mas os conhecimentos e os aprendizados humanos – são passados e absorvidos pelas novas gerações como importante legado.
O século XX foi um dos mais violentos da história da humanidade. As mazelas do século XX parecem ter sido herdadas pelo século XXI. Infelizmente, o colchão civilizatório que permitia uma certa redução dos danos e sofrimentos no século XX está sendo jogado no lixo neste século.
A humanidade saiu horrorizada da Segunda Grande Guerra Mundial e criou mecanismos para minorar o sofrimento. Entre estes, a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Hoje, o sentimento que ajudou a desenhar aquele novo arranjo de convivência entre os seres humanos, está ausente. As guerras e a violência tornaram-se lugares comuns.
O egoísmo e o individualismo tornaram-se o novo normal.
Os novos oráculos, regiamente pagos pela grande mídia, em ataque de amnésia seletiva, pregam como remédio único, como panaceia para todos os males do mundo, a política econômica neoliberal.
Ora, a capitulação ao mercado e ao consumismo levou a enormes desequilíbrios na economia, no meio-ambiente e a aumentos nos níveis de desigualdade de renda.
Mistificam quando não explicam que a política econômica neoclássica requer, para retomar o equilíbrio, níveis brutais de redução de salários e o desemprego. O equilíbrio, prometido para algum lugar no futuro distante, nunca chega.
Os tratados de paz assinados após as grandes guerras mundiais foram esquecidos.
Eric Hobsbawn, em seu livro de 1994, Era dos Extremos – O breve século XX – 1914 – 1991, publicou as opiniões de doze pessoas sobre o século XX. Selecionei algumas destas opiniões e as transcrevo abaixo:
Isaiah Berlin (filósofo, Grã-Bretanha): “Vivi a maior parte do século XX, devo acrescentar que não sofri provações pessoais. Lembro-o apenas como o século mais terrível da história”.
Rita Levi Montalcini (Prêmio Nobel, ciência, Itália): “Apesar de tudo, neste século houve revoluções para melhor […] o surgimento do Quarto Estado e a emergência da mulher, após séculos de repressão”.
Yehudi Menuhin (músico, Grã-Bretanha): ” Se eu tivesse de resumir o século XX, diria que despertou as maiores esperanças já concebidas pela humanidade e destruiu todas as ilusões e ideais”.
Leo Valiani (historiador, Itália): “Nosso século demonstra que a vitória dos ideais de justiça e igualdade é sempre efêmera, mas também que, se conseguimos manter a liberdade, sempre é possível recomeçar […] Não há por que desesperar, mesmo nas situações mais desesperadas”.
Para Hobsbawn, “a destruição do passado – ou melhor, dos mecanismos sociais que vinculam nossa experiência pessoal à das gerações passadas – é um dos fenômenos mais característicos e lúgubres do final século XX. Quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem. Por isso os historiadores, cujo ofício é lembrar o que outros esquecem, tornam-se mais importantes do que nunca no fim do segundo milênio”.
Passaram-se 20 anos desde que Hobsbawn observou esta mazela. Hoje, em 2015, tenho a sensação de que a situação está ainda mais grave: além da destruição do passado, aparece a amnésia seletiva e a volta das velhas ideias como se fossem remédios novos.
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