A cuidadosa construção da desigualdade brasileira, por Paulo Kliass

“A cuidadosa construção da desigualdade brasileira
Relatório da Oxfam tem mérito notável: mostrar que as injustiças sociais não são “naturais” – mas resultam de políticas impostas pelo 1% mais rico em favor de si mesmo

Publicado em OUTRASPALAVRAS
DESIGUALDADES
por Paulo Kliass
Publicado 28/11/2018 às 17:51 – Atualizado 10/12/2018 às 14:56

Por Paulo Kliass | Imagem: Pavel Kuchinsky

É fato amplamente sabido e reconhecido a desigualdade estrutural que sempre caracterizou a sociedade brasileira. O enfoque pode ser centrado na distribuição de renda, na distribuição do patrimônio, na distribuição da terra, na distribuição dos imóveis urbanos ou qualquer outro tipo de mensuração do fenômeno. Pouca importa o objeto avaliado, o resultado dos níveis de concentração é sempre impressionante. Trata-se de um país profundamente desigual, atributo infelizmente secular que nos acompanha ao longo da História.

Há um bom tempo que as universidades e as instituições de pesquisa se debruçam ao estudo e em busca de uma compreensão mais elaborada a respeito do tema. Como tudo nas ciências sociais, há uma permanente polêmica e muito debate a respeito das causas que estariam na base de tanta diferença e tamanha marginalização da maioria da população. Também são objeto de bastante discussão as metodologias e os índices utilizados para descrever essa realidade inquestionável.

Mas não nos iludamos, pois vivemos tempos estranhos, em que se tenta ressuscitar a própria teoria criacionista ou se questiona o fato da Terra ter sua forma arredondada. Assim, é bem possível que algum grupo saia por aí afirmando que essa coisa de desigualdade nada mais é do que outra manifestação desse “marxismo cultural” (sic) que nos domina e que a solução passa por impor a “escola sem partido” para impedir que se continue a praticar lavagem cerebral em nossas escolas. Pobres crianças que crescem deformadas por conta desses professores diabólicos e vermelhinhos.

Relatório Oxfam: quadro piorou

Mas o fato é que acaba de ser divulgado mais um importante relatório abordando o tema das desigualdades em nossas terras. O documento “País estagnado – Um retrato das desigualdades brasileiras – 2018” é um prato cheio para quem pretende conhecer mais de perto esse nossa triste realidade. O relatório foi elaborado pela Oxfam, uma importante e reconhecida organização não governamental que se dedica a esse tipo de trabalho.

O texto recebeu contribuição de pesquisadores de várias instituições e transmite aos leitores toda a segurança necessária para fundamentar as suas conclusões. O material analisado se dedicou a verificar a evolução do quadro das desigualdades na comparação entre os anos mais recentes, em particular o verificado entre 2016 e 2017.

Um indicador bastante utilizado para esse tipo de medição é o chamado índice de Gini. Ele pode variar entre 0 e 1, sendo que quando mais próximo da unidade, mais grave será o retrato da desigualdade analisada. Um dos dados que mais chamou a atenção foi a interrupção da queda do Gini da renda (medido de acordo com os dados da PNAD do IBGE). Desde 2002 havia uma pequena redução aferida a cada ano, indicando uma melhoria generalizada no padrão da distribuição de renda. Entre 2016 e 2017 essa queda foi estagnada.

Por mais questionável que possa ser considerada o uso da metodologia dos dados dessa pesquisa do IBGE, o fato é que desde 2002 a concentração de renda em geral vinha mesmo diminuindo. Esse processo tem tudo a ver com as políticas de valorização do salário mínimo, ampliação dos acessos à Previdência Social, à extensão dos benefícios do Bolsa Família e, principalmente, ao aumento da taxa de formalização do mercado de trabalho e às melhorias salariais. A partir de 2015, no entanto, a adoção da estratégia do austericídio pôs tudo a perder. Logo depois de reeleita para um segundo mandato, Dilma Roussef cometeu o famoso estelionato eleitoral e indicou Joaquim Levy para comandar o Ministério da Fazenda. Nelson Barbosa deu sequência ao estrago e, depois do golpeachment, Henrique Meirelles se esbaldou na maldade criminosa.

Austericídio e concentração.

Com essa súbita mudança na orientação da política econômica, o Brasil passou a perder em pouco tempo tudo aquilo que foi conquistado durante anos de políticas públicas afirmativas. Não foi por mero acaso que as consequências do extremismo conservador e fiscalista no comando das áreas econômicas do governo começaram a apresentar sua fatura logo na sequência, em 2016. Assim, as estatísticas oficiais vieram a revelar aquilo que a sensibilidade de análise das políticas sociais já escancarava a olhos nus. Miséria, desemprego, precariedade. Os setores mais desprotegidos da nossa estrutura social foram os mais atingidos e as melhorias obtidas nos níveis de desigualdade recuaram no tempo.

Se as informações coletadas comparassem, por exemplo, a concentração no topo da pirâmide socioeconômica (1% ou 0,5% dos mais ricos) com o restante, a situação seria ainda mais dramática. Isso porque o fenômeno concentrador se revelaria com toda a sua perversidade. Ao analisar o ocorrido com os chamados equivocadamente de “10% mais ricos” da PNAD, corre-se o risco de incluir como “ricos” um contingente expressivo de trabalhadores de salários melhores e setores de classe média. Além disso, na metodologia do IBGE, existe uma clara subdeclaração de outros rendimentos que não os do trabalho ou de aposentadorias. Essa é a razão pela qual cada vez mais se pressiona os órgãos da Receita Federal para obtenção de dados da declaração de imposto de renda de pessoas física (IRPF). Ali estão informações mais completas sobre os rendimentos totais e também de evolução de patrimônio.

O estudo da Oxfam faz uma tentativa de adicionar dados do IRPF à pesquisa da PNAD. Com isso, obtêm-se dois resultados interessantes. Em primeiro lugar, o valor do Gini aumenta em quase 10% no período posterior a 2007, revelando maior concentração de renda. Por outro lado, ao incluir tais informações tributárias, percebe-se que a estagnação na queda da desigualdade teve início antes mesmo da estratégia do austericídio, ou seja, ela já manifestava em 2012.

O documento apresenta outras informações para confirmar a virada de tendência da desigualdade. Os cenários para 2017 apontam para uma regressão na equiparação de renda entre mulheres e homens, bem como na comparação dos rendimentos entre brancos e negros. Além disso, os índices de mortalidade infantil apresentam piora expressiva, combinada à deterioração nos indicadores de pobreza. Para finalizar, o Brasil ainda recuou uma posição em termos de comparação internacional, caindo da 10ª para a 9ª pior distribuição entre países analisados. Enfim, nada a comemorar.

Crônica de uma tragédia anunciada.

O relatório apresenta também importante contribuição ao debate ao enfatizar os problemas associados à nossa estrutura tributária e aos mecanismos de despesa pública em programas sociais como ferramentas relevantes para atenuar os malefícios da concentração estrutural. A natureza regressiva de nosso sistema de impostos acaba por penalizar ainda mais as camadas de menor renda e aliviar os setores do alto da pirâmide quanto à sua contribuição para os cofres públicos. O modelo adotado na Constituição de 1988 foi bastante influenciado pela ideia de um de Estado de Bem Estar. Não obstante todas as dificuldades encontradas para sua implementação ao longo dessas três décadas de vigência, o fato concreto é que as politicas governamentais de ofertas de serviços públicos amplos e universais contribuíram para minorar os efeitos da desigualdade.

Esse quadro de deterioração, no entanto, corre o sério risco de ser ainda mais aprofundado com o resultado das eleições e os anúncios declarados de responsáveis pelo futuro governo de Bolsonaro. A opção declarada e assumida pela redução do protagonismo do Estado e pela abordagem ainda mais extremista na condução da austeridade fiscal deverá agravar o quadro da concentração e da desigualdade. A opção liberaloide por uma crença irresponsável no mercado como única entidade capaz de solucionar os problemas nacionais nos leva mais uma vez à narrativa de uma crônica de uma tragédia anunciada.

O único caminho pra impedir essa degradação é o esclarecimento do grave risco que a maioria da população enfrenta caso nada seja feito em sentido contrário. A mobilização política ampla e a pressão do movimento sindical também devem se dirigir ao Congresso Nacional para sugerir mudança na pauta para 2019. Um dos primeiros movimentos deveria ser pela revogação da Emenda Constitucional 95, que congela os gastos públicos por longos 20 anos e chancela como inevitável a opção pelo desmonte do Estado e das políticas sociais.

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O petróleo é nosso!

Somos 7 bilhões de seres humanos no mundo

Um bilhão de pessoas situadas no topo da pirâmide social consome 50% de toda a energia produzida no mundo.

Os três bilhões de pessoas situadas no nível intermediário da pirâmide consome 45% da energia.

Os três bilhões de pessoas da base da pirâmide consome os 5% restantes.

O consumo de energia elétrica em aparelhos para condicionamento de ar nos EUA é maior do que o consumo de energia elétrica em toda a África.

Fonte: Eduardo Gianetti

Há um ano eu publiquei esta informação no Facebook.

A desigualdade de riqueza, renda e consumo entre nações – e não só na comparação entre os países ricos e a África – e entre as pessoas de um determinado país, como o Brasil, por exemplo, é brutal.

Estes dados são uma pequena amostra. Quando os norte-americanos falam em manter seu padrão de vida – o “American way of life” – o que eles estão querendo dizer é que não aceitam ceder um milímetro para diminuir estas desigualdades.

A forma predatória dos norte-americanos se relacionarem com os outros países e com o meio ambiente reflete somente a leitura que eles, os norte-americanos, têm do mundo: estamos todos aqui para servi-los e não deixar que lhes falte nada, nem energia, nem drogas. Eles necessitam ser os maiores consumidores de tudo, mesmo que sejam os maiores poluidores globais.

Há abundância de dados estatísticos mostrando com indiscutível clareza a grande desigualdade de riqueza e renda que o funcionamento da máquina capitalista global turbinada pelo neoliberalismo trouxe para o mundo nos últimos 30 anos.

Mesmo dentro dos Estados Unidos, a desigualdade de riqueza e renda entre as pessoas aumentou a ponto de tornar o sistema econômico norte-americano uma máquina defeituosa, que gera riqueza para poucos com subtração de renda da grande maioria dos seus próprios cidadãos.

A drenagem de recursos das outras nações, especialmente o petróleo barato, para sustentar o desenvolvimento dos Estados Unidos, foi um fenômeno comum no passado. A novidade é que o fenômeno da absurda concentração de riqueza e renda passou a ser um fenômeno interno, nacional, que afeta os próprios cidadãos norte-americanos.

O resultado disso é o crescente egoísmo, individualismo, xenofobia, descaso com o meio ambiente. Em resumo: Trump.

Se a farinha é pouca, meu pirão primeiro.

Os dados provam: desigualdade é a lógica do sistema e não uma disfunção ocasional

Contrário ao que as matérias jornalísticas tentam fazer crer, a desigualdade não é uma simples disfunção da máquina econômica global. Sem controle, esta máquina produz, de um lado, extrema concentração de riqueza e, de outro, pobreza e “desposse”. O funcionamento normal dessa máquina gera bolhas e desequilíbrios, excluindo os derrotados no perverso jogo da competição e da ganância.

O capitalismo necessita de crescimento composto infinito, concentração de renda e riqueza entre poucos e exclusão dos demais.Esta é a lógica de funcionamento do modelo.  O mercado é incapaz de criar mecanismos que permitam, em prazo razoável, em nível local ou global, obter crescimento equilibrado e estável. De uma máquina que gera, em seu funcionamento regular, desequilíbrios e crises, não se pode esperar estabilidade.

Todos os bilionários citados beneficiaram-se de extrema concentração nos mercados em que atuam. Eliminaram concorrentes, sonegaram tributos, manipularam informação, formataram a opinião pública, pagaram propinas, fizeram lobby, compraram leis, isenções, benefícios e empréstimos com juros subsidiados, concentraram renda, diminuíram salários apesar de aumentos extraordinários de produtividade e foram capazes, mediante expedientes anti-livre competição, de assumirem domínio monopolista ou oligopolista nos mercados globais.

Entra ano, sai ano, jornalistas, economistas e autoridades reunem-se no Fórum Econômico Global para tentar consertar a máquina econômica global. Ora, os mecânicos que construíram a máquina que funciona tão mal não serão capazes de renegar seu invento e declarar que a tal máquina tem defeitos básicos de concepção e que não é possível repará-la.

Não é necessária nenhuma genialidade para verificar que a máquina econômica global tal qual concebida não funciona para a grande maioria. E que não há conserto capaz de fazê-la funcionar. É o que os números mostram e os míopes fingem não enxergar.

É necessário substituí-la. Não sei quantas linhas serão escritas, quantas palavras serão jogadas ao vento, quantos fóruns e conferências globais serão necessários até que se conclua que o desarranjo da máquina econômica  global é fatal. A paciência não será infinita.

Se o aumento na desigualdade não é “uma lei de ferro do capitalismo” como afirma a instituição que organiza o Fórum Econômico Mundial e que tudo é apenas uma questão de escolha de políticas corretas, tendo em vista a caótica situação das pessoas resultante do mal funcionamento da economia, podemos concluir que os formuladores de políticas ou não querem ou não sabem quais seriam as tais escolhas políticas corretas. Fazem escolhas erradas, não admitem o erro e, quando questionado, dobram a aposta. Quando surgem os resultados catastróficos que provam o funcionamento perverso da máquina econômica, fingem surpresa alguns e perplexidade outros. Leia, abaixo, a tradução do texto da The Guardian que eu fiz. Veja os noticiários e observe que eles, todos eles, evitam tocar na raiz do problema.

Paulo Martins

Larry Elliott, Editor de Economia,The Guardian

Segunda-feira 16 janeiro 2017

Os oito bilionários mais ricos do mundo controlam entre eles a mesma riqueza que a metade mais pobre da população global, de acordo com uma organização dedicada à caridade que emitiu o alerta sobre a crescente e perigosa concentração de riqueza.

Em um relatório publicado para coincidir com o início da semana de Fórum Econômico Mundial, em Davos,  Oxfam declarou que ser “além do grotesco” que um punhado de homens ricos liderados pelo fundador da Microsoft, Bill Gates valem US$ 426 bilhões (£ 350 bilhões), equivalente à riqueza de 3.6 bilhões de pessoas.

A associação de caridade para o desenvolvimento pediu um novo modelo econômico para reverter a tendência à desigualdade que ela considera que ajuda a explicar a vitória do Brexit e de Donald Trump na eleição presidencial dos Estados Unidos.

Robótica, Trump e Brexit aqueceram a temperatura na neve de Davos

Oxfam culpou o aumento da desigualdade em razão da agressiva restrição nos salários, da sonegação de tributos e da exploração de produtores por empresas, acrescentando que empresas também focaram em entregar para os proprietários e top executivos  retornos cada mais mais altos.

O Fórum Econômico Mundial declarou na semana passada que o aumento na desigualdade e polarização social são os dois maiores riscos para a economia global em 2017 e que poderia resultar em volta atrás da globalização.

A Oxfam declarou que os 50% mais pobres do mundo eram proprietários do mesmo valor em ativos  dos US$ 426 bilhões possuídos por um grupo encabeçado por Gates,  Amancio Ortega, espanhol fundador da cadeia de moda Zara e Warren Buffett, o famoso investidor e chefe executivo de Berkshire Hathaway.

Os outros são Carlos Slim Helú: o magnata mexicano das telecomunicações e proprietário do conglomerado Grupo Carso; Jeff bezos: o fundador da Amazon; Mark Zuckerberg: o fundador de Facebook; Larry Ellison, chefe executivo da empresa norte-americana de tecnologia Oracle; e Michael Bloomberg; um ex-prefeito de Nova Iorque e fundador e proprietário do serviço de notícias e informações financeiras Bloomberg.

Ano passado, a Oxfam havia declarado que os 62 bilionários mais ricos do mundo eram tão ricos quanto a metade da população global. Contudo, este número tem caiu para oito em 2017 porque nova informação mostra que a pobreza na China e na Índia está pior do que anteriormente pensado, piorando a situação dos 50% faixa de renda mais baixa e aumentando a distância entre ricos e pobres.

Com os membros de o Fórum sendo esperados para esta  segunda-feira na Suí ça, onde os hóspedes variarão do presidente chinês Xi Jinping, a estrela pop Shakira, o WEF – World Economic Forum lançou seu próprio relatório sobre crescimento e desenvolvimento inclusivo em que ele declara que o rendimento mediano tinha caído por um média de 2,4% entre 2008 e 2013 em 26 nações desenvolvidas.

Noruega, Luxemburgo, Suíça, Islândia e Dinamarca ocuparam o cinco primeiros lugares no índice de desenvolvimento econômico  inclusivo do WEF, com a Grã-Bretanha em vigésimo- primeiro e os Estados Unidos em vigésimo-terceiro. A instituição que organiza o evento em Davos disse que o aumento da desigualdade não é uma “lei de ferro do capitalismo”, mas uma matéria de fazer as escolhas políticas corretas.

O relatório do WEF encontrou que 51% dos 103 países para os quais os dados estavam disponíveis viram suas pontuações no índice de desenvolvimento inclusivo declinar nos período dos últimos cinco anos, “atestando para o legitimidade da preocupação pública e o desafio a ser enfrentado pelos formuladores de políticas quanto à dificuldade de traduzir crescimento econômico em amplo progresso social”.

Baseando sua pesquisa na lista de ricos da Forbes e em dados fornecidos pelo banco de investimento Credit Suisse, Oxfam disse que a vasta maioria das pessoas sitiadas na metade inferior da faixa de riqueza da população do mundo defrontaram com uma luta diária para sobreviver , com 70% deles vivendo em países de baixa-renda.

Faz quatro anos que o WEF primeiro identificou a desigualdade como uma ameaça à  estabilidade social, mas a distância entre ricos e pobres continuou a aumentar, acrescentou a Oxfam.

“Do Brexit ao sucesso da campanha presidencial de Donald Trump, o aumento preocupante do racismo e a desilusão geral com a política tradicional, existem crescentes sinais de que mais e mais pessoas em países ricos não estão mais desejando tolerar esse estado de coisas”, o relatório afirmou.

A instituição de caridade declarou que novas infrmações mostraram que pessoas pobres na China e na Índia eram proprietárias de menos ativos do que se havia pensado anteriormente, tornando a desigualdade de riqueza ainda mais pronunciada do que pensado um ano atrás, quando foi anunciado que 62 bilionários eram proprietários da mesma riqueza que a metade mais pobre da população global.

Mark Goldring, chefe executivo da Oxfam GB, declarou: “a fotografia da desigualdade deste ano está mais clara, mais exata e mais chocante do que antes. É além de grotesco que um grupo de homens que poderia facilmente encaixar um único carrinho de golfe tenha mais do que a metade mais pobre da humanidade.

“Enquanto uma em cada nove pessoas no planeta irá para a cama com fome hoje à noite, um pequeno punhado de bilionários tem tanta riqueza que eles precisariam de vários vidas para gastar tudo. O fato que uma elite super-rica seja capaz para prosperar às custas do resto nós em casa e no exterior mostra quão deformada nossa economia tornou-se.

Mark Littlewood, diretor geral do “think tank” Instituto de Assuntos Econômicos, declarou: “uma vez mais Oxfam publicou um relatório que demoniza o capitalismo, esquecendo-se convenientemente  do fato de que o mercados ajudou 100 milhão pessoas a sair da pobreza no ano passado”.

“O relatório da Oxfam acrescentou que desde 2015 o 1% mais rico é proprietário de mais riqueza do que o resto o planeta. Ele afirma que nos próximos 20 anos, 500 pessoas vão repassar 2.1 trilhões de dólares para seus herdeiros – um soma maior do que o PIB da Índia, um país com 1.3 bilhão de pessoas. Entre 1988 e 2011 os rendimentos dos 10% mais pobres aumentou por apenas 65 dólares, enquanto o rendimentos do 1% mais ricos cresceu 11.800 dólares- 182 vezes mais.

Oxfam exortou para uma mudança fundamental alterar para assegurar que economias trabalhem para todos, não apenas para “uma minoria privilegiada”.

Razão neoliberal

Por Ulysses Ferraz

Sob o pretexto de um Estado mínimo, os governos de Ronald Reagan, George H. W. Bush e Margaret Thatcher construíram nos anos 1980/90, em seus respectivos países, Estados de segurança máxima. Colocaram em prática uma lógica de opostos. De mínimos e máximos. Uma lógica binária de minimização ou maximação. Minimizar regulamentações, impostos, benefícios sociais, direitos trabalhistas, educação e saúde públicas. Maximizar desigualdades, concentração de renda e riqueza, privatizações, terceirizações, aparatos repressivos, gastos militares, serviços de informações e espionagem. Maximizar o poder dos mercados financeiros e bancos. Maximizar a riqueza dos ricos. Maximizar bônus dos altos executivos. Minimizar salários da classe trabalhadora.

Sob o pretexto da liberdade, esses governos alimentaram bolhas especulativas, declararam guerras, cortaram benefícios sociais historicamente adquiridos e, ao contrário do discurso de austeridade fiscal que venderam para o mundo, produziram vultosos déficits públicos. Invocaram a liberdade para proteger suas economias, bombardear países, incentivar a indústria bélica, garantir suprimento barato de combustíveis fósseis e acessar mercados externos em condições vantajosas. Invocaram a liberdade para proteger seus mercados internos, ignorar acordos ambientais, instaurar o terror e conservar o antigo modo de fazer negócios. Invocaram a liberdade para implantar um sistema de vigilância próximo à distopia orwelliana, quando exerceram o controle mais abrangente e repressivo do Estado sobre o cidadão em tempos de democracia.

Sob o pretexto de um Estado mínimo e da liberdade máxima, esses governos garantiram o máximo para quem já possuía o máximo. Ofereceram o mínimo para quem já possuía o mínimo. Gastaram recursos escassos para atender apenas a seus grupos de interesse. Ofereceram sempre o mínimo em retornos sociais para a maioria da população. No final das contas, maximizaram a miséria para garantir o máximo de riqueza, renda e luxo para um mínimo de pessoas já privilegiadas. Com o respaldo intelectual de economistas vencedores de prêmio Nobel e prestigiosos intelectuais, conferiram legitimidade moral para o egoísmo, para a ganância e para a destruição. Alastraram essas práticas para o resto do mundo em velocidade máxima, com um mínimo de resistência. Criaram mecanismos simbólicos e materiais para disseminar suas ideologias. Com eufemismos cínicos, construíram uma linguagem própria, uma gramática específica, para a produção de discursos pretensamente científicos e a fabricação de consenso. Capturaram os porta-vozes da grande mídia, das classes políticas e da ilustre academia. Em escala global. Deram luz a uma nova hegemonia. Lançaram trevas sobre os desfavorecidos mundo afora. E chamaram tudo isso de nova economia.

Notas críticas sobre a injustiça fiscal brasileira

O mito: “temos a maior carga tributária do mundo”. Os fatos: sistema fiscal pune a maioria, mas é dócil com privilegiados. A afronta: ricos e empresas querem pagar ainda menos. Veja números e tabelas.

Por Joana Rozowykwiat, no site do Inesc, e publicado no site outraspalavras.net.

De acordo com dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da Heritage Foundation, de 2014 e 2015, a carga tributária média mensal brasileira é a quinta mais baixa entre as 20 maiores economias do mundo e está longe de figurar como a mais elevada do planeta.

“Quando a gente avalia, na comparação com outros países, vemos que os cerca de 36% de carga tributária [em relação ao PIB] do Brasil está na média dos outros lugares. O problema é que temos aqui uma situação de injustiça fiscal que penaliza os pobres e a classe média”, diz Grazielle Custódio David, especialista em Orçamento Público e assessora do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).

Segundo ela, essa situação de desigualdade acontece basicamente por duas razões. Primeiro, porque grande parte da estrutura tributária do país está baseada em impostos indiretos, ou seja, que incidem sobre o consumo de bens e serviços e não sobre a renda e a propriedade.

“O problema de ter uma grande taxação de consumo é que, proporcionalmente, quem acaba pagando mais são os mais pobres. Por exemplo, se vai comprar arroz no supermercado, um pobre paga o mesmo imposto que um rico. Mas, quando a gente relaciona com o salário que aquela pessoa recebe, a proporção que o pobre paga é muito maior que a da pessoa rica. Isso configura uma situação de injustiça fiscal”, aponta Grazielle.

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O outro entrave à justiça fiscal, diz Grazielle, está relacionado à forma de tributar a renda no país. “A gente tem uma situação em que a classe média, a faixa que recebe entre 20 e 40 salários mínimos, é a que paga mais imposto de renda hoje no Brasil. Já quem recebe, por exemplo, acima de 70 salários mínimos, praticamente não paga imposto”, compara.

No país, hoje, as rendas do trabalho são submetidas à cobrança de imposto de acordo com uma tabela progressiva com quatro tipos de alíquotas (7,5%, 15%, 22,5% e 27,5%). Já nas rendas do capital o leão dá apenas uma mordiscadinha, uma vez que as rendas decorrentes da distribuição de lucros e dividendos são isentas de Imposto de Renda. E outras, como ganhos financeiros ou de capital, estão sujeitas a alíquotas exclusivas, inferiores àquelas cobradas sobre a renda do trabalho.

“Se a gente compara um assalariado que paga na alíquota máxima de 27% com alguém que recebe mais do que o limite do imposto de renda, há uma situação terrível. Porque a maioria deles [os mais ricos] recebe por lucros e dividendos e, quando a gente avalia quanto eles pagam em imposto de renda, normalmente chega em 6%. Olha a situação: um grupo, que é a classe média, paga 27,5% de IR. E quem ganha muito mais que este grupo paga muitas vezes só 6%, porque existe a isenção de cobrança do Imposto de Renda sobre lucros e dividendos”, lamenta Grazielle.

Segundo dados da Receita Federal, em 2014, um grupo com cerca de 71 mil brasileiros ganhou quase R$ 200 bilhões sem pagar nada de Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF). Foram recursos recebidos, em sua maioria, como lucros e dividendos.

 

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Essa isenção da tributação sobre lucros e dividendos foi instituída no país em 1995, durante o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB). “Entre todos os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), só o Brasil e a Estônia têm essa isenção. É uma vergonha, um vexame que o Brasil tenha aprovado uma lei como esta, que acaba punindo muitos de seus cidadãos, e beneficiando muito poucos”, critica Grazielle.

Os pesquisadores Sérgio Gobetti e Rodrigo Orair, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), estimam que o governo poderia arrecadar mais de R$ 43 bilhões ao ano com a cobrança de imposto de 15% sobre lucros e dividendos recebidos por donos e acionistas de empresas.

Em um momento de ajuste fiscal, no qual o governo faz malabarismos para cortar gastos e aumentar a arrecadação, o valor seria mais que bem-vindo.

As manipulações da Fiesp

Os ricos brasileiros não têm mesmo do que se queixar. De acordo com Grazielle, o Brasil tem ainda um dos mais baixos impostos sobre patrimônio. “Hoje, no Brasil, a arrecadação com impostos sobre patrimônio está na faixa de 3%. A média mundial é entre 8 e 12%”, informa, apontando a falácia no argumento de quem cita a carga tributária como abusiva.

A assessora do Inesc criticou o discurso de combate aos tributos, que interessa, especialmente, aos super-ricos, sobre quem menos pesam os impostos. Ela aponta a Fiesp como grande representante desse grupo – em grande parte possuidor de empresas e recebedor de lucros e dividendos não tributados.

Para ela, a entidade mente e manipula informações, de forma a conseguir a adesão da população para suas campanhas pela redução da carga tributária. Ao propalarem desinformação, as iniciativas terminam conseguindo apoio entre as classes baixa e média, que de fato sentem no bolso o preço dos impostos.

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“A Fiesp, através de sua atuação, inclusive de lobby com o Legislativo, grandes campanhas e articulação, representando os interesses dos super-ricos, tem formulado um discurso fácil de ser assimilado, porque as pessoas percebem uma carga pesada para elas e acatam esse discurso. Mas o problema é que eles [da Fiesp] contam uma mentira, ou uma verdade incompleta. Manipulam as informações, e o pobre e a classe média acabam sentindo, sim, o peso, porque todo o peso da carga tributária está sobre eles. Enquanto isso, os ricos praticamente não pagam imposto. É um discurso forjado, manipulador, para enganar a população”, acusa.

Para que serve o imposto

De acordo com Grazielle, a maior consequência deste tipo de campanha é que, ao insistir que a carga tributária é alta, distancia as pessoas de uma compreensão real sobre a importância dos impostos.

“A gente vai então ignorando o que determina uma carga tributária, que são as demandas sociais”, ressalta. Segundo ela, cria-se um quadro de contradição, em que as pessoas pleiteiam melhores serviços públicos, mas combatem a forma que o Estado tem de promovê-los.

“É isso que leva as pessoas para as ruas. É saúde, educação, segurança, promoção de direitos fundamentais, direitos humanos. E são essas demandas e necessidades sociais que vão determinar qual é a carga que um país tem que ter de tributos para garantir esse tipo de assistência à sua população. Se a gente quer que essas demandas sejam atendidas, os impostos são necessários. Agora, a forma como esse imposto vai ser cobrado da sociedade, aí é que entra a questão da justiça fiscal, que precisa melhorar no país”, diz.

Ela avalia que o debate sobre a importância dos tributos não interessa à parcela mais rica da população – a mesma que faz críticas ao tamanho do Estado. “Esses super-ricos não têm muito interesse de que essas demandas sociais sejam atendidas para o coletivo, porque muitos deles, por exemplo, recorrem a um plano de saúde, a uma escola privada, muitos contratam segurança privada, e esquecem que a maioria da população não tem como recorrer a isso e necessita que o Estado garanta.”

Para ela, mais que um debate sobre ter mais ou menos impostos, é preciso redistribuir a carga já existente.

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“Isso pode ser feito com a diminuição de impostos indiretos e com redistribuição do imposto de renda. A gente pode, por exemplo, criar mais faixas, com diferentes alíquotas, diminuindo a incidência do Imposto de Renda até os 40 salários mínimos, e aumentando a partir daí, desde que se revogue a lei que isenta de taxação os lucros e dividendos. Além disso, a gente pode trabalhar muito na questão dos impostos sobre patrimônio”, sugere.

A especialista em Orçamento Público defende que, com esta série de medidas, é possível aumentar a arrecadação – e, consequentemente, o orçamento público –, diminuir o peso da carga tributária sobre os mais pobres e a classe média e, ainda, atender melhor às demandas sociais e promover políticas públicas com melhor financiamento, o que acabaria por gerar melhor qualidade nos serviços.

Grandes fortunas

Outra medida que vem sendo discutida como forma de aumentar a justiça fiscal no país é a implantação do imposto sobre grandes fortunas, que está previsto na Constituição, mas precisa ser regulamentado. Grazielle, contudo, avalia que a medida enfrenta dificuldades para avançar.

“Uma grande resistência a esse tipo de taxação é de quem diz que vai haver fuga de capitais do país. Outra questão é que, quando se fala em imposto, significa que a União não pode compartilhar. Então existe uma resistência de estados e municípios para avançar nisso, se for em formato de imposto. Se fosse, por exemplo, no formato de uma taxa, ou outro formato de cobrança, talvez tivesse mais apoio de governadores e prefeitos”, avalia.

Segundo ela, nesse sentido, a adesão dos estados e municípios é maior à proposta de recriação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). “Como a CPMF é uma contribuição, ela pode ser compartilhada. Talvez por isso, o debate sobre a taxação de grandes fortunas perca um pouco de força”, explica.

Segundo ela, por causa da resistência que foi forjada na sociedade em relação a novos tributos, talvez seja melhor o governo trabalhar com as possibilidades que já existem, eliminando desonerações e aumentando a fiscalização e cobrança, de forma a recuperar recursos que estão na Dívida Ativa da União ou foram sonegados.

“Hoje as renúncias tributárias são altíssimas no Brasil, concedidas ao setor privado, sem que haja um controle adequado de qual retorno existe. Você desonera uma grande empresa, falando que ela vai garantir mais empregos, que vai melhorar a economia, mas não tem depois nenhum estudo que avalie se isso de fato aconteceu”, condena.

Ela lembra que a Dívida Ativa da União ultrapassa hoje R$ 1 trilhão. “Porque não investir na capacidade de fiscalização e cobrança dessas dívidas?”, questiona, acrescentando que outros R$ 500 bilhões anualmente se perdem na sonegação.

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Grazielle cita ainda manobras feitas por grandes empresas, com o objetivo de pagar menos impostos. “A gente fez um estudo com a Vale, no qual foi possível observar a série de planejamentos tributários que eles fazem. Vendem, por exemplo, minério a preço muito abaixo do valor de mercado para países que são paraísos fiscais. Lá eles revendem e redistribuem para outros países, já com preço de mercado. Quando o minério sai daqui com preços baixos, eles já estão pagando menos impostos.

Chega no paraíso fiscal, não vão pagar imposto também. E, como vendem de lá com valor normal, então ganharam de novo. São manobras que tentam ficar dentro da lei, mas que acabam por sonegar, porque deixam de pagar os impostos devidos”, explicou.

De acordo com ela, de certa forma, há certos estímulos à sonegação no Brasil. “Sou uma empresa, tenho que pagar Cofins, por exemplo, e não pago. Pego esse dinheiro e invisto [no mercado financeiro]. O dinheiro fica rendendo juros. Depois de um tempo, vou para a Dívida Ativa, espero vir o Refis [programa de refinanciamento fiscal], aí negocio a dívida para pagar um valor ainda mais baixo do que eu devia. Quer dizer, ganho duas vezes, com os juros e pagando menos imposto”, exemplifica.

Além disso, a certeza da impunidade é algo que não ajuda a coibir os crimes fiscais, afirma. “No Brasil, pela lei, se depois você paga o que deve, o crime tributário deixa de existir. Não existe punição. Em outros países não existe essa revogação. Se a pessoa fez, além de ter que pagar o valor, muitas vezes com correção, ela ainda pode ser punida penalmente. A certeza da impunidade, a coisa do Zé Malandro, é que reforça a sonegação”, ressalta, defendendo que é preciso fortalecer as instâncias governamentais de fiscalização, controle e cobrança.

“A gente fica falando que em 2015 fizemos um orçamento deficitário de R$ 30 bi. Mas espera aí! A gente tem uma sonegação de R$ 500 bi, mais uma desoneração tributária de mais R$ 500 bi, mais uma dívida ativa de quase R$ 1,5 trilhão. Será que a gente tem um orçamento negativo de fato como nação ou poucas pessoas estão, aí, ficando com nosso dinheiro, deixando de pagar o que devem, e a gente sofrendo as consequências, sofrendo um ajuste fiscal?”, indaga.

Que reformas queremos?

Atualmente funciona no Legislativo uma Comissão Especial da Reforma Tributária, tema que deve estar muito em pauta este ano. Contaminado pelas meias verdades difundidas pela Fiesp, o debate deve refletir o cabo de guerra entre os interesses de super-ricos e trabalhadores, observa Grazielle.

“Se existe intenção de fazer a reforma tributária andar? Existe interesse dos dois lados, inclusive”, opina. De acordo com ela, um grupo dentro da Câmara, que tem entre seus integrantes o presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB), tem a intenção de fazer uma reforma que promova redução da carga tributária. Enquanto isso, do outro lado, setores progressistas defendem a justiça fiscal.

“Há pressão dos dois lados para que a reforma tributária aconteça. Acho que esse é um ano em que se vai discutir muito isso. Agora, por qual desses dois caminhos nós vamos acabar trilhando é a grande incógnita. Nossa defesa é que seja o caminho de uma reforma tributária com justiça fiscal”, encerra.

Por que o poder econômico odeia a Previdência social? Eduardo Fagnani

Por que o poder econômico odeia a Previdência social?
JUNHO 16, 2015
Eduardo Fagnani | Publicado na Revista Brasileiros

Os dados da PNAD 20111 revelam que 82,1% dos idosos brasileiros estavam protegidos pela Previdência Social (a média dos países da América Latina gira em torno de 30% da sua população).
A Previdência é um dos pilares da cidadania social brasileira. Entre 2001 e 2012, o total de benefícios diretos do segmento urbano cresceu 48% (passando de 11,6 milhões para 17,2 milhões de beneficiários), enquanto na Previdência Rural o acréscimo foi de 38% (de 6,3 milhões para 8,7 milhões). Segundo a PNAD (Pesquisa por Amostra de Domicílio) de 2001, do IBGE, para cada beneficiário direto há 2,5 indiretos (membros da família). Em 2012, a Previdência Social beneficiou, direta e indiretamente, mais de 90 milhões de brasileiros.

A maior parte desses benefícios corresponde ao piso do salário mínimo. Em dezembro de 2012, 46% dos benefícios pagos aos segurados urbanos (7,9 milhões de beneficiários diretos) e a totalidade paga aos rurais (8,7 milhões) tinham valor equivalente ao piso. A expressiva política de valorização do salário mínimo elevou a renda desse contingente em mais de 70% acima da inflação.

Os dados da PNAD 20111 revelam que 82,1% dos idosos brasileiros estavam protegidos pela Previdência Social (a média dos países da América Latina gira em torno de 30% da sua população).

Estudos do IPEA mostram que, entre 2001 e 2011, a Previdência Social contribuiu com 17% para a queda da desigualdade medida pelo índice de GINI. No entanto, no subperíodo 2009-2011, pela primeira vez, os rendimentos da previdência apresentaram a maior contribuição (55%) para a queda da desigualdade, superior à contribuição do mercado de trabalho (IPEA, 2012).

Em 2009, sem as transferências monetárias da Previdência, o percentual de pobres (considerando renda domiciliar per capita inferior a meio salário mínimo) seria de 42,2%. Com as transferências previdenciárias, esse percentual cai para 29,7% (Musse, 2010).

Diversos estudos demonstram que as transferências monetárias da Previdência também produzem impactos positivos na redução do êxodo rural e na ativação da economia local, especialmente no caso das regiões mais pobres do País. Além disso, a experiência dos últimos dez anos demonstrou que a ampliação da renda das famílias foi peça importante para sustentar a demanda agregada e o mercado interno, base do crescimento econômico recente.

Esse fato derrubou diversos mitos sustentados por setores da ortodoxia econômica. Argumentava-se que a questão financeira da Previdência decorria exclusivamente do aumento explosivo das despesas. Havia uma única saída: novas reformas para suprimir direitos.

A realidade confirmou que, ao contrário, a questão financeira era agravada, sobretudo, pela retração das receitas em decorrência do baixo crescimento econômico e da crise do mercado de trabalho verificada entre 1990 e 2002.

Na década passada, o crescimento econômico voltou a ter espaço na agenda nacional. A forte recuperação do mercado de trabalho potencializou a arrecadação previdenciária e o segmento urbano voltou a ser superavitário, fato que não ocorria desde 1996. Isso aconteceu a despeito da expansão quantitativa dos benefícios, bem como da forte recuperação real de seus valores, decorrentes da agressiva política de valorização do salário mínimo. Ao contrário do que sentenciavam os terroristas do mercado, a recuperação real do salário mínimo não quebrou a Previdência. Ficou claro que o problema do financiamento refletia mais diretamente fatores exógenos (política econômica) do que fatores endógenos ao sistema (despesas com benefícios).

Em 2015, a adoção de uma estratégia ortodoxa de ajuste macroeconômico poderá conduzir o País para a recessão, com reflexos negativos sobre o mercado de trabalho. Esse cenário aponta para graves desequilíbrios financeiros nas contas da Previdência.
Essa passou a ser a senha para novas rodadas de reformas, para suprimir direitos. Hibernados por mais de uma década, os terroristas voltaram a apontar suas bazucas para o setor. A desonestidade intelectual leva-os a bater na velha tecla do suposto rombo financeiro. Para eles, a Previdência incorre em déficit sempre que suas receitas próprias (contribuições de empregados e de trabalhadores) são insuficientes para bancar os gastos com os segmentos urbano e rural.

Desconsideram o pacto social selado em 1988, pelo qual a sociedade brasileira decidiu incorporar um contingente enorme de trabalhadores rurais que começaram sua atividade na década de 1950, sem que tivessem tido direitos trabalhistas e sindicais. Para corrigir essa injustiça histórica, os constituintes de 1988 criaram novas fontes de financiamento (como a CSLL e a COFINS), por exemplo, que integram o Orçamento da Seguridade Social.

Os abutres não levam em conta esse fato. Nesse modelo, a Previdência também conta com receitas provenientes das demais fontes de financiamento que integram o Orçamento da Seguridade Social (Artigo 194). O mais recente estudo publicado pela ANFIP (2012) revela que o Orçamento foi superavitário em R$ 78 bilhões, a despeito da DRU (Desvinculação das Receitas da União) e das equivocadas desonerações fiscais, que afetam gravemente a sustentação financeira do setor.

A Previdência gasta cerca de 8% do PIB. A indecente elevação dos juros básicos da economia fará com que, em breve, as despesas com juros da dívida pública consumam mais de 7% do produto. A alta dos juros beneficia um seleto grupo de milionários, investidores, especuladores e rentistas. Por que os críticos não escrevem uma linha que seja sobre os juros? Desonestidade intelectual ou conflito de interesses?

*Professor do Instituto de Economia da Unicamp, pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho (Cesit/IE-Unicamp) e coordenador da rede Plataforma Política Social

Um ponto de partida para 2015 – José Graziano da Silva

Compartilho artigo publicado no Jornal Valor Econômico, de hoje, escrito por José Graziano da Silva. O texto trata da distribuição de renda, erradicação da fome e redução da miséria. O autor é diretor-geral da FAO/Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação e seu currículo pode ser encontrado ao final do texto. Entendo que o principal ponto do texto é a afirmação, exaustivamente repetida nos últimos anos, de que “o mundo produz alimentos suficientes para abastecer toda a humanidade. O elemento escasso é o acesso à distribuição equitativamente da oferta disponível”. Mesmo assim, 800 milhões de pessoas passam fome no mundo.

Paulo Martins

26/12/2014

Um ponto de partida para 2015

Por José Graziano da Silva
O lema da Revolução Francesa – Liberdade, Igualdade e Fraternidade – tem guiado sociedades mundo afora nos últimos dois séculos. Seus Continue lendo “Um ponto de partida para 2015 – José Graziano da Silva”

Inequality and the American Child

Inequality and the American Child
Joseph E. Stiglitz
NEW YORK – Children, it has long been recognized, are a special group. They do not choose their parents, let alone the broader conditions into which they are born. They do not have the same abilities as adults to protect or care for themselves. That is why the League of Nations approved the Geneva Declaration on the Rights of the Child in 1924, and why the international community adopted the Convention on the Rights of the Child in 1989.
Sadly, the United States is not living up to its obligations. In fact, it has not even ratified the Convention on the Rights of the Child. The US, with its cherished image as a land of opportunity, should be an inspiring example of just and enlightened treatment of children. Instead, it is a beacon of failure – one that contributes to global sluggishness on children’s rights in the international arena.
Though an average American childhood may not be the worst in the world, the disparity between the country’s wealth and the condition of its children is unparalleled. About 14.5% of the American population as a whole is poor, but 19.9% of children – some 15 million individuals – live in poverty. Among developed countries, only Romania has a higher rate of child poverty. The US rate is two-thirds higher than that in the United Kingdom, and up to four times the rate in the Nordic countries. For some groups, the situation is much worse: more than 38% of black children, and 30% of Hispanic children, are poor.
To continue reading, please go to: project-syndicate.org