Kit Gay: a mentira que nos envergonha como nação

Não existe e não existiu nenhum Kit Gay.

O candidato Bolsonaro, representante do fascismo, sabe disso. Os falsos pastores-políticos sabem disso. Mas Bolsonaro exibiu, no Jornal Nacional, um livro disponível em livrarias, no Brasil e no exterior, editado, lá fora e aqui, por editoras de renome internacional como se fosse o tal Kit Gay.

Bolsonaro, o candidato fascista,  mentiu ao dizer que este livro foi editado pelo Ministério da Educação e Cultura e que foi distribuído pelo MEC para as crianças do ensino fundamental em todo país.

Deixo aqui um vídeo de esclarecimento comprovando que se trata de fraude. O TSE ordenou a retirada do ar das propagandas eleitorais sobre esta fraude eleitoral. Deixo aqui como documento que registra talvez a maior fraude eleitoral da história das eleições no Brasil. Para que não esqueçam.

Preparado para o “Deep Fake”?

Do outraspalavras.net

A distopia antidemocrática pode ser ainda pior. Novíssimas tecnologias permitirão manipular atos e voz de qualquer pessoa, criando o “infocalpse” — incapacidade de conhecer a verdade factual. Como evitá-lo?

Por Natalia Viana, Carolina Zanatta, na Publica

Na tentativa de frear mais uma enxurrada de fake news – boatos fabricados para levar alguém a uma conclusão falsa sobre a realidade ou sobre um candidato – no segundo turno das eleições presidenciais, o TSE convidou representantes das campanhas de Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) para uma reunião sobre o tema.

Porém, segundo alerta o pesquisador e tecnólogo americano Aviv Ovadya, o problema das fake news são um passeio quando comparado com o que poderá ser feito com ajuda de tecnologias mais avançadas, como inteligência artificial.

Aviv, que é bolsista do Tow Center para Jornalismo Digital da renomada Universidade Columbia, se dedica a estudar processos de falseamento da realidade que podem levar as sociedades contemporâneas a um verdadeiro “Infocalipse”, termo cunhado por ele. São vídeos que manipulam a voz real de um político dizendo algo que ele jamais pronunciou; robôs que enviam milhares de emails para um político a fim de pressionar pela aprovação de uma lei, dando a impressão de que há apoio popular; algoritmos de aprendizado de inteligência artificial para criar vídeos em que a cabeça de qualquer pessoa é interposta sobre um corpo – pode ser a de um político inserida num filme pornô ou em uma manifestação de black blocs. Tudo isso com uma aparência realista que pode ser tomada como realidade por qualquer pessoa.

O resultado, diz Ovadya, é que não só a democracia está em jogo; a capacidade das pessoas de reagir a tantas mentiras bem-feitas também pode chegar a quase zero. Seria o efeito da “apatia” – os cidadãos deixariam apenas de tentar entender o que é real e o que é inventado.

Leia a entrevista.

Você acha que há diferença na percepção e no impacto das deep fakes em sociedades mais e menos digitalizadas?

Sociedades menos alfabetizadas [digitalmente] e aquelas com culturas com instituições midiáticas mais fracas provavelmente sofrerão mais impacto, já que vídeo e áudio manipulados não poderão ser neutralizados por outras formas de mídia.

Qual é o tamanho real da ameaça das fake news?

Eu acho que, quando estamos falamos de fake news, precisamos distinguir entre várias coisas diferentes. Uma delas é a habilidade de acusar de fake news qualquer um que diga algo de que você não gosta. Esse é um problema. Há, também, o problema de pessoas dizendo coisas falsas com a finalidade de impulsionar uma agenda específica ou de simplesmente ganhar muito dinheiro.

Você acha que elas foram decisivas nas eleições [de 2016] dos Estados Unidos?

É muito, muito difícil mensurar essas coisas. Você definitivamente pode dizer que houve uma redução na confiança em veículos de notícia que estavam verdadeiramente fazendo a cobertura [das eleições] como resultado de acusações de não estarem de fato cobrindo [os fatos]. Pesquisas mostraram que houve uma redução na confiança durante e especialmente após as eleições.

Se você estiver falando muito precisamente sobre fake news, como matérias explicitamente falsas, inteiramente falsas, que estejam circulando, isso é comparativamente menor. Mas, se você estiver falando da extensão de conteúdos extremamente enganosos, hiperpartidários, tanto da esquerda quanto da direita… Isso separou as pessoas mais ainda e polarizou todo o campo de uma maneira que desestabilizou todo o campo? Essas são as coisas das quais você pode falar. Havia histórias que talvez fossem baseadas em algumas coisas falsas, algumas coisas verdadeiras, ou algumas coisas fora de contexto, mas não houve nenhum estudo de grande escala sobre isso.

É a criação de realidades alternativas que são meio possíveis, mas não verdadeiramente reais, criando aquela impressão de realidade. Há provavelmente mais prevalência disso.

Há muitos pedidos para que se investiguem sites produtores de fake news, e muitos legisladores apresentaram projetos de lei que criam o crime para a produção de fake news. Qual sua opinião sobre isso?

Seria muito difícil criar até mesmo o aparato legal que faria isso sem encontrar alguns problemas. Provavelmente causaria mais dano do que bem. Acho que você pode, em vez disso, legislar sobre outras coisas. Por exemplo, se alguém estiver criando várias e várias contas falsas, talvez haja um jeito de dizer que isso é como criar identidades falsas.

Queria que você, por favor, explicasse qual seu conceito de Infocalipse.

A ideia geral é que você não consegue manter um governo funcional, uma sociedade ou uma civilização funcionais, se você não tiver informação boa o suficiente. Você pode pensar na ideia como se, à medida que a qualidade das informações num geral diminui, a inteligência de todos os membros da sociedade e de todas as diferentes organizações que a tornam funcional, no geral, diminui, e, se você vai muito fundo nisso, sua sociedade basicamente desmorona. Esse é o conceito geral, e a ideia é evitar isso.

Você acha que isso vai ser mais ameaçador quando houver tecnologias que possam, por exemplo, fazer um vídeo de pessoas, como presidentes, dizendo coisas que na realidade elas nunca disseram?

Acho que o ponto é realmente ficar de olho na fronteira, ou no ponto-limite, e há inúmeros modos por meio dos quais chegaríamos nele. Um deles é essa nova tecnologia de falsificação de áudio e de vídeo, que felizmente não é prevalente agora, mas é muito importante que estejamos preparados para ela.

Você acha que será prevalente?

Acho que a exata linha do tempo não é clara, mas, você sabe, para os próximos anos parece bem provável que vire um grande problema.

Você fala também sobre polity simulation (ou simulação de política). Pode explicar o que é isso?

Num nível mais alto, é criar a impressão de que muita gente se importa com algo com a finalidade de impulsionar uma agenda. A versão simplificada disso é a manipulação do que é tendência no Twitter e no Facebook. Você pode mudar as tendências criando vários bots ou simplesmente colocando várias pessoas para, de uma vez só, fazer uma coisa, e aí faz parecer que se trata de um tema muito importante, muito embora ninguém saiba ou se importe com aquilo. Se você tem vídeo ou áudio, você pode ter todas essas ligações falsas para políticos: “Ah, você precisa fazer essas mudanças nessa coisa para tal político”. Então há níveis diferentes de como você pode em termos de ser capaz de mudar o que as pessoas acreditam que todos se importam, formando meio que uma população.

Qual é a sua percepção da atual e da futura influência da polity simulation? Para você, isso tem o potencial de subverter a democracia em outro nível – não durante as eleições, mas no cotidiano, pressionando políticos durante seus mandatos ou forjando afrontas públicas sobre certas questões?

Exatamente. A simulação de política ou os “atores sintéticos” podem impactar continuamente a democracia – ambos pela influência nas prioridades e atenções políticas e pelo impacto no “tribunal da opinião pública”. Aconteceram significativas tentativas, tanto de atores domésticos quanto internacionais, de impactar os EUA através de contas não autenticadas, e a automatização delas é cada vez mais provável no decorrer do tempo.

Também há algumas pesquisas sobre tecnologias em desenvolvimento agora que, no futuro, poderão reproduzir a voz de um familiar para que possam ser usadas para aplicar golpes.

Até onde eu sei, isso ainda não foi criado, mas está bem próximo de ser. E é perigoso, é algo muito difícil de lidar agora.

Então, duas coisas: a primeira é, se isso virar uma tendência majoritária, você mencionou que pode haver algo chamado “apatia à realidade”. Você pode explicar melhor o que é isso?

Até certo ponto, nós já temos isso. Temos algo como essa apatia à realidade em ambientes em que há muito pouca confiança, e [em que], se você falar com alguém, eles ficam como que dizendo “eu nem sei o que é real, eu desisto, isso é muito complicado, vou assistir a algum programa na TV”. Acho que já vimos muito disso. E se você não pode acreditar no que você vê com seus olhos nem no que você lê, isso faz com que sua habilidade ou sua vontade de se importar simplesmente vá abaixo.

A minha aposta é que um dos problemas da confiança pública é que você já tem várias pessoas simplesmente desistindo. Eu vejo duas opções quando você vai muito longe: se você tem essa apatia à realidade, e há gráficos de realidade em que todo mundo está em seu próprio mundinho, meio que em uma bolha de filtragem, você vê qualquer coisa de outras “galeras” e as acha horríveis e não confia em nada que elas digam. É quase como se houvesse uma parede entre você e outros bullies, e acho que você acaba com um ou outro, porque é muito trabalhoso classificar todas as mentiras para encontrar alguma verdade.

Acho que, se você olhar para a história da humanidade, isso na verdade aconteceu em vários momentos, certo? Houve as guerras mundiais…

Exatamente, mas em zonas de conflito, especialmente em ambientes fracos e extremamente autoritários, isso não é um fenômeno novo. Mas é um fenômeno novo em uma democracia saudável. Então, ou você só acredita no que quer, ou você nem quer tentar descobrir em que acreditar, aí você não tem como ter democracia, porque você não pode votar, você não pode tomar uma decisão como governo.

Se de fato houver o que você chama de Infocalipse, em vez de uma completa apatia, não seria mais provável que as pessoas simplesmente desconfiassem de qualquer coisa proveniente das mídias sociais e se voltassem para outros meios de notícia, como TV ou rádio?

Primeiramente, me deixe esclarecer: a ideia do Infocalipse é de uma fronteira. A civilização e a democracia dependem de pessoas tomando decisões “boas o suficiente” – desde em quem votar e como se manter saudável até quando deve haver a necessidade de uma guerra. Essas decisões dependem do nosso conhecimento do mundo e da nossa habilidade de distinguir fato de ficção. À medida que nosso ecossistema de informação se deteriora, essas decisões também se deterioram, como se todo mundo estivesse embriagado. Dá para pensar no Infocalipse como estar tão bêbado que nem a democracia nem a civilização conseguem funcionar.

Em teoria, isso pode significar um retorno da população à TV e ao rádio tradicionais, mas na verdade esses meios estão competindo com as mídias sociais. Se o conteúdo das plataformas online for mais envolvente, mais surpreendente e mais emocional, as pessoas se voltarão para elas. Isso significa que as mídias tradicionais precisarão competir e, com isso, poderão piorar muito também. Além disso, muitas dessas fontes online falarão para você não confiar nos meios tradicionais, caso sejam de oposição. Por fim, nada disso ajuda se sua TV ou seu rádio também estejam sob controle dos atores da desinformação, como tem se tornado cada vez mais frequente em alguns países.

O que você acha que pode ser feito para prevenir esse mundo catastrófico em que as pessoas não acreditam que haja uma verdade e só acreditam no que seu próprio grupo diz?

Então, o mais importante é realmente encontrar formas de recompensar aqueles que o ajudam a decifrar o verdadeiro do falso, de recompensar basicamente – e aqui é onde acho que concordamos que as plataformas devem ajudar.

Elas não criaram, mas amplificaram esse mundo em que é mais provável que você receba atenção se o que você está dizendo é mais extremo, e nós precisamos nos direcionar a um mundo em que seja mais provável ser escutado se o que você está dizendo é bem pensado e coerente, e isso é algo muito difícil de fazer. Há inúmeros modos de impulsionar as coisas que recompensam em termos de interações nas plataformas, ou o que faz com que algumas coisas apareçam mais no feed em comparação a outras, mas também há coisas que podemos fazer fora delas, até mesmo para prevenir [que] a próxima onda de desinformação, essa de vídeo e áudio, fique muito ruim muito rápido.

Como o quê?

Algo válido é poder verificar se uma imagem realmente veio de um lugar em específico, se um vídeo realmente veio de tempo e lugar específicos. Há tecnologia que podemos usar para isso, mas se requer potencialmente criar muitas novas infraestruturas e basicamente modificar a maneira como telefones funcionam, adicionando potencialmente chips a telefones se você realmente quiser provar que [aquilo] é real. Há meios através dos quais podemos mudar o jeito ou melhorar a reflexão sobre a pesquisa em si, que é criando essa tecnologia para retardar os impactos negativos.

Você não acredita em regulação das empresas de tecnologia e redes sociais como Google, Facebook e Twitter? Se você olha para as outras indústrias, por exemplo, a automobilística, ela também está em todos os lugares do mundo e se tem regulações específicas em cada país, e há países em que carros podem poluir mais e outros em que podem poluir menos.

Acho que o desafio aqui é diferente. O desafio aqui é, se você faz muito, a democracia morre, e, se você faz pouco, a democracia morre. Se você quer regulamentar carros, a democracia continua bem. Com isso dito, acho que ainda precisamos de regulamentação. Eu só acho que é muito complicado acertar, e não houve propostas muito atraentes sobre desinformação e sua regulamentação que se equilibrem bem. Há coisas específicas que são muito válidas sobre transparência, é preciso haver regulamentação, mas elas não abordam diretamente a desinformação.

Você quer dizer transparência sobre algoritmos, número de usuários etc.?

Sim, ou até mesmo ter uma auditoria de terceiros ou algum mecanismo de auditoria, quando você tem uma organização de certo tamanho, para se certificar de que estão seguindo certas práticas.

Quais são as novas tecnologias de deep fake que poderão ser utilizadas nas eleições deste ano no Estados Unidos?

Essas tecnologias transpassam fronteiras e ainda não são fáceis de utilizar ou de serem transformadas em armas, por isso esperamos que não sejam implementadas a tempo para as eleições. Continue lendo “Preparado para o “Deep Fake”?”

Fake News: tão antigo quanto o “jornalismo profissional”

A indústria cultural – incluindo neste saco de gatos a mídia “profissional” – sempre foi ponta-de-lança da dominação hegemônica do centro em relação às periferias. Isto é muito velho. Assim, não há nenhuma novidade na série O Mecanismo, da Netflix. A novidade é a canalhice explícita, antes velada, do outro Padilha, autor, e dos atores mais diretamente envolvidos, que perderam o que restava de vergonha na cara e não disfarçam mais. Se fosse só meretrício ou, como eles gostam de apelidar a sua prostituição, “profissionalismo”, um topa tudo por dinheiro, já seria lamentável. Mas eles ultrapassaram todas as fronteiras éticas, mesmo as tênues fronteiras do capitalismo selvagem. Estão surfando na degradação moral e ainda confessam, como se este fosse o novo normal. Anormais somos nós que ainda ficamos perplexos com tanta canalhice explícita.

Paulo Martins

Das “armas de destruição de massa” no Iraque à “fuga de Lula para a Etiópia”, é a velha mídia quem fez desabar o antigo padrão do jornalismo. Como resgatá-lo?

 

Por Dennis de Oliveira*, na Cult

Compartilhado por Outras Palavras.

Ultimamente, tem-se falado muito da necessidade de se combater as chamadas fake news. O termo em si já traz uma contradição – já que o pressuposto de uma notícia é que ela seja verídica. De qualquer forma, como o termo pegou, o utilizaremos aqui sous rature, como diria Jacques Derrida.

O termo ganhou repercussão quando o atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, acusou um repórter da CNN de fabricar notícias contra ele e, por este motivo, recusou-se a responder perguntas do jornalista. Daí, o termo fake news ganhou repercussão e passou a ser mais uma justificativa para o fetiche da checagem e verificação do jornalismo hegemônico, constituído a partir da crise da atividade no início do século 21, conforme abordamos aqui. O próprio fenômeno detonador desta crise foi um caso de disseminação de notícias falsas – as “reportagens” de Jaison Blair, no New York Times, em 2001.

O jornalismo hegemônico encontrou na batalha contra as fake news uma forma de expressar a sua pretensa “superioridade” moral ante as mídias alternativas que cresceram com o advento da internet. Para isto, utilizaram duas ordens de argumentos: 1) que o jornalismo que praticam é “profissional” (e, portanto, o praticado pela mídia alternativa é “amador”) pois ele ocorre a partir de estruturas empresariais cristalizadas, com redações profissionalizadas e cujo objetivo não é fazer “ativismo político” mas sim “prestar um serviço ao seu público”; 2) que a internet, em especial as plataformas das redes sociais, possibilita uma equivalência de narrativas produzidas em condições diferentes, possibilitando então que qualquer pessoa (sem a qualificação necessária) possa repercutir informações, a tal “democratização dos imbecis” de que fala Umberto Eco.

Neste panorama, a radicalização política entra como um elemento que potencializa a disseminação das chamadas fake news, pois a esfera política entra no jogo do vale-tudo, o esclarecimento argumentativo se transfigurou para a sedução pela verossimilhança e, assim, qualquer um pode disseminar informação e causar impactos. O que se percebe aí é um incômodo com a perda do monopólio da novidade por parte do jornalista. Em 1922, Walter Lippmann afirmava em Public opinion a necessidade de se constituir uma classe de especialistas com o objetivo de construir atalhos cognitivos e produzir consensos, atuando como “timoneiros” da sociedade. Esta elite logotécnica dos meios de comunicação teve seu papel de timoneiro radicalmente reduzido. Por isto, o debate sobre as fake news revela muito mais incômodos de um determinado segmento da sociedade que uma preocupação real com os rumos da democracia e dos debates públicos.

Isso porque as fake news não são produto dessas novas mídias alternativas que se fortalecem com a internet. Como citamos, o caso mais famoso que detonou a crise na credibilidade no jornalismo foi no New York Times. Mas podemos citar outros exemplos:

1 – O caso da notícia da descoberta do “boimate”, a combinação do gene do boi com o do tomate. Esta notícia foi uma brincadeira de 1º de abril e foi comprada pelo então repórter de Ciência da revista Veja, Eurípedes Alcantara. E, pasmem, este mesmo jornalista viria depois a assumir o comando da revista

2 – O caso da ficha do Deops da então candidata à presidenta da República, Dilma Rousseff, publicada pelo jornal Folha de S.Paulo. A origem da matéria foi uma cópia de uma pretensa ficha no órgão de repressão da ex-presidenta e o jornal publicou reportagens sobre a participação dela na guerrilha urbana contra a ditadura militar. A tônica era se a presidenta atuou na luta armada ou não. Depois de muitos desmentidos, ficou comprovada que a ficha era falsa. O jornal , entretanto, fez uma correção envergonhada ao dizer que a ficha de Dilma “não podia ter sua autenticidade comprovada” – eufemismo para dizer que ela não era verdadeira.

3- Mais recentemente, após o julgamento do ex-presidente Lula na segunda instância em Porto Alegre, em janeiro deste ano, o jornalista Augusto Nunes divulgou que Lula iria fugir para a Etiópia para evitar ser preso. De fato, o ex-presidente tinha uma viagem marcada para o país do continente africano para participar, como palestrante, em uma reunião da FAO (Organização das Nações Unidas Para o Combate à Fome). Nas redes sociais, espalharam-se boatos de que a reunião não aconteceria e que Lula iria fugir, razão pela qual inclusive um juiz de primeira instância decidiu proibir a viagem. Depois da comprovação da própria agência das Nações Unidas de que de fato Lula estava programado para este evento, ficou evidenciado que a tal fuga não existia. Mas Augusto Nunes, apresentador do Roda Viva e colunista da revista Veja, comprou esta versão.

4 – Em 14 de maio de 2016, o Portal Estadão noticiou o relatório de Rita Izhák, enviada especial do escritório da ONU para o direito de minorias, que esteve no Brasil para avaliar o impacto das ações afirmativas no país. A manchete foi: “Políticas de Igualdade fracassaram no Brasil, diz ONU”. E o tom da matéria foi por aí. Lendo o relatório atentamente, percebe-se que houve um erro de tradução e de compreensão do inglês do repórter. A enviada da ONU afirmou que as políticas de igualdade racial são insuficientes e não que fracassaram. Pelo contrário, em diversas partes do relatório, a enviada especial considerava o Brasil como uma referência no continente latino-americano na aplicação de políticas de ação afirmativa.

Podemos contabilizar ainda nestes erros de informação os descuidos na apuração de fatos que envolvam os bairros e a população da periferia (como, por exemplo, bairros periféricos que são pintados como violentos e não o são), entre outros. Os proprietários das empresas do jornalismo hegemônico vão dizer que se tratam de erros e que “erros acontecem”, mas percebam que muito dos exemplos tem nítidas conotações ideológicas: o que significa dizer que Dilma foi uma “terrorista”, que Lula vai “fugir” e que as políticas de ação afirmativa que beneficiam negras e negros e que foram implantados nos governos Lula/Dilma?

Isto aponta que o fato de ser um jornalismo praticado por empresas comerciais não significa a sua “isenção” no jogo ideológico. Esta distinção entre um “jornalismo profissional” (voltado a prestar um serviço ao seu público) e um “jornalismo militante” (voltado apenas a defender uma causa) não existe. A própria crise das empresas de mídia as força para defender com maior força os seus interesses empresariais o que as faz ter um ativismo mais intenso no jogo político. E, mais ainda, não podemos esquecer que cresce a participação de setores empresariais na composição dos capitais das empresas midiáticas, em particular os fundos de investimentos. Enfim, a condição de empresário significa uma tomada de posição no jogo político.

Daí então que é um erro creditar a intolerância política como produto das narrativas contra-hegemônicas. Primeiro que é risível considerar que é possível uma situação de harmonia e bom senso em um país em que 1% concentra um patrimônio equivalente a metade da população. Harmonia em uma situação dessas só existe quando há opressão das vozes dos que estão na subalternidade. É a tal da “paz sem voz, não é paz é medo”. Segundo, que a intolerância veio justamente dos segmentos hegemônicos (e a mídia como disseminadora deles) quando pequenas partes dos privilégios históricos foram sendo questionados. A matéria das ações afirmativas do Portal Estadão (e que foi replicada por outros portais, como UOL, G1, Terra, etc) é um exemplo cabal disso. E também a amplificação do boato de que Lula estava fugindo por parte de Augusto Nunes.

Assim, o que separa o joio do trigo não é “jornalismo profissional” e “jornalismo ativista”, mas jornalismo de qualidade – que pode ser praticado em qualquer plataforma e em veículos que tenham qualquer finalidade (comercial, ativista, representação etc). Pois caso a relação privada fornecedor/cliente fosse a que mais garantisse qualidade, a educação superior pública não seria de melhor qualidade que a privada. E nem tampouco o setor de telefonia móvel lideraria o ranking de reclamações dos usuários.


  • Professor do curso de Jornalismo da ECA-USP e do Programa de Pós Graduação em Integração da América Latina (Prolam). Também é professor do Programa de Pós Graduação em Mudança Social e Participação Política da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.