Não, ainda não secavam as bandeiras,
ainda não dormiam os soldados
quando a liberdade mudou de roupa,
transformou-se em fazendas:
das terras recém-semeadas saiu uma casta,
uma quadrilha de novos-ricos com escudo,
com polícia e com prisões.
Traçaram uma linha negra:
“Aqui somos nós,
porfiristas do México, caballeros do Chile,
pitucos do Jockey Club de Buenos Aires,
engomados flibusteiros do Uruguai,
adamados equatorianos,
clericais señoritos de todas as partes”.
“Lá, vocês, rotos, mamelucos,
pelados do México, gaúchos,
amontoados em pocilgas, desamparados,
esfarrapados, piolhentos, vagabundos, ralé,
desbaratados, miseráveis, sujos, preguiçosos, povo.”
Tudo se construiu sobre a linha.
O arcebispo batizou este muro
e instituiu anátemas incendiários
para o rebelde que ignorasse
a parede da casta.
Queimaram pela mão do verdugo
os livros de Bilbao.
A polícia
guardou a muralha, e no faminto
que se aproximou dos mármores sagrados
bateram com um pau na cabeça
ou o espetaram num cepo agrícola
ou a pontapés o nomearam soldado.
Sentiram-se tranqüilos e seguros.
O povo continuou nas ruas e campinas
a viver amontoado, sem janelas,
sem chão, sem camisa,
sem escola, sem pão.
Anda pela nossa América um fantasma
nutrido de detritos, analfabeto, errante,
igual em nossas latitudes,
saindo dos cárceres lamacentos,
arrabaldeiro e fugitivo, marcado
pelo temível compatriota cheio
de roupas, ordens e gravata-borboleta.
No México produziram pulque
para ele, no Chile
vinho terebinteno de cor violeta,
o envenenaram, rasparam-lhe
a alma pedacinho por pedacinho,
negaram-lhe o livro e a luz,
até que foi tombando no pó,
metido no desvão tuberculoso,
e então não teve enterro litúrgico: sua cerimônia
foi metê-lo nu
entre outras carniças sem nome.
Republicou isso em diálogos essenciais.
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