O princípio da presunção de inocência, por Pablo Ángel Colantuono

Publicado em Carta Capital

As democracias se fortalecem na diversidade, quanto mais vozes se escutam, maiores níveis de democracia se constroem. Participar, discutir, construir, articular, são palavras próprias das democracias.

Certo é que tudo pode ser matéria de opinião cidadã, porém estamos obrigados a refletir ante a existência de posições que pretendem vulnerar as regras básicas de nossos sistemas democráticos: os direitos e garantias individuais, coletivos e sociais. Este é o limite, aquele que não podemos cruzar porque nossa América Latina já conheceu de forma dolorosa as escuras noites de nossas democracias.

A presunção de inocência cidadã é um valor fundamental de nossas democracias, mesmo quando possa nos parecer antipática em algumas suposições. Assim são os direitos e garantias humanas, já que cumprem uma função de controle do debate social, dos acordos ocasionais e expressões de maiorias e minorias, em síntese, do poder.

Nem tudo é disponível em matéria de jogo democrático. Sustentar que se pode executar uma sentença judicial de condenação à prisão sem antes finalizar as distintas instâncias ordinárias e extraordinárias de recursos é, pra citar um exemplo singelo, uma ofensa direta ao princípio de inocência e, tecnicamente, uma transgressão a diversos compromissos assumidos internacionalmente, especialmente por meio do Pacto de São José de Costa Rica.

Também atinge o principio da presunção de inocência postular como ilegítimo o ato de nomeação do ex-presidente Lula a um cargo de Ministro do Estado, sob o pretexto de que seria uma espécie de desvio de poder. Nada mais distante da técnica jurídica.

Todo Chefe de Estado tem plena liberdade, e competência, para designar seus funcionários, requerendo-se tão somente que estes cumpram com requisitos formais exigidos pelas Constituições – idade, residência, não estar inabilitado para exercer cargos públicos por julgamentos definitivos, entre outros.

A nomeação de ministros por parte dos Chefes de Estado é um ato de alta política institucional que pode ser debatida no terreno político-partidário e da opinião pública. Via de regra, não se trata de decisão que tecnicamente possa ser objeto de controle judicial.

O que significa o questionamento da nomeação de Lula, então? Cremos que, na realidade, o que se pretende é romper com a presunção de inocência, tratando de adiantar tempos judiciais. Pretende-se gerar assim uma consciência coletiva errada, destinada ao enfraquecimento das garantias cidadãs que são a proteção fundamental a nossos direitos humanos.

É grave inabilitar para um cargo uma pessoa por mecanismos inconstitucionais, independentemente de qual seja nossa valoração dessa pessoa e dos fatos que a rodeiam em um momento determinado. A violação ao princípio da presunção de inocência reduz a qualidade de nossas democracias, projetando seus efeitos sobre toda nossa institucionalidade.

Devemos reordenar o debate público de ideias a partir da vigência de toda a ordem constitucional. A despeito de quais possam ser nossas próprias ideias políticas. Devemos ser generosos, pensando em maior qualidade de vida institucional desde o agora até o amanhã. Por nós, por eles, pelos sem vozes…

  • Pablo Ángel Gutiérrez Colantuono é Diretor da Especialização em Direito Administrativo da Universidade de Comahue, na Argentina, e advogado.

** Tradução de Carolina Ressureição.

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