Winners, losers e a cultura da competição e do ódio (revisado 21.05.2017)

Texto de um amigo no Facebook:

“COLUMBINE, VIRGINIA TECH, PULSE
Considerações sobre “Tiros em Columbine”, de Michael Moore
1. O documentário do MM queria responder à pergunta: por que há tantos assassinatos a tiro nos EUA.
2. Ele partia da hipótese mais disponível: porque há muitas armas em posse dos cidadãos.
3. Lá pela metade do documentário ele já desconstrói a hipótese ao reconhecer que no Canadá há mais armas por cidadão e muito menos assassinatos.
4. Acabou deixando sem a resposta a pergunta que guiou a sua narrativa.
5. Por está tão envolvo por sua própria cultura, ele não foi capaz de “ouvir” a resposta, que lhe foi dada nas cenas finais.
6. Um adolescente, colega dos dois atiradores de Columbine, disse que os dois já eram “losers”.
7. Muitos por aquelas plagas não acreditam numa segunda chance.
8. Eles já eram mortos vivos.
9. Quiseram “apenas” pôr alguma emoção no ritual de passagem….
10. Isto dá bem a medida do lado reverso do liberalismo à outrance que impera por lá.”

Alguns comentaram que se trata de “loucura incompreensível do nosso tempo” e outros se manifestaram em diferentes formas.

Apresento, aqui, minha interpretação:

Não se trata somente de loucura incompreensível do nosso tempo, nem somente da possibilidade da posse de armas com alta letalidade. Morei nos Estados Unidos por 4 anos, nos anos 70, e o problema e as discussões – as mesmas de hoje – já estavam lá.

Naquela época, minha avaliação era muito parecida com a avaliação do amigo de Facebook. Saltava aos olhos de todos que vinham de fora uma sociedade dividida entre Vencedores de um lado – minoria- e os Perdedores do jogo econômico e social, do outro.

Naquela ocasião, os inimigos comuns eram os iranianos – em função do sequestro dos norte-americanos da embaixada – e todos os demais estrangeiros com aparência árabe. A histeria coletiva deu na eleição de Reagan.

Sei que é uma análise superficial, mas vejo paralelos entre as situações, tendo como pano de fundo a divisão da sociedade norte-americana entre os extremamente bem sucedidos (top 1%) e o “restolho”.

A ideologia que só enxerga defeito nas pessoas (os “perdedores”), enquanto endeusa o sistema neoliberal, o deus-mercado e os vencedores do jogo. Reações tímidas surgem aqui e ali, como Occupy Walll Street, Berney Sanders, alguns filmes como Tiros em Columbine e textos de intelectuais influentes como Noam Chomsky, David Harvey, Joseph Stiglitz, mas é pouco.

O mesmo caldo de cultura que gerou Reagan, está gerando Trump. Ridicularizados a princípio, realidades desagradáveis depois.

Não é sem motivo que o discurso de Trump é o de que ele é um empresário vencedor e que vai tornar a América “Great again”. Trata-se de discurso similar ao de Reagan, que utilizou o sequestro dos diplomatas norte-americanos no Irã para criticar a política externa  de Carter e convencer os eleitores que os EUA estavam fracos e necessitavam dar uma demonstração de força para voltarem a ser respeitados no mundo.

Como sempre, a poderosa organização lobista NRA – National Rifle Association, contrária ao controle na venda e no porte de armas, apoiou Reagan e, certamente, apoiará Trump.

Os ingredientes estão todos presentes na cultura americana: A xenofobia, a cultura neoliberal competitiva e impiedosa, o massacre do perdedor, a crescente desigualdade de riqueza e renda, a falta de empregos estáveis e motivadores, o achatamento salarial e a volta dos preconceitos contra os cidadãos.

A cultura da competitição, do individualismo e o preconceito rebrota com força das cinzas da crise do subprime; embora nunca tenha morrido, estava escondida e agora começa a ganhar novo protagonismo. Trump é sua síntese. Massacres e assassinatos em massa, consequência.

Traduzo texto que reflete a visão predominante na sociedade norte-americana:

“Competition is everywhere. Being the best, staying on top, is peak on the mind of every determined individual. It doesn’t matter whether you have the resources to reach there or not in fact, it’s about being an achiever that matters. But in the process, our focus gets altered and we stray, doing the wrong thing at the right time. At the end of the journey, you either become a winner or a loser. To reach your destination safely, knowing the differences will help you achieve your goal without qualms”.

“Competitição está em todos os lugares. Ser o melhor, estar no topo, está na cabeça de todos os indivíduos determinados. Não importa se você tem ou não recursos para atingir seu objetivo; é sobre ser um vitorioso o que interessa. Mas no processo, nosso foco é alterado e nós nos dispersamos, fazendo a coisa errada na hora certa. No fim da jornada, ou você se torna um vencedor ou um perdedor. Para atingir o seu objetivo com certeza, saber as diferenças vai ajudá-lo”.

O Brasil, o país de uma “elite” submissa e deglutidora de cultura alheia, o país cujo principal traço cultural de sua “elite” conservadora é a cópia dos piores elementos da cultura de sua matriz de referência, os EUA, vai pelo mesmo caminho ao pretender flexibilizar a lei da compra  e posse de armas e adotar políticas neoliberais.

Se já vivemos no Brasil em virtual guerra civil, matando mais de 50.000 pessoas por ano, imagine se houver um acirramento do já lamentável clima de competição individualista e aumento na facilidade na compra e posse de armas.

3 comentários em “Winners, losers e a cultura da competição e do ódio (revisado 21.05.2017)

  1. Quem se deixa levar por essa mentalidade com certeza se importa muito com aprovação social, reputação. Falta sabedoria nesse povo aí. Se as pessoas se desligassem dessa mentalidade, com certeza o mundo mudaria, seria uma revolução total, por isso o sistema teme que pessoas se desliguem dessa mentalidade, por isso caras como unabomber e john nash foram tão perseguidos nos eua. Por isso existe psiquiatria, pra perseguir não apenas caras fracassados, mas caras que combatem o sistema vigente.

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