Tenho deixado clara, em diversas postagens, minha preocupação com o desrespeito a direitos e garantias fundamentais básicos previstos no Código Penal e, principalmente, na Constituição Federal.
Observo, acompanhando o dia-a-dia do Congresso Nacional, as redes sociais e, mesmo, nas ruas, que muitos perderam a noção da fronteira entre o direito à livre expressão da opinião por um lado e a incitação à prática de crimes de racismo e estupro, demonstrações explícitas de homofobia e cometimento de crime de injúria, calúnia e difamação, por outro lado.
Antigamente lavava-se a ofensa à honra com sangue do ofensor, em duelos com paridade de armas e regras definidas. Naquele tempo o ofensor podia pagar pela ofensa com a própria vida. Ofender era muito grave.
Tratava-se de costume bárbaro, abolido pelos avanços civilizatórios que vieram para proteger o ofendido e que representaram uma espécie de pacto. Sou de um tempo em que o respeito à honra e à dignidade de cada pessoa eram um valor a ser preservado por todos.
Não sei a partir de que ponto a ofensa, as ilações, as aleivosias e o incitamento ao ódio e a crimes passaram a ser aceitos sem espanto e reação.
Leonardo Sakamoto em artigo publicado em seu blog, compartilhado abaixo, mostra otimismo com a decisão tomada pelo STF ao aceitar denúncia contra o deputado federal Jair Bolsonaro pela incitação ao crime de estupro. Segundo Sakamoto, trata-se de decisão emblemática, que deixou aterrorizados os usuários de redes sociais seguidores de Bolsonaro.
Infelizmente não vejo motivos para o otimismo do Sakamoto. A força de Bolsonaro, político semeador de ódio e cultuador de torturadores, deriva da falta de equilíbrio dele e de grande parte de seus seguidores. É difícil imaginar que quem está acostumado a aterrorizar fique, repentinamente, aterrorizado por uma decisão preliminar do Supremo. As reações dos seguidores de Bolsonaro nas redes sociais foram tão desequilibradas quanto era de se esperar. Como esperar equilíbrio e bom senso?
De onde menos se espera, daí mesmo que não vem nada.
Paulo Martins
Leia, abaixo, o artigo do Leonardo Sakamoto.
Muita gente não se deu conta do impacto da decisão do Supremo Tribunal Federal que aceitou, nesta terça (21), denúncia de incitação ao crime de estupro e transformou o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) em réu em uma ação penal. Bolsonaro havia declarado, no Congresso Nacional, que não estupraria a deputada Maria do Rosário porque ela “não merece”, repetindo o conteúdo em uma entrevista.
Segundo os ministros que avaliaram a denúncia, apresentada pela Procuradoria Geral da República, Bolsonaro não estava respaldado por imunidade parlamentar porque o ocorrido não teve relação com o exercício de seu mandato. Segundo o relator Luiz Fux, a mensagem que ele proferiu significa que há mulheres em posição de merecimento de estupro. “A violência sexual é um processo consciente de intimidação pelo qual as mulheres são mantidas em estado de medo.”
Independentemente do desfecho do caso, essa decisão é emblemática. Os ministros do STF deixaram claro que ninguém pode usar sua liberdade de expressão para atacar os direitos fundamentais de outros grupos e pessoas. Isso é óbvio, mas vinha sendo ignorado de forma sistemática neste clima de polarização política que vivemos.
Bolsonaro é considerado um exemplo por muita gente – incluindo parte significativa da elite brasileira que o prefere como presidente da República em comparação a outros candidatos de acordo com pesquisas eleitorais. E o seu comportamento – de rolo compressor verbal sobre a dignidade de minorias em direitos – tem certamente inspirado muitas pessoas a fazerem o mesmo com a certeza de que nada aconteceria com eles. Até porque nada acontecia com seu líder.
Agora, aterrorizados, muitos de seus seguidores passaram o dia protestando contra a decisão do STF nas redes sociais. Afinal de contas, se “bolsomito” não é imortal, imbatível e invulnerável, podendo ser punido pela Justiça caso incite violência sem se preocupar com as consequências, o exército digital que o segue (e consegue ser mais violento que seu líder) também pode.
A decisão do Supremo, portanto, é civilizatória. Não apenas para Bolsonaro, mas para aquilo que encaramos no espelho diariamente.
(A íntegra do texto sobre liberdade de expressão e sua relação com outros direitos está no post do blog. Leia antes de xingar.)