E você acha que é livre para pensar e agir …
Quando fui morar nos EUA em 1979 – e fiquei lá por 4 anos – tive contato com os principais aspectos da cultura daquele país. Sendo um forasteiro, foi muito mais fácil para mim dar dois passos para trás e observar aquela sociedade de competição desenfreada, de todos contra todos.
Tendo terminado minha graduação em Economia em 1974 e realizado estudos de pós-graduação latu sensu em 1978, estavam muito vivas em meu pensamento as discussões sobre as opções que nós, os países em desenvolvimento, e o Brasil, em particular, teríamos para acelerar o nosso desenvolvimento e tirar nosso país do seu atraso.
Estudávamos, mesmo com as limitações impostas pela ditadura de 1964, as opções que estavam disponíveis para o Brasil. Discutíamos. Muito.
Minha maior surpresa, ao chegar aos Estados Unidos e, especialmente ao entrar na universidade para cursar o mestrado Comércio Internacional, foi observar que não havia qualquer discussão sobre vantagens e desvantagens dos modelos de desenvolvimento disponíveis. Estava tudo dominado. Não é que houvesse consenso conscientemente trabalhado. Na verdade, não havia qualquer dúvida. Era tudo censurado. Era proibido discutir. Estavam mais preocupados em “vender” a receita para outros países do que discutir suas próprias mazelas e enxaquecas sociais.
Em uma aula do mestrado o professor nos solicitou leitura de um livro intitulado, se a minha memória não estiver falhando, “American Social Patterns” – “Padrões Sociais Americanos” – que se referia aos traços culturais mais evidentes dos Estados Unidos. Eram listados e discutidos uns dez traços, tentando-se separar traços característicos comprovados de esteriótipos e preconceitos.
Durante a discussão o professor solicitava que nós mencionássemos um traço cultural, explicássemos do que se tratava e apresentássemos exemplos. Fui o único que puxava o cordão. E recebia críticas e contestações de quase toda a turma de alunos. Felizmente a turma era pequena. Eles, os norte-americanos, simplesmente não se enxergavam naquelas descrições. Vejam, não eram opiniões minhas, pura e simplesmente. Eram estudos fundamentados de um livro acadêmico, escrito por um autor norte-americano estudioso de sua sociedade e cultura.
Hoje, nos Estados Unidos, está tudo dominado. Foi implantado o pensamento único. Com a crise do sub-prime que está afetando a economia dos Estados Unidos e de todo o mundo desde 2008, começamos a ouvir vozes que apresentam alternativas para curar as feridas da economia e da sociedade norte-americana, muito embora representem, em sua maioria, simples pintura de parede, troca de móveis e colocação de pastilhas na fachada do capitalismo neoliberal, sem mexer nas estruturas do edifício.
No Brasil, copiadores tardios de tudo que dá errado nos Estados Unidos, estamos tentando inocular a bactéria do neoliberalismo no nosso DNA. Não bastam os exemplos dos Estados Unidos e da Europa, enredados na maior crise do capitalismo desde 1929. Queremos copiar.
Assista ao vídeo, com legenda em português. O narrador está fazendo um relato sobre a realidade atual da sociedade norte-americana. Parece que está falando do Brasil. As reações de alguns que negam essa realidade lembram a reação dos meus colegas de turma do mestrado que não se enxergavam nos relatos do livro que estávamos estudando. Achavam que o livro falava de outro país.
A realidade social não é transparente, prontamente visível aos olhos nus. Para enxergar esta realidade é necessário usar óculos críticos e dar dois passos para trás. Aí, só não enxerga quem não quer.
Se, depois de enxergar a dura realidade, você quiser permanecer como mera peça descartável na imensa e poderosa máquina de moer vidas, a escolha é sua. Siga em frente. Estou fora.
Paulo Martins