No prefácio à edição brasileira, datado de fevereiro de 2016, do livro A Nova Razão do Mundo – Ensaio Sobre a Sociedade Neoliberal, de Pierre Dardot e Christian Laval, editado pela Boitempo, os autores informam que seu livro foi escrito “no período da gestação da crise financeira mundial de 2008 e foi publicado no momento em que se podia constatar a amplidão dos estragos causados pelo neoliberalismo”.
Os pontos principais registrados pelos autores foram:
– O neoliberalismo tem história e coerência. Para combatê-lo não bastam denúncias e slogans. São necessários conhecimento, análise lúcida e crítica. Nas palavras dos autores: “eficácia política pressupõe uma análise precisa, documentada, circunstanciada e atualizada da situação”.
– A crise não fez o neoliberalismo desaparecer. Ao contrário, ficou demonstrado que apesar dos desastres que engendra, o neoliberalismo tem capacidade de recuperação. Na verdade, a crise fez surgir um sistema ainda mais perverso que asfixia as sociedades.
– Contrário ao que ocorreu nos anos 1930, quando a crise trouxe uma revisão das doutrinas e das políticas do “laissez-faire”, na atual crise não há espaço para soluções no âmbito do próprio sistema, dado o “caráter sistêmico do dispositivo neoliberal”.
– A recuperação da economia global pós-crise de 2008 é provisória e está sendo conseguida com um remédio extremamente perigoso: inundação de moeda especulativa emitida pelos bancos centrais.
– Há um acúmulo de problemas não resolvidos, reforço nas tendências no aumento da desigualdade e dos desequilíbrios especulativos.
– Do ponto de vista político o neoliberalismo traz uma ideia antidemocrática: o direito privado isento de qualquer discussão e controle, mesmo em situações de sufrágio universal, ou seja, há uma desativação do jogo verdadeiramente democrático e da política, representando a “entrada em uma era pós-democrática”.
– “Oligarquias burocráticas e políticas, multinacionais, atores financeiros e grandes organismos econômicos internacionais” assumem “poderes que exercem certa função política em escala mundial”.
– Estes fatores sociológicos e políticos complementados pelas dificuldades de mobilização tornam a ação coletiva para enfrentar o neoliberalismo muito difícil.
– O neoliberalismo provocou mutações subjetivas. É visível o aumento do egoísmo na sociedade, que mina a solidariedade e a cidadania. A competição pela sobrevivência das empresas e pessoas, o desemprego e a precarização do trabalho tornam as pessoas vulneráveis. A abstenção eleitoral, a dessindicalização, o racismo e a xenofobia desunem e tornam a luta ainda mais difícil.
– A esquerda precisa curar-se da sua “pane de imaginação”. Existem hoje movimentos e lutas que vão de encontro “à racionalidade neoliberal”. O “princípio do comum” que emana desses movimentos e lutas faz prevalecer o uso comum em detrimento da propriedade privada exclusiva.
– Seja como for, o nascimento de outra razão do mundo exigirá muito trabalho. Será necessário “desenvolver uma capacidade coletiva que ponha a imaginação para trabalhar” a partir das experiências e lutas do presente.
Na introdução à edição inglesa (2014), bem mais detalhada que o prefácio à edição brasileira, reforça a tese do livro de que o neoliberalismo não é simplesmente o retorno ao liberalismo original ou sua restauração. Nas palavras dos autores: “não se trata aqui de procurar restabelecer uma simples continuidade entre liberalismo e neoliberalismo, como se costuma fazer, mas sublinhar o que constitui propriamente a novidade do neoliberalismo”.
“O neoliberalismo, portanto, não é o herdeiro natural do primeiro liberalismo, assim como não é seu extravio nem sua traição. Não retoma a questão dos limites do governo do ponto em que ficou. O neoliberalismo não se perguntou mais sobre que tipo de limite dar ao governo político, ao mercado (Adam Smith), aos direitos (John Locke) ou o cálculo da utilidade (Jeremy Bentham), mas, sim, sobre como fazer do mercado tanto o princípio do governo dos homens como o governo de si (Parte I). Considerado uma racionalidade governamental, e não uma doutrina mais ou menos heteróclita, o neoliberalismo é precisamente o desenvolvimento da lógica do mercado como lógica normativa generalizada, desde o Estado até o mais íntimo da subjetividade (Parte II)”.
Assim, a novidade do neoliberalismo é fazer o mercado como o princípio que governa os governos e a vida das pessoas.
A vida humana e dos demais elementos da natureza que a cercam e lhe dão a necessária sustentação, coisificadas, ou melhor, mercantilizadas, tornam-se mera questão de compra e venda de força de trabalho, de matéria prima e de bens de comércio.
Meras máquinas, há que extrair de cada ser humano níveis crescentes de produtividade e descartar cada um como bem inservível tão logo possa ser substituído por outra “máquina” mais nova e mais barata.
Meros números, componentes de um cálculo econômico perverso em que, por um lado, ao alienar sua força de trabalho, recebe cada vez menos em empregos cada vez mais escassos e inseguros e, por outro lado, como consumidor de produtos e serviços para suas necessidades básicas é, cada vez mais, imprensado por oligopólios e monopólios poderosos e abandonados pelo Estado gerencial mínimo neoliberal.
Paulo Martins