Contra a epidemia de senso comum que toma conta do Brasil insisto em compartilhar informação. Toneladas de informação. Mais técnicas, em alguns casos. Mais simplificadas, em outros, mas nunca sem deixá-los cair no autoengano, no senso comum incorreto.
Nestes tempos de relacionamentos por redes sociais e de interação compulsória em que todos opinam sobre tudo, com absoluta certeza, mesmo sem terem a mínima noção da complexidade dos assuntos nos quais se metem, achando que bastam dedos, telas e teclados, insisto em publicar informações que considero essenciais para ajudar aos leitores interessados formarem opinião bem fundamentada sobre os assuntos.
Somente a informação honesta, para além do senso comum raso, destrói preconceitos, desmonta ” verdades forjadas”e torna explícitos os jogos de interesses e poder que permeiam as relações humanas desde sempre.
Nem sempre concordo com tudo que está exposto nos artigos e trabalhos que compartilho. Admito que os diagnósticos e remédios apresentados em vários dos artigos e trabalhos compartilhados podem, eventualmente, mostrar contradições entre si, em alguns pontos. Na minha opinião isto é saudável e enriquecedor pois fomenta o debate, que é o melhor caminho para o aperfeiçoamento das políticas públicas e melhoria nas condições de vida de todos, o objetivo maior.
Sectarismos e imposições de decisões polêmicas goela abaixo da sociedade, baseadas em diagnósticos apressados, não são o melhor caminho para se encontrar as respostas que atendam as necessidades de 205 milhões de brasileiros.
Qualquer governo sem voto, como é o caso do governo Temer, deveria ser ainda mais humilde e aberto para a sociedade.
Dobrar a aposta em cima de fórmulas já experimentadas e fracassadas no Brasil e no exterior é como realizar experiências em laboratórios de alquimia, com resultados que serão desastrosos para as parcelas da sociedade que não estão confortavelmente acomodadas no topo da pirâmide econômica e social.
Para quem tem excesso de tudo, perder uma parte no cassino legislativo (que vota com assombrosa irresponsabilidade políticas econômicas desastrosas) não faria falta. Lamentavelmente, quem tem excesso de tudo tem o faro afiado e muita sorte no jogo: nunca jogam para perder. Nunca perdem.
Leia, a seguir, o artigo de Antônio Correa de Lacerda. Tomei a liberdade de redistribuir /criar parágrafos para facilitar a leitura. O texto procura tratar os assuntos técnicos em linguagem acessível a todos. Creia, tem muita teoria e experiência prática da profissão de economistas por trás de cada parágrafo de diagnóstico e de cada remédio recomendado. Como todos os remédios, há efeitos colaterais. Mas, nem por um minuto tenham dúvidas que,
são melhores os efeitos colaterais dos remédios democraticamente discutidos do que os remédios amargos, purgantes e venenos ministrados goela abaixo por médico-banqueiro cuja especialidade é extrair recursos da sociedade para enriquecimento do seu empregador.
De que vale um estado saudável e uma população espoliada e miserável?
Paulo Martins
PEC 241, autoengano e a economia do lar
Recriar condições para o Brasil voltar a crescer é a prioridade e isso não vai acontecer automaticamente
Publicado no jornal Estadão
*Antônio Correa de Lacerda
15 Outubro 2016 | 05h00
O governo Temer obteve ampla maioria na votação em primeiro turno, na Câmara dos Deputados, da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241/2016, que limita a expansão dos gastos públicos pelos próximos 20 anos.
A proposta tem encontrado expressiva repercussão e aparente apoio, num autoengano coletivo, muito do qual baseado na visão predominante, um senso comum, de que o Orçamento público funciona como o “orçamento do lar” e de que, na crise, é preciso cortar gastos.
Trata-se de um evidente equívoco, por vários motivos.
Primeiro, porque não há razão para o Brasil ser o único país que trate da questão dos gastos públicos mediante emenda na Constituição e por um período tão longo.
Segundo, porque, sob o ponto de vista macroeconômico, é uma insensatez engessar a política fiscal, importante instrumento para a política econômica, sem precisar efetivamente fazê-lo.
Terceiro, porque, especialmente em meio a uma crise internacional e uma recessão interna, os investimentos públicos representam a única saída à vista.
Ao contrário do orçamento doméstico, é preciso que o Estado aumente o seu investimento para que os efeitos “demonstração” e multiplicador do seu gasto fomentem o investimento privado.
Assim, há um quarto equívoco importante, que é considerar o investimento no total dos gastos a serem limitados.
Vale lembrar, aqui, que esta é a rubrica mais fácil de ser cortada e é o que na prática ocorre quando o governante se vê às voltas com a necessidade de reduzir gastos.
O quinto fator a ser considerado é que, no período de abrangência da PEC 241 – até o ano de 2036 – há uma estimativa de crescimento populacional de 10,1%, um acréscimo de cerca de 20 milhões de pessoas. A população idosa, por sua vez, terá sua participação aumentada dos atuais 12,1% do total para 21,5% em 2036 (dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE). Ambos os aumentos significarão uma maior demanda por serviços de saúde e, evidentemente, previdência. Ou seja, será impraticável atender a tamanha demanda com os mesmos recursos despendidos hoje.
Sexto ponto relevante é o extraordinário custo de financiamento da dívida pública, que tem representado cerca de R$ 500 bilhões ao ano (2015) e para o qual não há qualquer limitação. Apenas a crença de que, com a aprovação da PEC 241, eles serão naturalmente reduzidos.
Alternativas. Neste cenário, é preciso discutir alternativas e levar em conta aspectos importantes no bojo da política macroeconômica:
- realizar uma profunda reforma tributária, com a simplificação do sistema, corrigindo distorções e ampliando o universo de tributação, e também eliminar a regressividade na incidência do Imposto de Renda, regulamentar a cobrança de impostos sobre herança, tributar lucros e dividendos, entre outros;
- promover uma reforma administrativa com o objetivo de aumentar a produtividade do setor público, eliminando desperdícios;
- reestruturar pelos mecanismos de mercado a dívida pública, premiando o longo prazo em detrimento do curto prazo, com isso diminuindo a pressão sobre os juros;
- promover uma desindexação de preços de tarifas e contratos para diminuir o efeito inercial da inflação.
A resistência da inflação tem sido utilizada como justificativa para as elevadas taxas de juros predominantes na economia. Além de restringir o crescimento, juro elevado também implica maior gasto com o financiamento da dívida, ampliando o déficit nominal e, consequentemente, a dívida pública; e, por último, mas não menos importante, é preciso ter consciência de que é impossível realizar um ajuste fiscal diante de uma recessão. Pelo contrário, é com a economia em crescimento que se geram maior arrecadação e a diminuição proporcional da dívida relativamente ao Produto Interno Bruto (PIB).
Portanto, recriar as condições para a economia voltar a crescer é a prioridade, e isso não vai acontecer automaticamente, ao contrário do que prega o discurso oficial.
*Professor-doutor da PUC-SP, associado da Fundação Dom Cabral, é sócio-diretor da Macrosector Consultorres.