Dos embargos de declaração: da Defesa à inovação de Moro, por Leonardo Isaac Yarochewsky

Leonardo Isaac Yarochewsky
Advogado Criminalista – Quinta-feira, 20 de julho de 2017
Dos embargos de declaração: da Defesa à inovação de Moro

“Se a história das penas é uma história dos horrores, a história dos julgamentos é uma história de erros”. –Luigi Ferrajoli

A garantia da jurisdição assevera Aury Lopes Júnior, e, “principalmente, da motivação das decisões judiciais não se contenta com ‘qualquer’ decisão ou com a presença de ‘qualquer’ juiz”.[1] De tal forma que os atos decisórios devem revestir-se de clareza, coerência e lógica.

Dispõe o artigo 382 do Código de Processo Penal:

Art.382. Qualquer das partes poderá, no prazo de 2 (dois) dias, pedir ao juiz que declare a sentença, sempre que nela houver obscuridade,ambigüidade, contradição ou omissão.

Assim sendo, a Defesa do ex-presidente Lula considerando que a sentença do juiz Federal da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba-PR que condenou Luiz Inácio Lula da Silva a pena de 09 (nove) anos e 06 (seis) meses de reclusão e multa, contém contradições, omissões e obscuridades, interpôs dentro do prazo legal embargos de declaração.

Primeiramente, a Defesa salientou que “o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (“ex-presidente Lula”) não reconhece a competência da 13ª Vara Federal de Curitiba/PR, tampouco a necessária imparcialidade deste juízo para a condução e julgamento dos feitos a ele relacionados”.

A Defesa, em apertada síntese, insurgiu contra as seguintes omissões, contradições e obscuridades em relação à decisão condenatória:

Omissão no tocante às afirmações feitas pelo juízo em relação ao ex-presidente Lula e sua Defesa;
Omissão e contradição no tocante à negativa de juntada da íntegra dos procedimentos licitatórios, contratos e anexos discutidos na ação (item 192) e o reconhecimento de vícios e ilegalidades em relação à contratação envolvendo a Petrobras e os Consórcios CONPAR e CONEST/RNEST com base em documentos selecionados pelo Ministério Público Federal na apresentação da denúncia, com manifesto cerceamento de defesa e violação à garantia da paridade de armas;
Omissão, contradição e obscuridade quanto à desqualificação das declarações prestadas por testemunhas que corroboram a tese defensiva, estas de ilibada reputação e que ocuparam – ou ainda ocupam – relevantes cargos na Administração Pública enquanto, convenientemente, se deu desproporcional (e indevido) valor probatório às declarações do corréu Léo Pinheiro, a delatores e candidatos a delatores e, ainda, a reportagens jornalísticas;
Contradição ao desqualificar os diversos instrumentos e as instituições de auditoria, de controle interno e externo, que não detectaram atos de corrupção ligados ao ex-presidente Lula, e reconhecer, ato contínuo, existência de corrupção como “regra do jogo” e relacioná-la ao ex-presidente Lula;
Omissão em relação aos fatos efetivamente relacionados à transferência do empreendimento Mar Cantábrico à OAS Empreendimentos Ltda. pela Bancoop e seus desdobramentos;
Omissão quanto ao exercício das faculdades inerentes à propriedade da unidade 164-A do Condomínio Solaris do Município do Guarujá/SP, pela OAS e pela desconsideração dos fartos elementos de prova que mostram que o ex-presidente Lula jamais teve a propriedade ou a posse do imóvel;
Omissão e contradição quanto à origem dos valores utilizados no custeio do empreendimento e das melhorias na unidade 164-A e, ainda, da importância conferida às palavras isoladas de um corréu após a negativa da prova pericial requerida pela Defesa;
Contradição ao defender sua imparcialidade desrespeitando diversas vezes o ex-presidente Lula e sua Defesa;
Omissão quanto aos evidentes equívocos apresentados na reportagem do “Globo”, apontados nas alegações finais do ex-presidente Lula;
Omissões quanto à pena aplicada.
Embora haja certa divergência doutrinária sobre a natureza jurídica dos embargos de declaração, entre os doutrinadores pátrios prevalece o entendimento de que se trata de recurso. A rigor, observa Aury Lopes Júnior, “os embargos de declaração servem apenas para que o órgão julgador declare, esclareça a decisão, não para que ele volte a decidir, retrate-se ou modifique o decidido (…)”.

Sem adentrar no mérito dos embargos de declaração que tem por escopo, justamente, sanar as ambiguidades, obscuridades, contradições ou omissões da sentença.

Verifica-se que o juiz Federal da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba-PR ao invés de se debruçar sobre as omissões, contradições e obscuridades trazidas pela Defesa do ex-presidente Lula, além de novamente atacar a Defesa, serviu-se da oportunidade para em mais uma “pirotecnia intelectual” – expressão utilizada pelo jornalista Reinaldo Azevedo para criticar a sentença condenatória do juiz Moro – criar fatos com intuito meramente midiático.

Em mais uma decisão arbitrária e despropositada, ao comparar a situação do ex-presidente Lula ao ex-deputado Federal Eduardo Cunha – atualmente preso – o juiz de piso foi muito além da imaginação. Quando afirmou que “ele [Eduardo Cunha] também afirmava, como álibi, que não era o titular das contas no exterior que haviam recebido depósitos de vantagem indevida”, Moro conseguiu o que ambicionava: levar à ilação as primeiras páginas dos principais jornais do país.

Ressalta-se, que não há em relação ao ex-presidente Lula qualquer discussão sobre a titularidade de conta no exterior. A vida de Luiz Inácio Lula da Silva e de seus familiares foi devassada e nada, absolutamente nada, foi encontrado que ligue o ex-presidente com contas em países estrangeiros ou a propriedade do famigerado triplex do Guarujá.

Na decisão em que rejeita os embargos, o juiz Federal Sérgio Moro declara que: “Este juízo jamais afirmou na sentença ou em lugar algum que os valores obtidos pela construtora OAS nos contratos com a Petrobras foram utilizados para pagamento da vantagem indevida para o ex-presidente (…)” Disse, ainda, o prolator da sentença que “não havia essa correlação”.

Ora, com essa decisão, o que já havia sido demonstrado e alegado pela laboriosa defesa ficou ainda mais evidenciado: o juiz Federal da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba-PR não é competente para julgamento do referido processo.

Não se pode olvidar que todos, absolutamente todos os fatos imputados ao ex-presidente Lula teriam ocorridos no Estado de São Paulo. Qual razão, então, indaga a Defesa, em suas alegação finais, “está a explicar o motivo de todos esses fatos serem investigados e julgados em Curitiba, no Estado do Paraná? Megalomania jurisdicional? ‘Pantagruelismo’ judicante?”

Certo é que, sendo “a Petrobras sociedade de economia mista, conforme artigo 61 da lei instituidora vigente – Lei nº 9478/97 –, e possuindo personalidade jurídica de direito privado, não compete à Justiça Federal julgar os supostos crimes praticados em seu detrimento”.

É lamentável que julgamentos odiosos, por juízes incompetentes e parciais, com inversão do ônus da prova, com violação do contraditório e da ampla defesa e com desprezo a presunção de inocência, ainda, insistem em prevalecer em detrimento do Estado Democrático de Direito.

Leonardo Isaac Yarochewsky é Advogado e Doutor em Ciências Penais (UFMG).

[1] LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

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