18-08-2017, 8h12
Programa tucano expõe falta de rumo e divisão partidária
Com erros factuais, propaganda do PSDB é incoerente e oportunista
KENNEDY ALENCAR
BRASÍLIA
Depois da exibição ontem do programa partidário do PSDB, houve críticas duras de ministros e deputados ao conteúdo, considerado uma agressão ao presidente Michel Temer e à ala governista do partido.
De fato, o programa é incoerente e contém erros factuais. A principal incoerência se deve às críticas duras ao governo Temer enquanto o partido mantém quatro ministérios. Se considera que Temer adota um presidencialismo de cooptação, no qual deputados e senadores se vendem por cifrões, o PSDB deveria entregar os cargos. É uma crítica oportunista.
O partido ataca o presidente Michel Temer porque a popularidade do governo é baixa, mas mantém as benesses oficiais que disse rejeitar ao relembrar o manifesto de fundação. É contraditório porque os tucanos adotaram o presidencialismo de cooptação quando governaram o país.
O PSDB deu aval ao impeachment da então presidente Dilma Rousseff, contribuindo para que uma governante eleita não concluísse o mandato. Sem o apoio do PSDB não teria havido impeachment.
Temer e o PMDB chegaram ao poder depois que os principais dirigentes tucanos, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o governador Geraldo Alckmin e os senadores José Serra e Aécio Neves, apoiaram a rebelião na base parlamentar de Dilma. O PSDB é responsável e sócio do governo Temer.
O programa comete erros factuais, como reivindicar a paternidade do Plano Real, que foi feito durante o governo Itamar Franco. A criação dos medicamentos genéricos no Brasil também é da administração Itamar, quando o médico Jamil Haddad foi ministro da Saúde.
No mínimo, o PSDB, que teve papel importante na implantação do Real e dos genéricos, deveria ter sido honesto em relação à gênese dessas iniciativas. Para usar um bordão do partido, o PSDB errou.
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Falsa autocrítica
Aliás, o PSDB repete inúmeras vezes que errou, mas não aponta especificamente nenhum equívoco. Faz menção rápida a ter se rendido ao fisiologismo, como outros partidos.
A reação da ala governista tucana indica que crescerá um movimento que já existe para tentar derrubar o senador Tasso Jereissati do comando partidário, mas o PSDB sempre tende a uma acomodação, muito parecida com a que havia no PMDB, do qual a sigla é uma costela.
As ações de Tasso na presidência do PSDB vêm sendo fortemente criticadas pela ala governista do partido. Ele se manteve no posto porque o senador Aécio Neves, que preside a legenda, não tem condição política de comandar o PSDB porque sofreu graves acusações de corrupção na Lava Jato.
A admissão de erros foi genérica. Há ministros, senadores, deputados e governadores tucanos suspeitos de corrupção de acordo com o que foi investigado pela Lava Jato. Não houve citações a casos concretos. Isso transmite uma imagem de falsa autocrítica e renderá desgaste político a Tasso, porque ele endossou uma generalização contra os tucanos.
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Oportunismo golpista
Aparentemente, o único consenso na propaganda partidária foi a defesa do parlamentarismo. O PSDB lembra que defendeu a mudança do sistema de governo na sua fundação, em 1988, e justifica assim porque está empunhando novamente essa bandeira.
No entanto, quando esteve no poder, entre 1995 e 2002, o PSDB tinha uma base de apoio suficiente para tentar emplacar novamente a ideia e propor uma consulta popular, apesar de o parlamentarismo ter sido rejeitado em plebiscitos em 1963 e 1993.
Mas o partido preferiu usar o capital político para aprovar a regra da reeleição em benefício próprio e no meio do jogo, em 1997, permitindo que FHC concorresse a um novo mandato. A aprovação da reeleição foi um episódio nebuloso na história do PSDB, com uma acusação de compra de votos que nunca foi investigada.
Os candidatos tucanos a presidente aparecem mal nas atuais pesquisas sobre a sucessão de 2018. O partido perdeu as últimas quatro eleições presidenciais e acha que seria mais fácil voltar ao poder mudando o sistema de governo do país.
No atual contexto, é uma proposta com viés golpista, sobretudo se levarmos em conta a qualidade do atual Congresso Nacional. Parlamentarismo com partidos fracos é o pior dos mundos. E, no mínimo, seria preciso um plebiscito ou referendo para ouvir a população.
O programa do PSDB é um resumo da falta de rumo e da divisão política que impera no partido hoje.