Por Talita Tansheit.
“Duas considerações sobre a Consulta Pública em relação ao uso de armas de fogo pela Guarda Municipal de Niterói:
A primeira diz respeito à falsa concepção de que democracia direta gera mais democracia. Muito pelo contrário. Questões delicadas não devem ser decididas em segundos, com base em sim ou não e levada por sensações momentâneas da população (que tende a acreditar que o armamento da guarda geraria mais segurança). Para isso temos instâncias deliberativas, onde o debate pode ser mais qualificado e realizado amparado tanto em debates sobre a democracia direta quanto em evidências empíricas (que não faltam) em respeito ao armamento de guardas e polícias ao redor do mundo. Um exemplo emblemático de como a democracia direta não gera mais democracia é o plebiscito da paz na Colômbia realizado no ano passado, em que a população decidiu pela não reconciliação entre as FARC e o Estado colombiano, deixando ruir por terra e em poucas horas anos de debate e de mesas de diálogo em torno da temática. Por isso não considero responsável, em especial em um momento tão delicado e de tantos diálogos interditados no Brasil, que mecanismos de democracia direta sejam utilizados: dificilmente eles nos levarão à soluções inteligentes.
A segunda diz respeito às evidências empíricas. O debate sobre o armamento é um debate relativamente antigo na Ciência Social e Jurídica no Brasil e no mundo. Muito dinheiro de fundações internacionais e de agências públicas de fomento é gasto com vistas à verificar os efeitos do armamento/desarmamento das guardas e das polícias no Brasil e no mundo (em especial em países como EUA, Colômbia e México). E o que os dados nos mostram? Que ao contrário de reduzir a violência (roubos e furtos em especial) e os números de homicídios, o armamento de guardas e políticas aumenta a violência e os homicídios (!!!). Não à toa o Estatuto do Desarmamento e a campanha de devolução de armas vêm sendo considerados, por diversas pesquisas rigorosas metodologicamente, explicações consistentes para a reduçãoda violência no Brasil – o aumento verificado nos últimos anos é atribuído justamente à maior flexibilidade destas políticas. Ou seja: ele é um falso debate, que opera apenas no campo das sensações individuais, em especial da classe média estabelecida, mas que não trata a temática da segurança pública como uma política pública.
Por isso não apenas votei não, mas considerei incorreta e equivocada a realização desta Consulta Pública. Política pública deve ser pensada à longo prazo, e não no calor do momento, em especial em meio à crise econômica, em momentos de austeridade e de ascensão do conservadorismo no Brasil e no mundo.”
Copiado do Facebook de Jaqueline Quiroga.
Foto: PauloM/Pendotiba, Niterói. Bonita até embaixo de chuva.