Vergonha alheia em evento global – Davos 2019

O discurso de Bolsonaro foi um fracasso e um desastre. As definições não são minhas. São dos jornalistas americanos Brian Winter (desastre) e Heather Long (fracasso). Por seis minutos mais o tempo que demora para um jornalista digerir um discurso – num evento chapa-branca, e isso é importante -, eles passaram por um dia de vergonha alheia.

Você sabe o que é “vergonha alheia”, a expressão está na moda há anos. É quando uma pessoa passa por uma situação tão vexaminosa que você acaba sentindo vergonha por ela também. Mesmo sem conhecê-la.

Por breves seis minutos – e, a partir daquele instante, sabe-se lá por quanto tempo mais -, a figura de Bolsonaro desnudou-se perante o mundo. Era uma figura cuidadosamente escondida, lapidada, trabalhada no marketing, e não era a figura real. Esta esteve num palco em Davos.

Nem estou falando das ideias que ele trabalhou por tanto tempo e que o mantinham um político do baixo clero. Davos não é um ambiente que se preocupe demais com um homem que defende execuções sumárias, ditaduras, tortura e a extinção dos que não pensam como ele. Foi para evitar justamente as pessoas que poderiam tocar nesse assunto que Bolsonaro cancelou entrevista coletiva. E talvez também por isso – além do fato, já óbvio, de que políticos internacionais não querem ser vistos com ele –, preferiu passar sozinho pelos momentos mais amenos, como um reles almoço.

A plateia que foi assistir ao seu discurso era outra. Eram homens e mulheres querendo saber se o novo governo podia dar condições para que eles enriquecessem ainda mais investindo no Brasil. Para isso, o homem que fugiu dos debates e que se pronunciou por Whatsapp (e não dá pra dizer “se comunicou”, porque isso envolve falar e ouvir), tinha de apresentar dados, mostrar seus planos. Dialogar como um chefe de Estado, e não como quem responde a uma entrevista a que não está habituado.

O que eles viram foi um homem tenso, assustado – numa palavra, minúsculo. Pequeno demais para ser um chefe de Estado. E digo QUALQUER Estado, muito menos o quinto maior do mundo. Totalmente despreparado. Mais do que Hermes da Fonseca, mais do que Dutra, mais do que Costa e Silva – e, juro, estou escolhendo apenas os homens mais toscos que nos governaram sem usar o fato de terem os três sido militares como critério.

Se algum estrangeiro esperava o pronunciamento de Bolsonaro para decidir se investia no Brasil, acho que a decisão já está clara nesse momento. Penso também na fatia da nossa elite que o apoiou pouco se importando com as bravatas de Bolsonaro quanto às questões sociais – Segurança e Educação, sobretudo -, porque apenas lhe interessavam as questões econômicas. Essa fatia acusou o golpe; a Bovespa despencou; talvez não pelo discurso em si, mas por quem Bolsonaro é, a Arábia desistiu do frango brasileiro. Imagino que neste momento há grandes empresários nossos reformulando seus planos; infelizmente, isso não tem nada a ver conosco.

O discurso em Davos agora provavelmente vai tornar a agenda de Bolsonaro mais apertada. Ele tem de mostrar serviço para seus apoiadores – e tem de ser na área econômica. O Congresso vai começar seu ano letivo já sob enorme pressão. Mas, não se esqueça, os macacos velhos ADORAM ser pressionados.

É claro, não foi apenas Bolsonaro quem passou vergonha em Davos. Fomos nós. Um mundo de 7 bilhões de pessoas está se perguntando como é que um país com 210 milhões de habitantes elegeu-o. O mundo inteiro, a bem dizer, não. Comungam dessa vergonha pessoas esclarecidas na Hungria, na Polônia, nas Filipinas, em Israel. E alguns americanos também – os poucos que se preocupam com o que o mundo pensa deles. Se algum estrangeiro (digamos, português, italiano ou francês) questionar você por ser brasileiro, responda que ele pode estar mais perto de viver a nossa situação do que imagina.

Para terminar, vou fazer uma confissão que vai irritar meus amigos: por um breve momento, senti pena de Bolsonaro. Talvez porque eu tenha treinado muito tempo para exercer minha empatia sem olhar a quem; ou talvez porque toda figura que atinja esse grau de patetice seja digna de compaixão.

Mas não se preocupem. Eu fiquei pensando nas palavras “Ustra” e “Moro” e a pena logo passou.
Por Léo Bueno

Leia, a seguir, o discurso de Jair Bolsonaro em Davos:

2019/jair-bolsonaro-discursa-no-forum-de-davos-7318564./politica/video/jair-bolsonaro-discursa-no-forum-de-davos-7

Discurso de Luiz Ignácio Lula da Silva em Davos 2003:

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