Um belo domingo, rapazes!

Acordei Cruz e Sousa. Fui na varanda e curti a claridade das manhãs ensolaradas de abril.


“Sol, rei astral, deus dos sidérios Azuis,

que fazes cantar de luz os prados verdes, cantar as águas!

Sol imortal, pagão, que simbolizas a Vida, a Fecundidade! “

Neste domingo de necessária quarentena, lembrei-me de Semprun em “Um belo domingo”, que li há muito tempo. Não tenho mais o livro. Alguém levou emprestado e não devolveu. Tudo bem. Livros são feitos para proporcionar viagens e para, eles próprios, viajarem de mãos em mãos.

Neste domingo em que o Brasil enfrenta duas pestes, um vírus invisível e uma ameaça totalitária no governo, visível, não haveria motivos para curtir o sol e abstrair a dura realidade. Mas acordei Semprun. Recorri à internet e recuperei uma passagem marcante do livro:

“Manhã fria e cinzenta, no campo de concentração de Buchenwald, em que um prisioneiro, sem nenhuma razão plausível para a admiração, comenta: um belo domingo, rapazes!” *

E segue Cruz e Sousa …

Permite-me que um instante repouse na calma das Idéias, … e deixe lá fora, no rumor do mundo, o tropel infernal dos homens ferozmente rugindo e bramando sob a cerrada metralha acesa das formidandas paixões sangrentas.

Concede, Sol, que os manipanços não possam grotescamente, chatos e rombos, com grimaces e gestos ignóbeis, imperar sobre mim; e que nem mesmo os Papas, (os medievais papas e os novos pastores, eu diria) que têm à cabeça as veneráveis orelhas e os chavelhos da Infalibilidade, para aqui não venham com solene aspecto abençoador babar sobre estas páginas os clássicos latins pulverulentos, as teorias abstrusas, as regras fósseis, os princípios batráquios, as leis de Crítica-megatério.

E faz igualmente, Sultão dos espaços, com que os argumentos duros, broncos, tortos, não sejam arremessados à larga contra o meu cérebro como incisivas pedradas fortes.

Livra-me tu, Luz eterna, desses argumentos coléricos, atrabiliários, como que feitos à maneira das armas bárbaras, terríveis, para matar javalis e leões nas selvas africanas.

Pelo cintilar de teus raios … faculta-se … o magnificente poder de rir – rir e amar, perpetuamente rir… perpetuamente amar…

* eliesercesar.wordpress.com

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